Festa

21 4 24
                                    

Acordo com a cabeça pesada, como se o sono não tivesse sido suficiente para apagar o peso do dia anterior. A água fria escorre pelo meu rosto, sinto cada gota lavando os resquícios de ontem, mas o vazio que me toma não some. Não, ele parece fazer morada, como se estivesse esperando a hora exata para crescer e me consumir de novo. Abaixo a cabeça, fecho os olhos e inspiro o cheiro do sabonete, tentando fazer disso um refúgio. Mas nada é um refúgio de verdade quando minha mente está tão cheia.

Ontem, depois da escola, fui direto para o treino. Queria distrair a cabeça, esquecer o que tinha acontecido. Só que as outras perceberam o meu jeito estranho, e eu fiz o que sempre faço: forcei um sorriso, murmurei que estava tudo bem. Só que não estava.

Kiba apareceu como uma sombra, uma dessas que surgem do nada e trazem consigo lembranças que eu pensei ter enterrado. Palavras antigas, insultos deixados ao acaso. Só que nada é "ao acaso" quando as palavras fazem morada dentro da gente.

Ele me chamou de esquisita. E, por um instante, fui aquela menina pequena de novo, a que tentava encontrar espaço, a que se encolhia cada vez mais, moldada pelos risos alheios. Fui de volta para o colégio, para os corredores onde me escondia, onde evitava cruzar com ele. E agora, anos depois, é como se ele ainda estivesse ali, pronto para me lembrar que não importa o quanto eu mude, ele ainda sabe onde me atingir.

Minhas mãos começam a tremer enquanto enxugo o rosto, a crise se aproxima sem aviso, como uma onda que me arrasta. E as lágrimas vêm, grossas, pesadas, carregadas de cada palavra que eu nunca disse, de cada silêncio que guardei como um segredo vergonhoso. Eu me pergunto se algum dia vou conseguir quebrar essa corrente, se um dia vou me sentir inteira sem que o passado me arraste de volta.

O toque do celular quebra o ritmo do choro. O nome de Fuu pisca na tela, e por um instante, sinto uma pontada de alívio. Respiro fundo antes de atender, tentando afastar o choro da minha voz, tentando ser a Sakura que ela conhece.

— Sakura! Estou aqui na sua rua! Eu sei que ainda está cedo mas já quer ir se arrumando para a festa? — A voz dela é leve, alegre, e só então me lembro da festa que combinamos de ir com as meninas do vôlei. Eu tinha esquecido completamente.

—Oi, Fuu. Eu me esqueci completamente da festa...— digo, a voz meio abafada, mas tentando soar normal.

— Sakura? Você tá bem? — Ela percebe, claro. Ela sempre percebe.

— Ah, eu...— tento começar a resposta, mas a minha voz vacila, quebrada.

— Sakura?— Fuu se cala por um momento, mas eu sei que ela percebeu. — Ei, tá tudo bem? Sabe de uma coisa? Vou aí, tá? Não precisa falar nada, eu já tô indo.

As palavras dela me alcançam como um fio de segurança, e de repente, não consigo mais segurar o choro. Solto tudo, o peso que eu escondia por tanto tempo, e sei que ela está ali, mesmo que por um instante, mesmo que só do outro lado da linha.

Fuu chegou em pouco tempo, com passos leves, mas o olhar sério. Quando me viu, seus olhos mostraram um cuidado que eu quase desconhecia, e foi assim que me abraçou, sem uma palavra. Eu desabei outra vez, mais intensamente. Eu nem sabia que ainda restava tantas lágrimas dentro de mim.

Depois de um tempo, nos sentamos na cama, e Fuu esperou, sem pressão, como se eu tivesse todo o tempo do mundo para colocar para fora aquilo que me sufocava.

— Eu... não sei por onde começar.— minha voz soou fraca. — É tanta coisa. Às vezes, parece que não tem um fim, sabe?

Ela assentiu, me encorajando. Eu respirei fundo, e as palavras começaram a sair, uma a uma, num desabafo que eu nunca tive coragem de fazer.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: 2 days ago ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

De invisível a Inevitável Onde histórias criam vida. Descubra agora