A escrita se tornou minha válvula de escape, mas naquele momento, algo parecia diferente. As palavras que derramava no papel eram um grito de liberdade, um desabafo que nunca tive coragem de expressar em voz alta. Pela primeira vez, percebi que estava me permitindo sentir. Não era sobre a perfeição que meus pais sempre exigiram, nem sobre as expectativas que eu mesma tinha absorvido como verdades absolutas. Era sobre mim.
No fundo, sabia que estava chegando a um ponto de ruptura. Tudo o que eu vivi até agora — as passarelas, os flashes, os sorrisos ensaiados — parecia tão superficial. Enquanto escrevia, lembrei de Luna e suas palavras. "Você devia tentar."
Havia uma força na simplicidade daquela frase. "Você devia tentar." Tentar ser quem eu realmente sou, sem as amarras do que esperam de mim.
Olhei para o caderno aberto em meu colo e comecei a escrever uma nova música. As palavras fluíam como um rio, sem bloqueios, sem censura. Era uma canção sobre luta, sobre quebrar as correntes invisíveis que nos prendem. Sobre as expectativas esmagadoras que carregamos e o desejo de nos libertarmos.
Quando terminei, percebi que estava chorando. Mas não era tristeza. Era uma espécie de alívio, como se cada lágrima carregasse uma parte do peso que eu vinha carregando por anos.
No dia seguinte, tomei uma decisão. Era cedo, mas resolvi ir ao setor de administração da faculdade. Queria entender melhor como funcionava a transferência para o curso de música. Apenas obter informações, sem me comprometer ainda.
Enquanto caminhava pelo campus, cruzei com Luna novamente. Dessa vez, ela estava sentada na grama, tocando um violão com acordes suaves e melancólicos. Fiquei parada por um momento, ouvindo. A música dela era crua, sincera, e parecia carregar uma dor que ecoava em mim.
Ela percebeu minha presença e levantou o olhar, sem interromper a melodia.
— Vai ficar aí parada ou vai sentar? — perguntou com um leve sorriso.
Eu ri nervosa e me aproximei, sentando ao lado dela.
— Oi. Só queria ouvir. Você toca bem.
— Valeu. — Ela deu de ombros, mas seus olhos brilhavam. — E você? Decidiu tentar a música ou vai continuar fazendo o que te mandaram?
Hesitei, mas a honestidade dela me desarmava.
— Estou pensando. Fui na administração hoje perguntar sobre transferências.
— E o que descobriu?
— Que ainda dá tempo de mudar, mas é arriscado. E se não der certo?
Luna colocou o violão de lado e me encarou.
— E se der certo?
Eu não tinha resposta para isso. Nunca pensei na possibilidade de realmente fazer algo dar certo para mim.
— Escuta — ela continuou, a voz mais suave —, você não precisa decidir tudo agora. Mas, se a música te faz sentir viva, então é um bom sinal. Dá para fazer isso sem abandonar o resto. Eu, por exemplo, faço música porque amo, mas também trabalho como freelancer em fotografia para pagar as contas.
Minha curiosidade se acendeu.
— Fotografia?
— Sim. É um dos meus hobbies. Faz um tempo que não fotografo ninguém, mas adoro captar histórias através das lentes.
Sorri.
— Talvez um dia você possa me fotografar.
Ela sorriu de volta, como se aceitasse o desafio.
Naquele momento, percebi algo: Luna não era só alguém que parecia livre. Ela era livre, porque fazia escolhas que tinham significado para ela. Não era sobre seguir um plano perfeito, mas sobre explorar o que a fazia feliz.
Eu queria isso também. Não sabia como chegar lá, mas talvez, pela primeira vez, estivesse disposta a descobrir.
E, quem sabe, Luna seria uma parte importante dessa jornada.
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Depois daquele encontro na grama, algo em mim mudou. Não era uma transformação completa, mas como se uma pequena chama tivesse sido acesa. A música que Luna tocava ressoava dentro de mim, e, por mais que eu tentasse voltar à rotina, algo parecia diferente. Era como se uma nova perspectiva estivesse começando a tomar forma.
No dia seguinte, acordei decidida a seguir o conselho dela: tentar. Não era exatamente uma escolha fácil, mas eu sabia que precisava dar um passo adiante. Antes de ir para a faculdade, decidi enviar um e-mail para a administração solicitando mais detalhes sobre a transferência para o curso de música. Só o ato de escrever aquele e-mail me deixou nervosa, mas também empolgada.
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Na aula de Design de Looks, meu foco era inexistente. A professora falava sobre as influências do modernismo na moda contemporânea, mas minha mente estava em outro lugar. Enquanto rabiscava desenhos no canto do caderno, me peguei pensando na música que escrevi ontem e em como ela poderia soar com uma melodia de verdade.
Decidi sair da aula mais cedo. Sentia que estava desperdiçando meu tempo ali, ocupando um espaço que poderia ser de alguém verdadeiramente apaixonado por moda. Enquanto caminhava pelos corredores do campus, passei em frente ao prédio de música e, sem pensar muito, entrei.
Era diferente do meu departamento. Ali, os sons das aulas vinham de todos os lados: pianos, guitarras, vozes ensaiando. Tudo parecia tão vivo, tão caótico, mas de um jeito que fazia sentido. Atravessei o corredor até encontrar uma pequena sala de vidro com um piano. Um aluno praticava, e eu fiquei ali, parada, assistindo. Ele tocava com tanta naturalidade, como se o mundo não existisse ao redor.
Senti uma pontada de inveja, mas também algo novo: esperança. Talvez eu pudesse pertencer a esse mundo.
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Não ao amor
RomanceUma menina rica cheia de sonhos de ser uma das mais famosas modelos de Milão começa uma faculdade e acaba se apaixonando por uma menina sem mesmo saber que se atraia.Os pais não são nada presentes e ela tem que lidar com as coisas sozinha,mas ela te...