Enquanto me direcionava para a floresta, não podia deixar de pensar o quanto Liza não era feita para aquela vida. Eu tinha certeza de que ela seria capaz de matar uma criança por um par de sapatos novos. Não imaginaria que minha doce irmã Liz, que brincava de se maquiar quando pequena, ficaria tão arrogante e irredutível. Logo, perdida em meus pensamentos, não percebi que já havia chegado ao local onde deixara o que restava do urso que havia abatido. Preparei a bolsa que trouxera para colocar os resultados e, logo após recolher, parti em direção a casa.
Ouvi um assovio e fiquei desorientada, começando a olhar para os lados à procura de quem seria louco o suficiente para adentrar tão longe na floresta. Me escondi entre as árvores, preparando-me em posição de ataque. O assovio se estendia como um eco entre as árvores; meu coração estava acelerado e meu corpo estagnado, imóvel, como um coelho em meio a uma caçada de um predador feroz. Não conseguia pensar em nada a não ser me esconder mais ainda entre as árvores. Meus cabelos brancos e minha pele pálida ajudavam a me misturar na neve. Minhas mãos trêmulas mal conseguiam sustentar o arco, muito menos apanhar uma das flechas que havia trazido comigo.
Com uma olhada rápida que dei naquele tenso momento, senti uma rajada forte de vento e neve. Antes que pudesse reagir, fui acertada na nuca, próximo ao pescoço. Com a visão turva e confusa, mal podia sustentar meus olhos abertos. Ali pude ver um dos meus abatedores, com uma capa preta que não mostrava seu rosto. Sentia a neve gelada tocar meu rosto, trazendo a ardência que só o gelo pode trazer. Esforcei-me para me manter acordada, mas todos os meus esforços foram em vão. Logo, o sono e a escuridão tomaram conta do que restava da minha visão, e me entreguei a isso.
Quando comecei a despertar, a visão turva e desfocada mal me permitia ver, devido à escuridão que tomava conta do ambiente desconhecido em que estava. Toquei o solo onde me encontrava na esperança de reconhecer o chão de Gomorra, mas só pude sentir uma madeira rígida como a de minha flecha. Tentei deduzir que estava em uma carroça ou cabana. O medo que me rondava deixava meu raciocínio inconclusivo; tudo que podia pensar era que não poderia morrer. Meu pai e Liza não durariam sequer um único dia sem o resto da caça. Comecei a sentir lágrimas escorrerem pelo meu rosto, e o desespero era pouco do que eu sentia naquele momento.
Logo pude ouvir algo. Calei meu choro, engolindo em seco. Com minhas mãos, tentei abafar o máximo de som possível. Então ouvi. Um grunhido que parecia formar palavras que eu não entendia. Uma segunda voz, um pouco mais calma e tranquila, dizia:
- Não se preocupe, o nosso comprador já irá chegar.
Em meio àquilo, deduzi que ele entendia o que aquele grunhido seco e áspero dizia. Minha mente já supondo o pior, enquanto eu pedia socorro em silêncio, em meio às lágrimas. Calei-me mais uma vez ao notar mais alguém se aproximando. Uma voz dominante e grossa, como se fosse um eco, uma voz firme como a de um locutor das grandes batalhas que meu pai assistia quando era criança. O homem de voz calma, com um tom de surpresa, gaguejou ao abordar aquela voz tão densa.
- O... Grande Senhor Grão Férico, o que traz um nobre senhor em um lugar tão sujo como este?
Grão Férico? Isso soava como brincadeira, enquanto me recordava dos avisos daquelas caçadas que havia encontrado. Meu corpo tremia a cada palavra do diálogo. Ouvi novamente a voz estridente do homem, com a voz parecida com a de um locutor.
- Me dê bons criados, não me faça perder meu tempo com seus elogios e suas bajulações rasas.
Não pude acreditar no que acabara de ouvir; coisas que eu acreditava ser contos de minhas histórias acabavam por ser tão reais e sombrias quanto as de meus livros. O medo parecia sair e ficar preso sobre meu corpo, enquanto tentava calar meus soluços e choro.
Vi a capa que cobria o local de madeira onde estava. Logo, vi o que achava que era luz, que confundia meus olhos, fazendo meu choro se misturar com meu lacrimejar. Aquela luz amarelada se misturava com a escuridão daquele ambiente hostil e frio. Logo pude ver o rosto da voz que fazia meu coração bater desreguladamente e meu corpo tremer como um filhote de lebre no abate.
Um homem de cabelos longos, loiros cor de cobre, seus olhos azuis combinando com a frieza que carregavam, lembrando grandes balas de gelo. Suas orelhas pontudas, como as de elfos das minhas adoradas histórias, e o pingente verde que carregava na orelha chamava atenção como um sino.
Segui meus sentidos para olhar o segundo homem, de capa escura, da qual mal podia ver o rosto. Com o som de um grunhido, desviei minha atenção em sua direção e pude ver algo que meus olhos viam e minha mente não acreditava: uma fera, um lobo que estava sobre duas patas e se vestia como nós.
O homem de cabelos cor de cobre quebrou o silêncio que carregava todo meu medo e dor.
- U... um humano?
Aquele homem parecia espantado, como se eu fosse um monstro, como a besta que estava ao seu lado. Não conseguia falar nada; o medo segurava minhas cordas vocais, me permitindo apenas ficar calada, com os olhos marejados.
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Até Que A Morte Nos Separe
RomanceEm um mundo onde Féricos são separados de humanos, uma jovem é vendida para uma das côrte férica, mal sabia que iria descobrir uma realidade que não sabia ser presente em sua vida, o grão senhor Férico mal podia imaginar que sua vida poderia mudar t...