No sétimo dia, eu acendo uma vela.
É o mínimo que eu posso fazer por alguém que eu mesma matei. Não sei qual a origem da superstição, não entendo para que servem as missas de sétimo dia ou as chamas acesas em momentos fúnebres, mas ainda quero fazer. Comprei a vela e o castiçal prateado que estão sobre a mesa da cozinha, mais por mim do que por Hyuk, também não sou hipócrita o suficiente para dizer que toda minha ideia provém do desejo altruísta de que a alma dele descanse em paz.
Não me importo que ele não descanse em paz. O que me importuna é sua presença cega, que corrói e deteriora. Vejo coisas que não estão lá, meu coração dispara sem motivo discernível e minha nuca queima como se alguém estivesse me encarando, perscrutando-me por trás das sombras. Acho que a alma dele me ronda, de maneira escandalosa, enquanto se alimenta do tênue rastro de sanidade que me resta.
Se os rituais dedicados aos mortos têm algum valor, espero que esse simples gesto seja o suficiente para que ele me deixe em paz. Ou que, pelo menos, amenize a raiva estrondosa que ele continua gritando através da minha cabeça.
Acendo a vela com meu isqueiro cor de rosa, o mesmo que, infortunadamente, usei naquela madrugada. A chama desliza, procurando algo a que se agarrar, encontrando rapidamente o pavio estreito. Ela se arrepia sob a luz suave da cozinha, alongando e retorcendo-se. As cortinas tremem subitamente, o som é tão alto que atrai minha atenção para cima. Elas estão sussurrando uma contra a outra, antes mesmo do vento suave atravessar a janela aberta. O fogo se apaga com um sopro seco.
Sinto um peso nas omoplatas, o mesmo desconforto que experimento de noite, quando o torpor e a sensação de estar sendo observada aproximam-se. O que quer que esteja espreitando sobre meu ombro gosta das sombras. Rasteja por elas como um animal peçonhento.
Engulo em seco e deslizo o polegar pela roldana do isqueiro novamente. Uma faísca escapa, mas ele não acende. Troco o peso de uma perna para outra, as solas dos pés coladas no chão, ao encarar o isqueiro com uma respiração desregulada.
Faço mais uma vez, e outra, até que meu polegar esteja ardendo graças ao ferro aquecido pelo ao atrito. Minha pele está queimada, mas o pavio não. Além da peça rosa entre meus dedos, o fio transpassado ondula, dispersando minha concentração. Olho mais de perto, meu rosto a centímetros do castiçal. O barbante está branco e intacto, como se nunca tivesse queimado.
A pressão em minhas omoplatas aumenta, as costas rígidas sem motivo algum. O som de uma garrafa quebrando ecoa pela minha mente, sobrecarregando o meu corpo com um ruído irritante. O estouro contra as paredes do meu crânio impulsionam-me ainda mais para frente, fazendo com que minhas mãos se apoiem na mesa de granito. Por um segundo, penso que a sombra de Hyuk está bem debaixo dos meus olhos, estirada no chão atrás da mesa, da mesma forma como encontrava-se naquela noite por cima da terra. Os cabelos grudados na testa pelo sangue fresco, o corpo, completamente inerte.
Não é real.
Eu pisco e balanço a cabeça para afastar o lampejo de insanidade, e o calor atinge o meu rosto. Um mormaço repentino explode, como se eu tivesse acabado de abrir a porta do forno. O fogo chamusca como se nunca tivesse apagado e eu me jogo no chão, não sei se é porque minhas pernas falham ou porque tento fugir da maneira mais simples. Com os antebraços contra o piso, meu peito sobe e desce em respirações pesadas, os olhos fixos na vela acesa.
Me levanto com cuidado, segurando-me na pedra de granito, jogando todo o meu peso sobre ela. Com a vela entre minhas mãos apoiadas, eu a assopro, o ar flui através de mim antes que eu entenda o que estou fazendo. Na minha mente fica claro: aquela vela não deveria estar acesa.
A chama dança, como se me provocasse, mas não apaga. Lambo a ponta dos meus dedos e pego o pavio com um movimento de pinça, esfregando o barbante com força, sufocando o fogo como se tivéssemos uma rixa pessoal. O cheiro de carne queimada penetra o ar ao meu redor assim como naquela noite, as chamas deslizando através dos meus dedos ao invés de sucumbirem à falta de oxigênio. A memória me faz querer vomitar e tenho que tirar a mão rápido porque não suporto mais o calor. Agarro os dedos, sentindo-os pulsarem com uma dor surda que cresce através do meu braço.
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Não Descanse em Paz
RomanceCassandra Villani matou seu primeiro amor. Eles estudavam na mesma faculdade, trocaram dois olhares e um total de zero palavras, mas o estrangeiro Song Hyuk ganhou o coração da garota simplesmente por existir. Coração ou obsessão. Quando ela é reje...