Prólogo

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Dizem que a vida começa aos trinta.

Até o último dia do meu vigésimo quarto aniversário, confesso que não acreditava nisso. A vida parecia apenas uma longa e cansativa caminhada, onde o único objetivo era alcançar uma aposentadoria tranquila. O tempo corria implacável, sem pausas, enquanto a monotonia se repetia, formando a base de cada instante. As tantas coisas que, dizem, dão sentido à existência — poesias, filosofia, romances — para mim, não ressoavam de forma especial. Se eu tivesse visto o mundo em cores vibrantes ou experimentado um amor verdadeiro, tudo isso parecia um passado distante, quase apagado pela rotina e pelos dias iguais desde o fim da adolescência.

Meu cotidiano era dominado pelo trabalho e o estudo incessante em busca de um emprego que trouxesse mais estabilidade. Era uma rotina que me ocupava tanto que, às vezes, invadia até meus sonhos: horas exaustivas de estudo, cálculos que eu fazia em um ritmo frenético, clientes impacientes e as intermináveis promoções das empresas telefônicas. Isso tudo, aliado à pressão das contas e à ansiedade por um futuro melhor, me rendia dores nas costas, dores de cabeça e nos joelhos. Eu não queria admitir, mas às vezes parecia que a passada da vida adulta pra velhice estava se antecipando, me abraçando antes do tempo, oque é estranho de pensar considerando minha idade.

Essa era a minha vida desde os vinte e dois anos. Sinceramente, achava que poderia continuar, firme, apesar das dores.

Até que, um dia, a rotina foi bruscamente interrompida.

Nunca imaginei que poderia viver da forma como vivo agora, por outra pessoa. E preciso contar como isso aconteceu.

Tudo começou com um anúncio no jornal

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Tudo começou com um anúncio no jornal. Eu precisava de ajuda com as tarefas de casa durante o expediente. Minha antiga ajudante havia se casado há uns dois meses e, desde então, a casa parecia viver um caos particular. Entre lavar roupas e cozinhar, restava apenas o domingo para tentar dormir – ou, melhor dizendo, cochilar.

Passaram-se mais de duas semanas até que alguém finalmente ligasse.

Do outro lado da linha, uma voz calma e reconfortante perguntou sobre a vaga, e admito que aquele primeiro contato já trouxe um inesperado contentamento.

— Alô, senhor Rui Kamishiro?

— Ele mesmo...

— Sou Tsukasa Tenma. Liguei sobre o anúncio no jornal; estou muito interessado no trabalho.

— Ah, finalmente uma ligação! – Suspirei, aliviado. – Pois bem, qual a sua idade, Tsukasa?

— Dezenove, senhor.

— Tem experiência na área? Sabe lavar, passar, cozinhar?

— Tecnicamente sim. Eu cuidava de tudo na casa da minha avó e...

— E tem habilidades com arte ou consertos? Às vezes, preciso de ajuda com alguns reparos. – Interrompi ansioso.

— Bem, eu acho que sim...

— Contratado, meu jovem. – Ele parecia ideal para a vaga. – Você começa segunda-feira, ao meio-dia. Seis horas de trabalho, salário inicial de 1600 com benefícios. E, claro, extras para atividades secundárias.

— Eh... Meu Deus... – A surpresa e felicidade eram claras em sua voz. – Obrigado pela oportunidade, senhor Kamishiro. Eu-

— Não se atrase, jovem. – Meu lado metódico mal permitiu que ele concluísse a frase. – Se tiver qualquer dúvida, pode me ligar. Até breve!

— Sim, senhor. Até breve...

Somente tempos depois percebi o quanto eu precisava daquela mudança.

O fim de semana se arrastou, e meu humor oscilava com a bagunça da casa. Tentava organizar móveis e tapetes, mas nada me parecia satisfatório. E a cozinha? Melhor nem comentar.

Na segunda-feira, uma hora antes de sair para o trabalho, fiquei à espera do novo ajudante, ansioso para passar a rotina. O trabalho ficava a apenas dois quarteirões de casa e todos lá são amigos – uma sorte de que eu sempre me gabava. Depois de improvisar algo para o almoço, aguardei a chegada dele para repassar tudo.

E ele foi incrivelmente pontual em seu primeiro dia.

Às doze horas em ponto, ouvi a porta bater. Quando abri para cumprimentá-lo, e o vi pela primeira vez, minha voz morreu na garganta. As palavras travaram, e todos os meus sentidos se aguçaram, como se anunciassem algo novo e positivo. Meus ouvidos, que nunca foram atentos, pareciam captar cada detalhe daquele momento.

— Boa tarde, senhor Kamishiro. – A voz que antes me acalmara ao telefone era ainda mais firme e calorosa. Ele abriu um sorriso encantador e estendeu a mão.

— B-boa tarde, jovem. – Pela primeira vez, eu gaguejei. Meu olhar fixo nele denunciava meu estado de encantamento, e logo tratei de me recompor para não parecer um sociopata (mais do que já aparentava).

— Espero não ter me atrasado, senhor.

— Não, não. Foi absurdamente pontual. – Sorri nervoso, como se tivesse cometido o pior erro. – Por favor, entre. – Dei-lhe espaço para passar.

— Com licença...

Quando ele passou rente a mim, senti seu perfume, um toque agradável de pêssego — coincidência ou não, minha fruta favorita. Antes de chamá-lo para seguir, reparei nas suas roupas: um casaco jeans desbotado, uma camiseta ajustada e tênis novos. Carregava uma mochila preta, cheia de bottons de bandas variadas. O cabelo, levemente penteado para frente, tinha algumas mechas rosas.

— Por onde começo, senhor? – Tsukasa se virou para mim, pegando-me de surpresa.

— Vamos pela cozinha.

Fomos à cozinha, onde, em meio à bagunça, expliquei o que precisava. Era essencial que tudo ficasse limpo e organizado: as panelas, as plantas ao lado da porta do quintal... E deixei claro que o almoço deveria estar sempre pronto e congelado no dia anterior, caso o trabalho apertasse. Fiz apenas uma ressalva: nada de mexer na gaveta de baixo do guarda-roupa.

Ele ouviu tudo com atenção, fazendo perguntas sobre produtos de limpeza, alergias e possíveis alterações no layout da casa. Respondi a tudo com clareza e, ao final, deixei-o com as chaves antes de sair.

Parece uma loucura deixar as chaves da casa com um estranho? Bom, senhoras e senhores, tudo ali era substituível – exceto minhas plantas, mas quem roubaria plantas? E tudo o que realmente tinha valor emocional estava guardado em um banco, no cofre, metros abaixo da superfície. Na verdade, era uma espécie de teste para ver até onde ele ia.

No trabalho, tentei me concentrar, mas o rosto de Tsukasa insistia em aparecer nos meus pensamentos. Achei que fosse a natural preocupação em deixar alguém tão jovem responsável pela casa, mas não era apenas isso. Eu me lembrava, com uma nitidez quase irritante, dos traços do seu rosto: os contornos precisos e delicados, a linha da mandíbula com o queixo levemente saliente, o nariz reto, as pálpebras caídas que emolduravam um olhar profundo, os cílios longos que destacavam a íris castanho-rosada; a boca pequena e bem desenhada, o cabelo loiro com as mechas cor-de-rosa... Ele era, de fato, uma figura andrógina e encantadora, que hipnotizava qualquer um que o observasse.

Naquele dia, parecia que nada estava certo

Através da porta ✧ | RuikasaOnde histórias criam vida. Descubra agora