3. Identidade oculta

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Sangue e carne voaram para todos os lados, com Lily e o jovem sendo atingidos à queima-roupa. Lily, obviamente, foi a mais afetada, já que sua barreira, junto à de seus pais, foram inevitavelmente mais fracas. Ela mal era capaz de segurar o sopro de vida.

O jovem, por sua vez, havia sofrido graves sofrimentos internos. Ele desfez a barreira e cambaleou até Lily, checando sua respiração. Então, colocou as mãos sob seus joelhos e nuca e carregou o corpo desfigurado até sua montaria alada, ignorando Elisa e Erick, cuja condição era desconhecida.

Mikha viajou com o corpo de Lily até chegar à cidade mais próxima, no limite entre o território de Ellia e o Império Sirius. Depois de passar pela verificação nos portões da cidade, ele procurou um hotel com pressa. Neste momento, a respiração fraca de Lily mostrava como sua vida gradualmente estava indo embora.

Mikha estava de mau humor. Nada estava indo como o planejado. Nem era para o coração dracônico estar no peito de algum humano qualquer. Já que tudo havia fugido do eixo, ele tinha que arranjar um jeito de tirar o maior proveito disso. Entretanto, montarias aladas eram proibidas dentro dos portões da cidade, então sua única opção era depender de si mesmo e achar um hotel o mais rápido possível.

Finalmente, uma estalagem aos pedaços chegou à sua visão. O rosto de Mikha se iluminou.

Ele logo passou pelo processo de check-in e entrou em um quarto, que tinha cheiro de mofo e bebida velha, colocando Lily cuidadosamente na cama, cuja carne viva já estava necrosando. Entretanto, o que ele valorizava não era a menina, mas o que estava dentro dela.

Depois de examinar a condição dela, sua face voltou à indiferença anterior. Ele se sentou na única cadeira do quarto, apoiando sua cabeça com as costas de suas mãos.

Dessa forma, durante a noite toda, ele observou o semi cadáver lutar por sua vida. Por vezes, seus ferimentos pareciam começar a se recuperar, mas a necrose superava os esforços falhos. Além disso, algo etéreo parecia estar lutando dentro do corpo de Lily, o que atrapalhava ainda mais sua recuperação.

Lily permaneceu inconsciente o tempo todo, com apenas gemidos indicando sua persistência em viver. Mesmo vendo tamanho sofrimento, Mikha não tomou nenhuma ação para aliviar sua dor.

Ele, por si só, estava com uma dor extrema, no entanto, continuou estático, na mesma posição. Seu foco estava totalmente em Lily, como um fanático adorando seu deus.

Quando, enfim, Lily morreu, ele voltou a si. Fora de seu estupor, ele pegou uma esfera transparente e comunicou-se com seu subordinado.

“Livre-se de todos os rastros na caverna.” Ele então disse a localização.

Mikha bufou com o odor intenso, vindo das feridas de Lily, que penetrara cada canto da sala, levantando e se aproximando do cadáver.

Ele anotou mentalmente: ‘Ela continuou viva o tempo todo por causa do coração dracônico. Mas, como esperado, a capacidade de recuperação em um corpo inferior é insuficiente, visto que as propriedades dracônicas de regeneração estão majoritariamente ausentes. Entretanto, ela superou minhas expectativas ao durar tanto.’

O experimento estava completo. Agora estava na hora de consertar seu bem precioso. Meios normais não seriam capazes de curar Lily, principalmente naquele estado.

Mikha ficou parado ao lado do cadáver, que tinha um rosto delicado e pálido, com seus olhos fechados. Se ignorassem todo o resto do seu corpo, ela pareceria apenas estar dormindo.

Ele tira um relógio do seu bolso e observa cada detalhe seu, lembrando-se do rosto do homem que lhe deu. Perdendo o interesse ao não ver nada incomum, coloca no peito aberto de Lily. Ele foi absorvido de forma quase instantânea.

Tic, tac, tic, tac.

Mikha pareceu ouvir alucinações, mas quando voltou de seu transe, não havia nenhum som na sala. Sem perceber, já havia entardecido. Ele olhou para baixo e viu o corpo intacto de Lily.

Só que… ela tinha chifres?

Pela primeira vez em muito tempo, Mikha ficou surpreso. Ela era um demônio?

Não, não podia ser. Os demônios tinham uma aura característica, e ele duvidava que uma menina comum teria os meios de ocultá-la.

Então, raça mista?

“Ha.” Mikha soltou um riso.

Isso estava começando a se complicar. Ele não poderia levar uma garota demônio a céu aberto. Decidindo-se, Mikha preparou uma lâmina feita de mana e não hesitou.

Dois chifres caíram no chão.

Um rio de sangue começou a cair sobre o rosto de Lily, manchando a cama e o chão.

Mikha não se incomodou com a visão sangrenta, apenas tirando uma pílula da bolsa que estava acoplada em sua perna e colocando-a na boca de Lily.

Rapidamente, os ferimentos de Lily começaram a se curar, ficando apenas uma cicatriz relativamente discreta. Mikha pegou um pano e começou a enxugar sua face com cuidado, dando um claro contraste com seu comportamento anterior.

Enfim, ele atingiu seu limite. Contra sua vontade, seu corpo perdeu o controle e caiu no chão. Deitado no piso de madeira velha, os olhos de Mikha lentamente se fecharam.

Em meio à escuridão, Mikha sentiu algo afiado espetar seu pescoço. Ele abriu os olhos em um susto, só para ver que, em cima dele, a garota segurava um pedaço de madeira em seu ponto vital.

“Quem é você? O que você fez com ela?!” A menina pergunta, exasperada. Sua respiração ofegante deixava claro seu estresse.

Mikha ficou confuso por um momento, mas reagiu de forma ágil. Ele segurou a mão da garota e trocou seus corpos de lugar. Agora, ela que estava sendo ameaçada.

“Você agradece ao seu salvador assim?” Perguntou com sarcasmo.

“Onde está a família dela? Eu quero ver eles!” A menina não parecia perceber a posição em que estava, ainda exigindo respostas.

Mikha estava achando toda a situação interessante. Entretido, ele respondeu sem nem pensar: “Estão mortos.”

“Eu tenho grandes planos pra você, e sua única escolha é confiar em mim.”

“Como assim? C-como eles estão mortos…?” A garota gaguejou em descrença. Seu dever era proteger Lily, mas ela já havia falhado no começo? Como ela diria isso à menininha indefesa?

Mikha não se incomodou com o choque da garota, continuando: “O que importa é que, se você sair por essa porta, o tesouro em seu peito te fará ser caçada no mundo inteiro. Você só tem uma opção.”

Ele sentiu que estava persuadindo uma criança pequena, mesmo que Lily já fosse uma adolescente. O que mais o incomodou foi o fato de ele se dar ao trabalho de fazer isso. Normalmente, ele só cumpriria sua missão, mesmo que contra a vontade do seu alvo.

A garota, por sua vez, estava abatida ao extremo. Era sua primeira vez fora desse mundo, e ela apenas pôde sair com a permissão de Celestine. Se ela voltasse com um acordo claramente desigual, como ele a puniria? Principalmente, como ela encararia a si mesma?

Dúvidas torturavam a mente da garota, mas o tempo não estava a seu favor.

Mikha, perdendo a paciência, apertou os braços dela. “Vamos, decida!”

Ela acordou de seu devaneio, ofegante. Mordendo os lábios, a adolescente, que não tinha sequer um nome, decidiu o destino da vida de Lily: “… Tudo bem.”

Mikha sorriu, vitorioso.

“Mas você tem que manter Lily segura! Você tem que fazer isso!”

Ele ainda não entendeu o porquê da menina se referir a si mesma em terceira pessoa, mas concordou levianamente.

Ele a manteria segura.

Desde que ainda tivesse utilidade para ele.

A garota, aliviada, desmaiou logo em seguida. Quando acorda, vê Lily, rodeada por aquela imensidão escura, ainda chorando.

A menina de cabelos brancos andou até ela e a abraçou em silêncio.

A Beleza da Vida e da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora