episódio 1

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Episódio 1

Nathan - NT

Quando eu era pequeno, me sentia meio perdido, como se tudo ao meu redor fosse um grande nada. A rotina de todas as crianças, bom, pelo menos as que passavam na televisão, era brincar, correr e se machucar. Bem, as crianças normais.

Porém, eu não tinha esse privilégio, não quando minha família passava fome e nossas barrigas doíam a cada segundo que passava. Querendo ou não, acabei amadurecendo cedo demais, criando uma consciência pesada sobre a vida e sobre mim mesmo.

A responsabilidade posta a mim foi como uma montanha sendo descarregada em minhas pequenas costas. Por algum momento, me senti sufocado, cansado, exausto... Como eu cuidaria de mim mesmo e da minha mãe doente? Minhas costas estavam quase cedendo, mas eu não podia desistir, não quando tinha pessoas dependendo de mim.

Aos treze anos de idade, tudo piorou. Papai já não tinha mais o seu emprego, e mamãe estava muito doente. Por ser um garoto que vivia nas ruas, eu conhecia bastante gente, e quando digo muitas, era porque eram muitas.

Na noite em que meu pai chegou em casa falando que estava desempregado, um martelo pareceu ter atingido meu peito, me despedaçado e depois cravado em minha alma.

Ele chorava nos braços de minha mãe doente, pedindo desculpas por isso. Fiquei encarando tudo, como se estivesse vendo em terceira pessoa a minha vida cavar mais ainda aquele poço em que estávamos.

Enxuguei as lágrimas que insistiam em cair de meu rosto, saí pela porta fina de madeira, com meus pés descalços no chão e meu peito nu ao vento. Com passos rápidos, desesperados e longos, me vi em frente a todos aqueles caras armados. Eu estava com medo, tanto que mal conseguia falar. Porém, o que seria pior? Morrer tentando nos salvar, ou morrer esperando a fome nos matar?

Meu eu daquela época nem mesmo pensou nas consequências, ele sabia que aquela seria a nossa melhor opção. Foda-se o que merda fosse acontecer comigo no futuro. O importante, pelo menos naquele momento, era pensar que teríamos um futuro.

Um dos vapores me olhou dos pés à cabeça. Pelo seu olhar, ele já devia saber para o que eu estava lá. Levantei o corpo, tentando manter toda a marra que uma criança de treze anos pode passar, e disse a frase que mudou a minha vida.

Depois daquilo, o caminho de volta parecia ser sem sentido. O que eu falaria para minha mãe? O que seria de mim a partir desse momento? Eu não sabia, mas imaginava que não seria tão fácil assim.

Honestamente, não vou dizer que o motivo pelo qual entrei para o mundo do crime seja diferente dos outros. Se pararmos para pensar, passar fome na favela não é uma surpresa, principalmente onde moramos. O crime é uma fuga, o único lugar para onde podemos ir se não quisermos morrer. Quem liga para moral quando passamos dificuldades debaixo do próprio teto?

Mesmo que seja de um jeito ruim, o importante é que eu consigo pôr comida na mesa, fazer minha mãe ter uma vida leve ao lado do meu pai. E daí que, para isso, eu precisei sacrificar minha infância e toda a minha vida? As duas pessoas que mais amo estavam vivas e bem, isso é o que importa.

Hoje, eu sou um dos vapores de confiança do DG, o dono do morro. Eu tenho 23 anos e estou no meu quarto. Só escuto a minha velha me chamando lá da cozinha.

Mayara: "Filho da puta, vem comer, caralho!"

Eu vou correndo para a cozinha.

Eu: "Oi, mãe, já tô aqui." Eu abraço ela. "Benção."

Mayara: "Deus te abençoe, meu filho." Ela fala isso e me dá um beijo na testa.

Eu não gosto que ninguém beije a minha testa. As únicas pessoas que podem beijar a minha testa são os meus velhos, mais ninguém.

Eu tomo café e vou para a boca trabalhar.

Minha mãe odeia que eu esteja nessa vida do crime. Eu também odeio. Se um dia eu tiver oportunidades de sair dessa vida, eu vou com certeza. Mas enquanto eu não tenho, vou ficar na vida do crime mesmo. Por mais ruim que seja, por causa do crime hoje minha família não passa mais fome e moramos em uma mansão, graças ao dinheiro do crime, que não é pouco, é muito dinheiro.

Eu tenho muita fé em Deus, mas não tenho religião. Só tenho fé em Deus.

Coração BandidoOnde histórias criam vida. Descubra agora