O Sacrifício

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A noite era sombria e fria enquanto Agatha retornava das colinas, as palavras de Elara ainda ecoando em sua mente. Agora que tinha todas as instruções, o peso do encantamento finalmente começava a se revelar. Esse não era um feitiço qualquer; era algo que, uma vez lançado, deixaria uma marca permanente — não só na magia, mas nela mesma.

Quando finalmente encontrou uma clareira isolada na floresta, iluminada apenas pelo brilho pálido da lua, ela respirou fundo e preparou-se para o ritual. Colocou o amuleto ao seu lado, segurando-o com reverência, e começou a desenhar no chão símbolos ancestrais que Elara lhe mostrara. Eram marcas antigas, feitas para invocar as sombras e amarrá-las a uma intenção específica, um lembrete de que o feitiço era, de fato, uma barganha. Ao fazer cada traço, Agatha sentiu uma tensão crescendo em suas mãos, como se o próprio chão respondesse ao toque de seu poder.

Ela sabia que o amuleto que tomara da jovem bruxa era apenas uma ferramenta; o verdadeiro custo do feitiço viria dela mesma. Algo valioso... algo que represente a sua essência, as palavras de Elara reverberavam na sua mente. O que ela daria de si?

Agatha parou e observou as marcas no chão, sentindo uma hesitação que não costumava aparecer. Para ela, poder era sempre o objetivo, a força que guiava seus passos. Mas nunca antes um feitiço havia exigido algo tão pessoal. Ao mesmo tempo, a ideia de desistir estava fora de cogitação.

“Parte de mim... mas o quê?” sussurrou para si mesma, tentando identificar o que poderia oferecer.

Após um longo silêncio, Agatha fechou os olhos e se concentrou. O feitiço que Elara lhe ensinara era mais do que palavras e gestos; era uma conexão com as forças mais obscuras e primordiais. Para que o encantamento funcionasse e afastasse os espíritos guardiões, ela precisava abrir mão de algo que definisse sua essência.

Agatha tentou encontrar um caminho, um ponto dentro dela que pudesse ser sacrificado sem quebrá-la completamente. Em seu íntimo, sabia que parte do poder que sentia vinha de sua própria ambição, da fome insaciável por mais. Se ela quisesse moldar sua essência, teria que oferecer essa fome, parte dessa ambição, para que pudesse sobreviver ao caminho até o cetro.

Ela respirou fundo, hesitando novamente, mas logo se sentou no chão, colocando uma mão sobre o amuleto e a outra sobre o peito, tentando sentir a energia dentro de si. Com a voz baixa e quase trêmula, ela começou a entoar as palavras do feitiço.

“Ao meu sangue e à minha alma, ofereço um pedaço daquilo que sou…”

O ar ao seu redor pareceu vibrar, tornando-se pesado, como se o próprio espaço ao seu redor estivesse segurando a respiração. Ela sentiu uma força invisível tentando penetrar sua mente, um peso que a pressionava e a deixava ofegante. Seus olhos se fecharam enquanto ela visualizava a parte de si que ofereceria. Era como tocar em algo frágil, mas vital: uma pequena chama de ambição, de fome insaciável, algo que a movia.

“...e em troca, protejam-me dos espíritos guardiões, os antigos que vigiam a passagem,” murmurou, sentindo cada palavra escapar de seus lábios como um fio de sua própria energia vital.

A dor foi repentina e lancinante, como se algo estivesse sendo arrancado diretamente de dentro dela. Agatha gritou, caindo para frente, apoiando as mãos no chão para evitar desabar. Era como se uma parte de sua essência estivesse sendo separada, deixando um vazio em seu peito. Ela podia sentir a ausência imediata daquela fome, daquela ambição selvagem. O custo era real, palpável.

Enquanto lutava para manter o controle, os símbolos no chão começaram a brilhar em uma luz fraca, tremeluzente. O amuleto ao seu lado também pulsava, aceitando a oferta e emitindo um brilho estranho, como se estivesse absorvendo parte dela. Agatha sentia a conexão se formando entre ela e o amuleto, a proteção tomando forma. Ao mesmo tempo, sabia que algo dentro dela havia mudado para sempre.

Quando finalmente abriu os olhos, com a respiração ofegante, Agatha percebeu que a clareira estava envolta em uma escuridão diferente. A lua parecia mais distante, as sombras mais profundas. Ela podia sentir que algo a observava, mas sabia que agora estava segura contra os espíritos guardiões. O amuleto que carregava não era mais um simples colar: agora, era uma proteção enraizada em seu próprio sacrifício, algo que a acompanharia enquanto seguisse em direção às montanhas.

Agatha levantou-se, exausta mas determinada. O cetro estava mais próximo, e o poder que sentia com essa nova proteção era sombrio e visceral.

“Agora, que venha o que vier,” ela murmurou para a noite, ainda sentindo o vazio de sua perda, mas também o calor renovado de sua determinação.

[...]

Ao se levantar da clareira, Agatha notou que algo profundo e visceral havia mudado dentro dela. A sensação de vazio que o sacrifício deixara não era apenas uma ausência; era uma transformação. Onde antes havia hesitação, onde um leve resquício de remorso e compaixão ainda morava, agora restava um vazio cortante, uma frieza intensa e resoluta. Aquela última sombra de culpa que sentia pelo que fizera com o coven de sua mãe parecia ter sido arrancada junto com seu sacrifício.

Ela se recordou do rosto de sua mãe por um breve instante, mas, ao contrário de antes, o rosto da mulher que a criara não lhe trouxe mais qualquer sensação de pesar. A lembrança estava ali, sim — mas agora era apenas isso, uma imagem sem qualquer carga emocional, um detalhe distante de uma história que não importava mais. O que ela havia perdido em humanidade, ganhara em determinação fria e implacável.

Ela segurou o amuleto recém-consagrado em suas mãos e sentiu um novo tipo de força em seu interior. Esse poder era mais denso e afiado, como um fio cortante. A sensação de estar completa, mesmo à custa de uma parte de sua essência, era estranhamente satisfatória.

Enquanto saía da clareira e voltava para a floresta, Agatha sentiu uma nova leveza — uma liberdade de não ter que lidar com os dilemas ou arrependimentos que antes a incomodavam. Agora, seus objetivos estavam claros e incontestáveis: ela buscaria o cetro das almas e, com ele, obteria o poder definitivo, sem que qualquer laço emocional ou dúvida pudesse desviá-la de sua missão.

Caminhando com passos firmes e certeiros, seus olhos observavam a escuridão com uma calma intensa. Ela estava pronta para encarar qualquer coisa que aparecesse em seu caminho, sem o menor remorso.

Agatha: O Abraço da Morte.Onde histórias criam vida. Descubra agora