Liberdade ou Ignorância?

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Nas semanas seguintes, mergulhei de cabeça nos ensaios e desfiles. O que antes parecia ser a realização dos meus sonhos começou a me sufocar. A pressão para estar sempre impecável, os olhares críticos, e a superficialidade das conversas ao meu redor começaram a pesar mais do que eu esperava.

Mas, mesmo assim, continuei. Algo dentro de mim ainda resistia à ideia de que tudo aquilo poderia não ser o que eu queria. O brilho dos holofotes ainda me atraía, mesmo que sua luz estivesse começando a cegar.

Em um final de tarde, após um ensaio exaustivo, Daphny me chamou para sair. Fomos a um café discreto, longe da agitação da cidade, um lugar que eu jamais teria escolhido por conta própria. Sentamos em uma mesa perto da janela, e o sol poente pintava o ambiente com uma luz dourada.

— Então, já pensou mais na minha pergunta? — Daphny me olhou de soslaio, mexendo na xícara de café.

Eu suspirei, sentindo o peso da resposta que ainda não tinha.

— Tenho pensado, sim, mas... ainda não sei. — Admiti, sentindo uma frustração crescente. — Achei que era o que eu queria, ser uma modelo famosa, mas agora... não sei mais.

Daphny sorriu, mas era um sorriso carregado de compreensão, não de julgamento.

— Não precisa ter todas as respostas agora. A verdade é que nem sempre sabemos de imediato o que realmente nos move. Mas vou te dizer uma coisa: o que quer que seja, precisa te fazer sentir viva. Precisa te dar energia, e não apenas sugar o que você tem.

As palavras dela bateram fundo. Eu estava exausta, e isso era inegável. Senti uma vontade quase incontrolável de fugir dali, de largar tudo, mas ainda não sabia para onde ir ou o que buscar.

— Você já sentiu isso? — perguntei, curiosa. — Já pensou em desistir?

Daphny me olhou por um longo momento antes de responder.

— Muitas vezes. Acredite, a vida de modelo não é o que parece. Há dias em que você se sente usada, em que todo o glamour desaparece e o que sobra é só a pressão e o cansaço. — Ela fez uma pausa, olhando pela janela como se buscasse algo no horizonte. — Mas, no fim, encontrei algo além disso. Algo que me faz continuar.

— O quê? — perguntei, ansiosa para entender.

— Eu descobri que o que mais me importa é a liberdade. A liberdade de ser quem eu sou, mesmo que as pessoas esperem algo diferente de mim. Quando eu percebi isso, comecei a usar a moda de uma maneira diferente. Não para ser vista, mas para me expressar, para contar minha própria história.

Essas palavras ficaram gravadas na minha mente. Liberdade. Talvez fosse isso que me faltava. Talvez todo aquele vazio que eu sentia era o resultado de tentar seguir um caminho que nunca foi verdadeiramente meu.

Nos dias que seguiram, comecei a me observar mais de perto. As aulas, os ensaios, os eventos... Eu não conseguia mais ignorar o desconforto. E um dia, em um desses ensaios, enquanto caminhava pela passarela, percebi que meus passos não carregavam a mesma firmeza. Algo dentro de mim se despedaçava a cada passo, e a verdade finalmente me atingiu como um vendaval: eu não queria estar ali.

Era como se, pela primeira vez, eu tivesse tirado a venda dos olhos e enxergado a realidade. Eu não estava vivendo minha vida, estava apenas seguindo o roteiro que outros haviam escrito para mim.

Naquela noite, sentada na beira da cama, peguei meu celular e escrevi uma mensagem para Daphny.

"Preciso conversar. Entendi o que você quis dizer."

A resposta dela veio rápido.

"Venha amanhã ao meu estúdio. Acho que você está pronta para o próximo passo."

O próximo passo. Fosse o que fosse, eu sabia que seria diferente de tudo o que eu havia planejado. E, pela primeira vez em muito tempo, me senti leve. Talvez eu estivesse começando a encontrar o meu próprio caminho.

Não ao amorOnde histórias criam vida. Descubra agora