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Acorda em um inverno que parece não acabar, os gritos de Liza já ecoavam pela pequena cabana onde agora residimos

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Acorda em um inverno que parece não acabar, os gritos de Liza já ecoavam pela pequena cabana onde agora residimos. Já acostumada com a rotina, não demorei para me levantar e me aprontar para caçar. O arco de guaiaca já estava sobreposto a uma pequena cômoda de madeira velha.

Arisco dizer que esse arco é uma das poucas coisas mais caras deste lugar. Indo em direção à pequena sala, já posso ouvir a voz de Iza mais alta a discutir com papai. Embora quisesse ignorar e passar batido naquela briga que parecia se repetir como a do dia anterior, logo Liza me nota e, como sempre, sua hostilidade é assombrosa.

- Por que demorou tanto para se levantar, Elaine? Não vê que estamos mortos de fome? Como pode ser tão egoísta?!

- Liza, já que está tão desesperada, por que não se levantou e caçou por conta própria? Não se incomode tanto, irei me aprontar e já bato em retirada.

- Como pode dizer isso para mim? Agora mesmo tive que impedir que papai vendesse um dos poucos vestidos caros que me restam. Imagine só, já perdemos tudo de nossa antiga vida. O que nos basta é tentarmos manter o mínimo de dignidade que nos resta.

Quando eu ia responder a afronta de Liza, pude ouvir a voz desengonçada e tropeçada de meu pai.

- Meninas, não briguem mais. Liza, por que não busca um pouco de madeira para nossa lareira?

Não posso deixar de notar que ele havia bebido; o cheiro de álcool me enjoava e me revirava o estômago.

- Como pode? Minhas mãos estão arranhadas! Não irei ficar com mãos grossas como as de Elaine, suas mãos não tão grossas que podem até mesmo se assemelhar a cascos de cavalos velhos e fedidos.

Embora eu quisesse muito entrar nessa guerra com Liza, não posso deixar que morram de fome.

- Bom, Liza, talvez você queira caçar em meu lugar e eu vá buscar a madeira. Só toma cuidado com as grandes lebres e ursos que você pode encontrar!

- Hum.

Ignorei aquele arfar de Iza e me direcionei à mesa de madeira próxima à lareira, onde estavam minhas botas desgastadas e remendadas. Suas solas eram finas, das quais quase podia sentir meus pés tocarem o chão frio e denso. Já me aprontando com um velho casaco de pele e uma calça de lã que mal se sustentava no meu corpo, de tantos remendos.

Ao sair, não me dei ao trabalho de me despedir de Liza e papai. Não pude deixar de pensar em nosso passado. Há exatamente dois anos, minha mãe ficou doente e, com isso, meu pai, tentando não pensar na fatal doença de mamãe, se distraía com jogos e acreditava em charlatões que vendiam felicidades em formato de terras, dizendo que essas terras continham grandes riquezas. Liza, naquela época, vestia-se como uma nobre princesa da corte; seus olhos castanhos e cabelos cor de caramelo chamavam bastante atenção, suas bochechas com uma leve coloração e olhos coloridos com maquiagem deslumbravam os rapazes que a cercavam. Liza adorava esbanjar a vasta riqueza de papai.

Eu me distrai lendo histórias para minha mãe, que estava de cama. Mal aguentava ver seus lábios pálidos, seu olhar fundo e cansado, até que pude escutar sua voz fraca, quase como um sussurro a dizer:

- Elaine, querida, meu pequeno floquinho de neve, cuide bem deles em minha partida. Embora eles sejam soberbos, não deixe de amá-los. Eu deixarei essa tarefa em suas mãos, minha pequena Elaine.

Mal pude responder à minha mãe, apenas acenei com a cabeça concordando com suas palavras. Lágrimas desciam do meu rosto; mal pude perceber, sentia meu rosto se molhar e as delicadas mãos de minha mãe se deparem com o meu rosto. Ali pude perceber que ela havia dado seu último suspiro.

Após a morte de mamãe, papai disse ter ficado milionário, reunindo todos os grandes senhores da cidade de Gomorra, festejando a noite toda. Liza, como sempre, via as festas de papai para esbanjar toda a riqueza que tinha. Às vezes pensava que apenas eu vivia o tão recente luto de mamãe, ou talvez essa fosse a forma deles viverem o luto.

Logo afastei meus pensamentos do passado e me foquei em um barulho de salto sobre a neve. Posicionei meu arco a ponto de atirar em qualquer coisa que se mexesse e pudesse saciar nossa fome. O frio fazia minha respiração ficar pesada e meu rosto frio e pálido não parava de tremer.

Até Que A Morte Nos Separe Onde histórias criam vida. Descubra agora