A atmosfera no palácio de Al Zubarah estava pesada. Os corredores, normalmente cheios de risos e murmúrios de servos e cortesãos, haviam se transformado em um espaço de tensão e expectativa. Todos sabiam que o Sultão Amim Ali Aziz, outrora um líder calmo e sábio, estava tomado pela irritação. Seus pesadelos constantes e a estranha sensação que seu turbante provocava o estavam levando ao limite. As paredes do palácio pareciam absorver a angústia de Sua Alteza, espalhando medo em cada canto.
Foi nesse clima de inquietude que o primeiro sábio do reino, o famoso intérprete de sonhos de Al Zubarah, foi chamado à presença do Sultão. Ele era um homem respeitado por sua sabedoria, conhecido por ler nas entrelinhas dos sonhos o destino e os presságios, bons ou ruins. Diante do trono, o sábio parecia pequeno e frágil, especialmente sob o olhar feroz do Sultão, que mal podia conter sua impaciência.
— Grande Sultão — começou o sábio, inclinando-se em uma reverência profunda. — Ouvi falar de seus pesadelos e estou aqui para lhe oferecer a interpretação que busca. No entanto, peço a Vossa Alteza que tenha paciência com as revelações que hei de trazer, pois os sonhos, muitas vezes, carregam verdades difíceis de aceitar.
O Sultão, com os olhos semicerrados e um olhar penetrante, respondeu com firmeza:
— Sabemos, sábio, que os sonhos trazem mensagens. Mas desta vez, meu sonho tem durado por noites demais, e cada noite me tira algo mais precioso: meus dentes. Quero respostas, e não mais enigmas. Diga-me, o que significa perder todos os dentes em meus sonhos?
O sábio, com um leve tremor na voz, engoliu seco antes de falar. Ele sabia que o Sultão estava à beira de explodir, mas sua lealdade ao dever o impeliu a dizer a verdade, mesmo que fosse dura.
— Majestade, temo que o sonho seja um mau presságio. Cada dente perdido no sonho representa a perda de um ente querido na vida real. Um a um, seus parentes serão levados por Alá, e, quando o último dente cair, todos os que ama terão partido.
O salão, já silencioso, ficou ainda mais sombrio. Os guardas e servos presentes mal respiravam, aguardando a reação do Sultão. O ar parecia pesado, como se cada palavra tivesse carregado o destino sombrio que o sábio acabara de pronunciar.
A face do Sultão se contraiu em fúria. Seus olhos, normalmente calmos e calculistas, brilhavam como chamas vivas. Ele se levantou abruptamente de seu trono, fazendo seu manto real esvoaçar.
— Como ousa? — rugiu o Sultão, a voz reverberando pelas paredes do salão. — Como ousa trazer tais palavras sombrias ao meu ouvido? Está a dizer que todos os meus amados estão condenados?
O sábio, agora visivelmente abalado, tentou manter a compostura.
— Não, Majestade... eu apenas interpreto o que os sonhos revelam. Não controlo o destino, apenas o leio nas mensagens enviadas pelos céus.
Mas o Sultão não queria ouvir mais nada. Para ele, a ideia de perder seus entes queridos era inaceitável, e ouvir aquilo, na presença de toda a corte, feriu seu orgulho e seu coração.
— Guardas! — gritou o Sultão, seus olhos fixos no sábio. — Levem este impostor e deem-lhe o castigo que merece. Cem chibatadas, e que sirva de lição a qualquer outro que ouse trazer desgraça para mim com suas palavras tolas!
Os guardas, já preparados para a ordem, agarraram o sábio com firmeza, embora com alguma relutância. Eles sabiam que o homem era respeitado e havia servido ao reino por anos, mas a ira do Sultão era lei, e desobedecê-la seria impensável.
O sábio, resignado ao seu destino, não lutou. Ele sabia que, ao contrário dos sonhos, a realidade poderia ser cruel e injusta. Com a cabeça baixa, foi levado para o pátio, onde seria punido. Lá fora, o sol forte queimava o chão de areia, refletindo o calor opressor que fazia naquela manhã.
No pátio, uma pequena multidão já começava a se reunir, sabendo que uma punição pública estava prestes a acontecer. Os servos e outros cortesãos, que momentos antes discutiam em voz baixa sobre os pesadelos do Sultão, agora observavam em silêncio o desfecho cruel de uma profecia não desejada.
O sábio foi amarrado a um poste de madeira, suas vestes simples contrastando com a pompa do palácio ao fundo. O carrasco, um homem robusto e experiente, preparou-se com sua chibata em mãos. Um murmúrio de apreensão passou pela multidão quando ele levantou o braço, pronto para desferir o primeiro golpe.
A cada chibatada, o sábio contorcia-se de dor, mas não emitiu um único grito. Sua resistência silenciosa apenas aumentava o desconforto de todos os presentes. O som da chibata cortando o ar e atingindo a pele ecoava no pátio, cada golpe contando como uma advertência para todos que ousassem desagradar o Sultão.
Dentro do palácio, o Sultão observava a cena de longe, das janelas de seus aposentos. Sua raiva ainda queimava, mas, ao ver o sábio ser punido, uma pequena sensação de desconforto começou a surgir em seu peito. Não era comum que ele se arrependesse de suas decisões, mas algo naquela situação parecia fora do lugar. Ainda assim, ele afastou os pensamentos, acreditando que fizera o necessário para preservar seu reino e seu próprio bem-estar.
Quando a centésima chibatada foi desferida, o sábio foi desamarrado e levado, seus passos cambaleantes indicavam o peso da punição que recebera. A multidão, agora dispersa, retornou ao seu trabalho diário, mas todos sabiam que aquele dia seria lembrado por muito tempo.
De volta ao salão do trono, o Sultão tentava afastar os ecos da profecia que o sábio lhe revelara. No entanto, o som das chibatadas ainda ecoava em sua mente, misturando-se com o estranho barulho que vinha do seu turbante. O peso na cabeça, como sempre, não dava trégua.
— Não posso confiar em qualquer sábio... — murmurou o Sultão para si mesmo. — Talvez o próximo que consultar tenha algo mais... positivo a me dizer.
No entanto, ele não conseguia afastar uma dúvida crescente. E se o sábio estivesse certo? E se, de fato, cada dente perdido no sonho simbolizasse a perda de um ente querido? Ele preferia não acreditar nisso, mas a incerteza o consumia.
Enquanto o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de Al Zubarah de tons alaranjados e roxos, o Sultão sentia que a resolução daquela questão estava longe de ser alcançada. A punição do sábio aliviara sua raiva momentaneamente, mas a sensação de que algo maior estava em jogo permanecia.
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O Segredo do Turbante do Sultão
خيال (فانتازيا)Houve um tempo em que o poderoso Sultão Amim Ali Aziz reinava sobre a luxuosa cidade de Al Zubarah, no emirado do Catar. Porém, algo estranho começou a perturbá-lo: durante trinta noites consecutivas, ele sonhou que todos os seus dentes caíam, até q...