08. Tudo sendo trágico

88 10 13
                                    

Faltavam duas semanas para as aulas acabarem, e Kyle estava de detenção. Estranhamente, aquela detenção parecia ser a melhor coisa que lhe acontecera. Para ele, era uma boa oportunidade para escapar da vergonha e tentar esquecer o que aconteceu no domingo, na casa do Stan.

Sentado em silêncio, Kyle encarava a janela da sala de detenção, enquanto sua mente começava a vagar. O flashback daquela cena desastrosa invadiu seus pensamentos. Ele se lembrava de cada detalhe, começando pelo momento em que assentiu:

— Tá bem — disse Kyle, assentindo com a cabeça, enquanto coçava nervosamente a cabeça e olhava para Cartman. Ele podia ver o pânico crescendo nos olhos de Cartman, que engoliu em seco, quase trêmulo.

— V-você tem certeza? — gaguejou Cartman, claramente em pânico.

Kyle apenas assentiu novamente. Cartman se aproximou, colocando as mãos nos ombros de Kyle com firmeza, mas hesitando. Seus olhos alternavam entre os de Kyle e seus lábios avermelhados, ambos visivelmente corando.

— Vai logo, Cartman! — reclamou Stan, impaciente.

— Eu já vou, caramba! — Cartman rosnou de volta, desviando os olhos por um segundo antes de voltar sua atenção para a boca de Kyle. Aproximar-se parecia o maior desafio de sua vida.

O coração de Kyle batia rápido. Ele fixava o olhar em Cartman. Apesar de não ser a primeira vez que se beijavam, a tensão no ar fazia tudo parecer estranho e diferente.

— Se você fechar os olhos, fica mais fácil — sugeriu Kenny, casualmente, apoiando a mão no rosto como se fosse um espectador de um show.

Kyle, meio hesitante, fechou os olhos como Kenny sugeriu. Cartman, tentando esconder o nervosismo, fez o mesmo. Então, aconteceu o desastre.

A cena que seguiu foi, sem dúvida, a mais grotesca que alguém poderia imaginar. Kyle, ainda pouco acostumado com a ideia de um beijo, esperava um selinho. Mas Cartman... Cartman tinha expectativas bem maiores. Ele foi com tudo — língua e tudo mais. Só que Kyle não estava esperando por isso, mantendo a boca fechada.

E aí, o erro fatal: Cartman enfiou sua língua direto na boca de Kyle, que estava completamente despreparado. Kyle arregalou os olhos, horrorizado.

Stan e Kenny ficaram parados, boquiabertos, testemunhando a visão do inferno.

— ... Que porra foi isso, mano? — Stan falou, visivelmente perturbado.

Kenny tentou segurar o riso, mas falhou miseravelmente.

— HAHAHAHAHAHAHAHA! — Kenny explodiu em gargalhadas. — QUE PORRA FOI ESSA?! — Ele ria tanto que começou a ficar sem ar.

E então, como sempre, ele riu até morrer. Ele caiu no chão, imóvel.

— Oh meu Deus... Vocês mataram o Kenny... seus...! — Stan começou a exclamar, mas a cena era tão absurda que ele mesmo estava meio perdido.

Kyle e Cartman estavam parados, em choque, sem saber onde enfiar a cara. O beijo tinha sido um desastre horrível e doloroso.

De repente Butters abriu a porta, sem aviso algum.

— Pessoal, o Butters chegou! — ele ergueu o filme do Sonic em mãos, mas de repente se deparou com Kenny duro no chão — Oh... Ken?

Depois daquele dia, Kyle não trocou mais uma palavra com Cartman. Ele o evitava em todos os lugares — nos corredores, na sala de aula, nos intervalos. Se via Cartman se aproximando, tomava outro caminho. E se, por acaso, ficavam no mesmo lugar, Kyle fingia que ele nem existia.

No início, Cartman não desistia. Ele ainda tentava se aproximar, correndo atrás de Kyle pelos corredores, tentando puxar conversa ou fazer piadas sem graça. Mas com o passar dos dias, ele foi percebendo que Kyle não falaria com ele tão cedo mesmo. E assim, Cartman, irritado, começou a manter distância, embora vez ou outra lançasse olhares de frustração.

***

Cartman estava sentado ao lado de Butters no refeitório, brincando distraidamente com a comida no prato.

— Foi mal por ter te batido, Butters — ele murmurou, sem olhar para o amigo. — Eu só queria descobrir quem foi o filho de uma grande puta que espalhou aquilo.

Butters, sempre otimista, tentou confortá-lo.

— Deve ter sido uma pessoa horrível. Você vai tentar descobrir quem foi, Eric?

Cartman suspirou, desanimado.

— Não, já nem importa mais — ele disse, mexendo o garfo na comida. — Ele nem quer mais papo comigo...

Butters, com sua habitual inocência, tocou o ombro de Cartman, tentando ser solidário.

— Não desiste, Eric! — ele disse, ainda segurando o ombro de Cartman de forma encorajadora. — Você vai pensar em algo, eu sei!

Mas as palavras de Butters, por mais bem-intencionadas que fossem, não faziam efeito. Cartman já havia perdido a esperança naquela "quase-algo" que eles tinham. Na casa de Stan, ele até começou a se animar, mas depois daquele beijo... tudo desmoronou. Ele já não era mais o menino genial criativo de antes. O espírito do cupido que ele um dia foi, desaparecera.

— Não, Butters, esquece isso — Cartman bufou, cansado.

— Sério? — Butters perguntou, franzindo a testa. Ele olhou pela janela, distraído, notando Kyle sentado sozinho na detenção. — O Kyle já tá lá faz um tempão, né? — comentou, antes de dar uma mordida no sanduíche.

O silêncio caiu sobre eles.

— Butters... — Cartman disse, de repente.

Butters olhou para ele, ainda com a boca cheia.

— Uh?

— Cê ainda vai comer isso? — Cartman perguntou, apontando para o pote de plástico que continha o segundo sanduíche de Butters.

— Ah, eu ia. Quer? — Butters ofereceu o sanduíche sem pensar duas vezes.

— Não o sanduíche, idiota. O pote — Cartman pegou o recipiente e sorriu de um jeito travesso.

Butters o olhou, confuso.

— O que você vai fazer com o pote?

Cartman, com um brilho malicioso nos olhos respondeu:

— Vou tirar aquele desgraçado da detenção... do meu jeito.

Enfim, Eric Cartman, se lembrou de suas raizes.

— Como você vai fazer isso, Eric? Ele tá preso lá até o final do dia — perguntou, enquanto arqueava as sobrancelhas.

Cartman balançou a cabeça, já imerso na ideia.

— Ah, Butters... você não entende nada, né? Detenção é só uma palavra. Vamos transformar esse lugar em um inferno literal — ele continuou, mexendo no pote.

— Uh... como o pote vai servir nisso?

— Butters, Butters... — Cartman riu, batendo no ombro do amigo. — Você verá.

Butters mordeu seu sanduíche, ainda sem entender nada, mas com a estranha sensação de que, de alguma forma, o pote de plástico teria um destino trágico.

Butters engoliu um pedaço em seco.

— Eric, esse é o pote favorito da minha mãe, não estrague com ele — Butters fez seu pedido final.

Nossos Segredos | Kyman - South ParkOnde histórias criam vida. Descubra agora