Eu sempre fui uma presa, acuada e assustada no canto da sala. Mesmo agora, depois de me livrar do inferno que era a escola, continuo à margem, observando tudo e todos do lado de fora. Em minha vida, sou apenas uma espectadora.
Mas quando espero por ele, eu me sinto uma predadora.
Nunca gostei de estar sozinha, mas quando faço isso, sinto prazer. Infelizmente, não é o prazer da minha própria companhia. É o doce sabor que preenche minha boca no momento em que o vejo, é a sensação borbulhante no estômago ao observá-lo sem que ele saiba que estou por perto. Passei tanto tempo sendo invisível que me tornei viciada no sentimento.
O silêncio confortável me embala como o sol que bate no meu rosto. Eu deixo as mãos abertas contra a luz, mesmo com o calor suave da tarde, meus dedos estão gelados de ansiedade. O banco de madeira contra as minhas costas fica mais desconfortável à medida que o tempo se arrasta. Os alunos ao redor preferem a área da lanchonete, onde jogam baralho nas mesas redondas de concreto, ou a sala do micro-ondas. O aparelho está quebrado há dois anos, mas uma mesa de ping-pong e uma sinuca, cujo único taco é velho e desgastado, mantêm o lugar cheio. A área cercada entre os prédios é mais aconchegante, com pneus transformados em assentos e bancos de madeira duros, com visão privilegiada para o prédio E.
É onde ele está tendo a aula de Dinâmica dos Solos. O professor sempre termina antes do tempo, mas hoje, claro, ele está demorando. Só porque estou mais nervosa que o normal.
Ficar sem vê-lo por muito tempo não me faz bem.
Song Hyuk é um estudante estrangeiro, mas fala português como se tivesse nascido aqui. Em uma das poucas ocasiões em que trombamos acidentalmente no corredor — porque a maioria era completamente proposital e cuidadosamente planejada —, ouvi ele contar que morava na Coreia, mas não quis mais ir embora do Brasil depois de visitar a família da mãe. Ele cursa Engenharia de Minas, está no quinto período e regular, para o assombro da maioria dos universitários. Uma pessoa tão bonita também não deveria ser inteligente dessa forma, isso é concorrência desleal.
A primeira vez em que eu o vi, sabia que tinha encontrado algo único. Eu estava usando saltos novos na faculdade, um sapato estilo boneca, e como eu nunca tinha usado não sabia que machucaria tanto o meu pé. Cheia de bolhas no final do período noturno, mancando e cansada, eu tropecei com uns papéis na mão. Estava indo pedir ao coordenador que assinasse os termos do meu estágio e passei essa vergonha na frente da sala dele.
Hyuk estava saindo de lá e me ajudou a recolher tudo, até ofereceu a mão para me ajudar a levantar. Foi uma cena de filme, uma trilha sonora até tocava na minha cabeça. Eu achava que não servia para ser protagonista, acreditava ser, no máximo, a amiga legal que serve de alívio cômico de vez em quando. Mas, naquele momento, olhando nos olhos dele, eu me senti escrevendo o meu próprio romance.
Foi amor à primeira vista. Óbvio.
Na minha cabeça, ele é meu namorado, só não sabe ainda.
Depois de uma eternidade, alguns estudantes começam a aparecer. Estão descendo as escadas com pressa, consigo ver através da porta de vidro. Então, ele surge na entrada do prédio e o mundo ao meu redor parece desacelerar. Ele caminha com passos firmes, despreocupado entre os amigos. Ele está sempre com as mesmas três pessoas.
A luz da tarde pega o contorno do rosto dele, acentuando as linhas da mandíbula e o nariz marcado. Embora o cabelo escuro despenque em ondas cuidadosamente alinhadas até a altura do maxilar, ele é desleixado. A camisa cinza está amassada e as mangas, enroladas ao redor dos bíceps. Não posso evitar olhar. Os músculos dos braços dele são bem delineados e esticam o tecido até o limite, as veias dos antebraços, proeminentes, os dedos, longos e firmes. Ele é um gigante — tanto na altura quanto no físico.
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Não Descanse em Paz
RomansaCassandra Villani matou seu primeiro amor. Eles estudavam na mesma faculdade, trocaram dois olhares e um total de zero palavras, mas o estrangeiro Song Hyuk ganhou o coração da garota simplesmente por existir. Coração ou obsessão. Quando ela é reje...