Sentimentos Estranhos

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Agatha, exausta pela batalha e drenada de energia, finalmente sucumbiu ao sono. Sem que ela percebesse, seu corpo cedeu, desabando nos braços de Rio, que a observou com um misto de surpresa e… algo que beirava a curiosidade.

Rio suspirou, ponderando por um instante. Poderia deixá-la ali, na frieza das sombras do castelo, ou até mesmo voltar pelo caminho de onde vieram e abandonar Agatha para enfrentar sozinha as consequências de sua sede de poder. Mas, em um movimento quase involuntário, Rio se abaixou e a ajeitou com cuidado, colocando-a em suas costas, sentindo o peso da jovem bruxa adormecida.

Conforme caminhava pelos corredores do castelo, envolta em penumbra, Rio refletia sobre suas ações, algo incomum para quem há séculos andava sem hesitar ou questionar seus próprios passos. Ela, a Morte, que nunca carregava ninguém a menos que fosse para guiá-lo ao além, agora trazia nas costas uma bruxa obstinada, que sequer tinha medo de perder a própria alma. “O que estou fazendo?” murmurou para si mesma, enquanto ajustava Agatha em seus ombros.

Ao sentir o calor de Agatha próxima, Rio tentou afastar os pensamentos confusos que a envolviam. O fato de ter essa jovem tão vulnerável e, ao mesmo tempo, tão perigosa ao seu alcance deveria ser um motivo para abandoná-la, ou talvez até dar um fim àquela missão dela pelo cetro. Mas algo a impedia. Havia algo em Agatha que chamava sua atenção, uma combinação única de poder, fraqueza, ambição e… humanidade, talvez.

Enquanto avançava, o peso de Agatha não parecia apenas físico, mas quase como uma presença perturbadora que tocava Rio de uma forma que ela não compreendia. A Morte não estava acostumada a carregar vivos – muito menos a se sentir atraída por uma alma ainda tão presa ao mundo.

“Você me dá trabalho, bruxa,” murmurou, sentindo que Agatha se mexia levemente, como se mesmo adormecida tentasse manter algum controle. Mas a jovem continuava entregue ao sono, respirando profundamente, alheia aos pensamentos conflitantes que a envolviam.

Cada passo ecoava pelos corredores de pedra do castelo, onde sombras dançavam à luz fraca que vinha de tochas antigas. Rio finalmente encontrou um salão mais protegido, onde o vento frio não cortava tanto, e se agachou para deitar Agatha no chão com cuidado. Ao afastar uma mecha de cabelo do rosto dela, notou o quanto sua expressão era jovem e determinada, mesmo na fragilidade do sono.

Sentando-se ao lado de Agatha, Rio observou a quietude da jovem bruxa, questionando-se sobre o que aquele encontro realmente significava. Ao mesmo tempo, sabia que precisava continuar ao lado dela. Ela jamais permitiria que o cetro das almas caísse nas mãos erradas, mas, por algum motivo, tinha o pressentimento de que seu caminho ao lado de Agatha ainda estava longe de terminar.

Rio observou Agatha, respirando profundamente, como se cada fôlego renovasse uma parte de sua força. Quando percebeu que ela dormia profundamente, uma ideia breve cruzou sua mente: deixar a bruxa ali e seguir seu próprio caminho. Afinal, o castelo, com sua arquitetura labiríntica e suas muitas armadilhas, era um guardião implacável, onde apenas os mais hábeis sobreviviam. Mas havia algo mais ali, algo que, de forma inesperada, a prendia a Agatha.

Rio suspirou, decidindo que não a abandonaria... ainda.

Assim que Agatha começou a despertar, percebeu o ambiente ao seu redor: um salão estreito e sombrio, com paredes frias e úmidas, cobertas por antigas inscrições rúnicas e imagens desgastadas de figuras misteriosas. Acordando com um leve sobressalto, ela encarou Rio, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a Morte fez um gesto, indicando que ela devia ficar em silêncio.

“Você ainda precisa se recuperar,” murmurou Rio, enquanto observava a bruxa jovem com uma expressão que mesclava cautela e fascínio.

Agatha se levantou, mesmo sentindo o peso do cansaço. Ela já não se permitia exibir fraqueza. Observou as inscrições nas paredes, tentando decifrar os símbolos. Eles eram familiares, como fragmentos de uma memória ancestral. O poder sombrio que ela havia acessado parecia murmurar dentro dela, despertando algo antigo e perigoso.

“Vamos logo,” disse Agatha, quebrando o silêncio e mostrando um sorriso sombrio. “Quero ver até onde esse labirinto consegue nos impedir.”

Rio a seguiu, intrigada, mas ciente de que o castelo oscilava entre dimensões. A cada corredor, parecia que o ambiente mudava de forma, alterando o sentido do caminho. Era como se o castelo estivesse vivo, testando-as, esperando um erro. Conforme se aprofundavam, Rio percebia que Agatha começava a exibir um lado mais sombrio – uma expressão de frieza e determinação que a lembrava de como havia sido a bruxa que encontrou no começo da jornada.

Subitamente, uma porta de ferro pesada surgiu à frente delas. Assim que Agatha tocou a maçaneta, o chão abaixo de seus pés começou a tremer, e o corredor mudou, revelando uma passagem estreita e escura.

Rio a segurou pelo braço, com um sorriso cínico. “Pronta para mais uma ‘fase’ desse teatro?”

Agatha apenas revirou os olhos. “Só me mantenha fora do caminho das almas perdidas. Não me importo com o resto.”

Rio estreitou os olhos, mais impressionada do que admitiria. Agatha estava absorvendo a atmosfera sombria do castelo como se fosse parte dela, e a Morte percebeu que algo em sua companhia fazia essa jovem bruxa florescer... ou, talvez, revelar a escuridão latente que residia em seu espírito.

Seguiram adiante, os passos ecoando pelo corredor escuro. Sabiam que estavam se aproximando da primeira das muitas provas do castelo, um teste sombrio, onde Agatha começaria a confrontar seus próprios limites e explorar a essência de seu poder, enquanto Rio, à sombra, estaria ali para observar e, se necessário, interferir.

[...]

Agatha e Rio avançaram mais pelo castelo, agora enfrentando um silêncio ainda mais pesado. As paredes pareciam fechar-se ao redor delas, quase pulsando com uma energia sinistra, como se o próprio castelo as observasse e esperasse o próximo movimento.

Rio olhava de soslaio para Agatha, curiosa com a jovem bruxa. Algo naquela aura sombria, que parecia se intensificar conforme avançavam, a fazia se perguntar até onde ela era capaz de ir. Agatha, por sua vez, mantinha um olhar fixo e determinado, mas, de tempos em tempos, sentia algo dentro de si se agitar, como uma sombra que crescia, se alimentando da energia sombria do lugar.

Ao chegar em um salão amplo e escuro, elas perceberam que não estavam mais sozinhas. Sussurros ecoavam pelas paredes, e sombras formavam figuras distorcidas, lembranças das bruxas que um dia tentaram atravessar aquele labirinto e não saíram vivas. Agatha estendeu a mão, sentindo o frio no ar, quando uma sombra se aproximou dela, sussurrando em uma língua antiga.

Rio, observando atentamente, murmurou: "Esses espíritos são guardiões... protegem os segredos do castelo. Eles sentem o que existe em você, Agatha. Esse poder que está tentando tomar forma."

Agatha sorriu de forma desdenhosa, ignorando o aviso. "Eles não têm nada para me oferecer, então estão desperdiçando tempo." Mas, conforme as sombras começaram a dançar ao seu redor, seus olhos brilharam com uma intensidade incomum, e o poder obscuro dentro dela se manifestou, como um instinto automático de defesa.

A presença de Agatha dominava o espaço, e Rio, por um breve instante, vislumbrou a essência daquela magia negra, a presença que parecia se erguer ao redor dela. Fascinada e cautelosa, Rio estudava a jovem bruxa. Agatha estava começando a explorar seus próprios limites, e o castelo era um lugar onde o pior poderia ser trazido à tona.

Rio deu um passo à frente, aproximando-se de Agatha, com um sorriso irônico. "Tem certeza de que está pronta para enfrentar o que o castelo reserva para você? Esses corredores escondem segredos que você ainda não compreende."

Agatha virou-se para ela com um olhar intenso. "Eu já enfrentei o impossível. Nada nesse castelo é mais poderoso do que eu."

Mas Rio sabia que, na verdade, ela ainda estava longe de conhecer o verdadeiro peso do poder que carregava. Esse era apenas o começo – e tanto o castelo quanto o poder dentro de Agatha continuariam a testar os limites dela.

Agatha: O Abraço da Morte.Onde histórias criam vida. Descubra agora