Eu cometi erros que normalmente não cometia, como Nene já havia me alertado. Fiquei atordoado, e claramente perturbado com o que estava acontecendo. Tentei me concentrar, imaginando que talvez no próximo expediente eu me sentiria mais equilibrado. As mudanças, essas sempre me desajustam em todos os sentidos.
— Rui, você deu troco a mais para o cliente — disse Nene, parecendo desconfiada.
— O quê? — murmurei, incrédulo.
— Veja, são dois reais a mais.
— Nossa... Que descuido...
— Está tudo bem? — Ela me perguntou, preocupada. — Você está meio distraído desde o começo da tarde.
— Eu... — Respirei fundo, tentando focar novamente. — Acho que é o rapaz que contratei mais cedo. Estou um pouco receoso com o trabalho dele, apesar de ele parecer responsável.
— Entendo... E não se preocupe: foi só um pequeno erro. Erros acontecem.
— Sim, claro. — Suspirei, esboçando um sorriso sem graça.
O homem que nunca errava, agora errava. Mal sabia eu que esses erros estavam apenas começando, e que eles me levariam a novos acertos.
Terminei o turno limpando a esteira do caixa, colocando a plaquinha de "fechado" e tentando me recompor da frustração do dia. Ao voltar para casa, encontrei Tenma, que ainda trabalhava, organizando minha estante de livros. Fiquei surpreso ao ver como ele havia transformado a sala. Os móveis estavam dispostos de forma prática e acolhedora, o que me dava uma vista ampla do quintal e das plantas que eu cuidava com tanto zelo.
— Boa tarde, senhor Kamishiro — ele me cumprimentou com o mesmo sorriso caloroso de antes.
— Boa tarde, Tsukasa. Digo... posso te chamar só de Tsukasa?
— Claro, senhor — respondeu ele com confiança.
— Então, nada de "senhor" para mim. — Sorri, meio envergonhado. — Ainda não estou tão velho assim.
— Nem de longe o senhor parece velho... Perdão, Rui. — Ele corrigiu-se rapidamente.
— Você fez um trabalho incrível aqui. — Eu admirava o espaço, cada detalhe. — Passei dias tentando organizar tudo, e você conseguiu em uma tarde.
— Só leva um tempo para planejar. A organização logo faz sentido.
— Desta vez não tive sucesso, então... — Tentei brincar.
— Virão muitas vitórias, com certeza. — Ele sorriu com uma confiança que quase me desarmou.
— Humm... Que cheiro maravilhoso é esse?
— Seu jantar. Aproveitei para preparar algo, já que finalizei o almoço mais cedo.
— Oh, obrigado, Tsukasa.
— Não há de quê. — Ele estava visivelmente orgulhoso.
— Jantaremos daqui a vinte minutos, então... — Coloquei minha bolsa no sofá.
— Rui... — Ele hesitou, como se quisesse recusar.
— Tem compromisso agora? — Perguntei, ligeiramente preocupado.
— Não, nada disso. Só não queria incomodar.
— De forma alguma. — Sorri, aliviado. — Ter sua companhia será ótimo depois de um dia assim.
— Então, muito obrigado pelo convite.
Fui me arrumar, e o aroma da comida só aumentava minha fome. Ao voltar, encontrei a mesa arrumada com o cuidado de um verdadeiro chef. Ele insistiu em me servir, e logo estávamos aproveitando um jantar impecável de verduras cozidas, carne e batatas assadas. Conversamos sobre tudo: a violência crescente na cidade, o desemprego, músicas — descobri que ele gostava de variados estilos musicais, um detalhe que achei interessante. Compartilhei um pouco sobre minha rotina metódica, mas ele manteve-se discreto sobre a própria vida.
— Se permite uma sugestão — ele disse, espetando uma ervilha — deveria tentar conhecer alguém.
— Conhecer alguém agora desajustaria tudo que construí até aqui. E daria um trabalho extra...
— Parece ter receio de mudanças... — Ele me olhou, curioso.
— Odeio a imprevisibilidade das mudanças — admiti com um suspiro.
— Mas mudanças podem trazer evolução, e não problemas.
— Você fala como se tivesse vivido muitas vidas... — Ri, achando graça.
— Talvez já tenha vivido mais do que parece. — Ele me olhou, sério, por um instante.
— Agora fiquei curioso... — Sorri, aproveitando a deixa. — Conte-me sobre você.
— Talvez em outra ocasião. — Seu sorriso era contido e calmo, e concordei. Tempo ao tempo, pensei. Ninguém pode apressar as coisas que realmente importam.
Aquele momento transformou o restante do dia. Após o jantar, ele insistiu em limpar a louça, e conversamos mais um pouco sobre livros e programas de TV. Eu me surpreendia cada vez mais, e aquela primeira impressão solidificou-se: "alguém que eu deveria ter conhecido há muito tempo."
Na despedida, ele me deu um conselho inusitado:
— Adote um cãozinho, Rui.
— Por que isso? — Achei curioso e engraçado.
— Acho que você vai gostar de ter alguém com quem compartilhar seu tempo. Além disso, um toque de vida especial faz bem.
Pensei em responder, mas ele já sorria e acenava.
— Até amanhã, Rui! — E seguiu seu caminho.
Encostei-me à porta, observando-o partir, com um sorriso que tamborilava em meus lábios.
— Até amanhã, Tsukasa.
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Através da porta ✧ | Ruikasa
Fanfic𝐀𝐓𝐑𝐀𝐕É𝐒 𝐃𝐀 𝐏𝐎𝐑𝐓𝐀 ᴀ ʀᴜɪᴋᴀꜱᴀ ꜰᴀɴꜰɪᴄᴛɪᴏɴ ㅤ 𝐀os vinte e cinco, Rui Kamishiro já acreditava que sua vida estava definida em uma rotina exaustiva de trabalho e estudo, sem tempo para as cores vibrantes ou o entusiasmo do passado. A mono...