Depoimento de Priscila, esposa do pastor Guilherme Vieira
Cheguei à Ucrânia quando a guerra estava prestes a completar um ano e meio. Embora já conhecesse um pouco do país e do povo ucraniano, ao retornar, tudo parecia diferente. E, de fato, estava.
O verão na Europa geralmente é lindo e vibrante. No leste europeu, especialmente após longos seis meses de frio e um inverno rigoroso, as pessoas aproveitam cada raio de sol. É uma época cheia de cores e aromas: flores e frutas embelezam cada canto. Sempre há alguma música típica tocando em algum lugar, e o som das risadas das crianças aproveitando as férias torna tudo ainda mais alegre.
Desta vez, no entanto, encontramos uma Ucrânia silenciosa. Um silêncio interrompido apenas pelos sons das sirenes e, às vezes, pelas explosões. Havia também uma certa apreensão no olhar das pessoas, o que era compreensível. Mas essa apreensão não era visível nos membros da nossa igreja.
Ao chegarmos, fomos recebidos com muito carinho. Nos olhos deles havia gratidão, e suas palavras confirmavam isso. Cada abraço nos fortalecia ainda mais para estar ali. Era evidente a paz dessas pessoas que buscavam refúgio em Deus.
Lembro-me de ter que enfrentar os primeiros ataques. Um deles aconteceu de madrugada. Enquanto eu dormia, Guilherme estava acordado, já despertado pelas altas explosões. Nossa cama ficava de frente para uma janela e, naquela noite, ele me acordou. Ao abrir os olhos, vi pela janela algo que parecia três enormes bolas de fogo vindo em nossa direção. Parecia que iriam entrar pela nossa janela e nos atingir! Nunca fiquei tão assustada na vida! Corremos para o corredor tão rapidamente que não tivemos tempo de pegar nada, nem mesmo calçar os sapatos. Meu coração estava acelerado.
Essas situações geraram em mim uma grande apreensão e eu me perguntava se seria capaz de enfrentar tudo aquilo. Deus me conhecia; Ele sempre soube das minhas limitações, fraquezas, erros e medos. E mesmo diante disso, Ele me levava para um grande desafio! Qual seria o real sentido disso?
Quando vemos que alguém não tem capacidade para determinada tarefa, rapidamente o descartamos. Mas nosso Deus não age assim. Somente permanecendo firmes em nossa missão é que entenderemos o propósito das dificuldades.
Hoje, meu corpo ainda treme ao ouvir uma explosão inesperada, mas meu coração está firme no Senhor. Sei que tudo tem cooperado para o bem, pois a maior prova do meu amor por Ele tem sido a minha obediência. Se desistirmos diante da luta, nunca saberemos como teria sido se tivéssemos permanecido firmes.
A GUERRA REVELA O MELHOR
E O PIOR DO SER HUMANONa manhã do dia 29 de dezembro de 2023, uma sexta-feira, fui acordada pelo Guilherme, que disse apressado:
— Explosões! Levanta! Rápido!
Era o dia do maior ataque aéreo na Ucrânia desde o início da guerra. Um shopping da nossa cidade foi destaque nos jornais do mundo ao ser destruído. Ouvimos pelo menos dezesseis explosões. Porém, não havia muito o que fazer.
Estávamos prestes a sair para a igreja. Preparei um café e tomamos rapidamente. Reunimos nossas mochilas e documentos, e mesmo sob a ameaça de mísseis, seguimos em direção ao nosso destino. Enquanto descíamos, notamos vizinhos saindo enrolados em cobertores, buscando abrigo no porão adaptado como proteção contra bombardeios.
Naquele dia, uma senhora chegou à igreja animada e sorridente e perguntou:
— Pastor, a reunião foi cancelada?
Ela foi a única a comparecer naquela manhã. Sua coragem e disposição tocaram meu coração profundamente, fazendo meus olhos se encherem de lágrimas. Meu marido fez a reunião para ela como se estivesse diante de uma multidão.
Fiquei pensando em como costumamos nos alegrar com igrejas cheias e com grandes multidões buscando a Deus. Mas e quando se trata de uma única alma? Estar disposto a arriscar sua vida por uma só pessoa? Naquela manhã, ninguém nos viu, mas Deus nos viu, e isso era suficiente. Compreendi que quem vive em busca do reconhecimento dos outros acabará morrendo na ausência dele.
Outro episódio que me marcou foi o de uma senhora de 77 anos que chegou à igreja numa quarta-feira à tarde, decidida a entregar sua vida ao Senhor Jesus e se batizar nas águas. Ela trouxe consigo uma toalha e um balde, ciente de que não haveria piscina disponível para o batismo devido à falta de estrutura. Momentos assim nos enchem de força e alegria para continuar nossa missão.
A guerra tem nos ensinado muito. Estamos mais sensíveis à voz de Deus e temos a oportunidade de ver o melhor em muitas pessoas, mas também testemunhamos o pior em algumas outras. Vimos pessoas compartilhando o pouco que tinham para ajudar desconhecidos, enquanto ouvimos relatos sobre aqueles que fecharam os abrigos subterrâneos para proteger apenas a si mesmos e suas famílias.
Todos nós costumamos orar pedindo para sermos mais parecidos com o Senhor Jesus, para termos Seu caráter e Seus frutos. Pois bem! As dificuldades que enfrentamos são oportunidades para colocar à prova esse nosso desejo genuíno ou se é apenas uma empolgação passageira.
Pedimos mais confiança, amor, paciência ou fé. Então Deus nos leva ao deserto para praticarmos tudo aquilo que pedimos. Portanto, não devemos nos assustar com a forma como Ele responde aos nossos pedidos; Ele sabe exatamente do que precisamos em nossa jornada.
SENTIMENTO DE IMPOTÊNCIA
Um sentimento que constantemente se apresenta em meu coração é o de impotência, contra o qual tenho que lutar todos os dias. O som da sirene traz apreensão e incertezas, pois sabemos que um míssil ou drone pode estar se aproximando. Isso significa que atividades simples e cotidianas, como ir ao supermercado, usar o transporte público ou passear com o cachorro, se tornam impossíveis. Também implica noites sem dormir e olheiras, resultado das madrugadas passadas nos corredores do prédio, aguardando a notificação de “cancelamento de ameaças” para que possamos voltar a descansar.
Entretanto, essa luta é tão pequena diante da dor de uma mãe que, todos os domingos, me pede para orar pelo filho que está na linha de frente da guerra. Como posso acalmar seu coração? O que dizer a uma mulher desesperada porque seu marido foi convocado para lutar minutos antes? Como fortalecer a fé de um membro da nossa igreja que, lutando para proteger seu país, foi ferido gravemente por um destroço de míssil? E como ajudar as senhoras idosas que estão sozinhas, sem família a quem recorrer, abandonadas neste período de conflito?
Além disso, como posso dar apoio ao meu próprio marido, um estrangeiro sem muitos direitos, tentando se adaptar a uma nova realidade? Ele também precisa buscar abrigo e enviar mensagens de fé e esperança para o povo enquanto a cidade é bombardeada. Sustentamos os outros, mas somos humanos e sentimos os mesmos medos, cansaço e dores físicas. Somente o poder do Espírito Santo pode nos ajudar em todos os momentos e transformar esse sentimento de impotência em fé e confiança.
Os sentimentos podem gerar desconfiança e abandono; são volúveis e logo passam. Contudo, a Palavra de Deus permanece inalterada. Portanto, independentemente do que sentimos, vemos ou ouvimos, que nossa confiança esteja nAquele que fez promessas grandiosas. Crer sem vacilar. Crer sem duvidar. Crer sem afundar. É isso que cantamos e vivemos!
____________________________________________"Meus amores, chegamos ao final por aqui! Fico muito feliz por vocês terem acompanhado até este ponto. Se estiverem interessados em ler o livro completo, é só acessar na descrição da minha bio no perfil. Ele estará disponível gratuitamente para todos que querem conhecer mais sobre a história de cada esposa na Ucrânia."
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NUMA MISSÃO
Chick-LitSó quem está numa missão sabe o que é ter na alma a força de um desígnio maior, onde cada passo é conduzido pela convicção de que cada desafio tem de ser superado.