Atsumu Miya
Não é como se fosse novidade eu acordar numa cama que não era minha. A manhã chegava junto com a luz incômoda da janela aberta, e o peso de um braço desconhecido sobre minha cintura me fazia bufar.
A garota da noite passada — qual era mesmo o nome dela? Haruka? Hina? — ainda dormia, o rosto virado para mim, com um sorrisinho bobo no rosto que me deixou mais desconfortável do que qualquer outra coisa.
"Ah, que maravilha", pensei, enquanto delicadamente tirava o braço dela de cima de mim e me levantava.
Minha cabeça não doía tanto quanto eu esperava, o que era bom, mas algo em mim estava errado.
A sensação de vazio era mais forte do que o normal, como se algo tivesse se perdido ao longo da noite.
Ou talvez alguém.
Suspirei ao pegar minhas roupas jogadas pelo chão do quarto. Eu não era de ficar remoendo. Não fazia parte do meu estilo.
Atsumu Miya não era o tipo de cara que se apegava — sempre deixei isso claro.
Meu charme estava em saber brincar com as pessoas, aproveitá-las, e seguir em frente. Sem amarras, sem complicações.
Então por que, diabos, a imagem de Sakusa continuava voltando à minha mente como uma música irritante que você ouve por acaso e não consegue mais parar de cantarolar?
— Que saco, — murmurei para mim mesmo, enquanto fechava a porta do apartamento com cuidado. Não precisava de despedidas.
Elas eram sempre desnecessárias.
Assim como ele fez.
De volta ao meu apartamento, a bagunça habitual me recebeu com um silêncio constrangedor. A sala estava cheia de caixas de pizza vazias, roupas espalhadas pelo sofá e aquele cheiro familiar de mofo que eu sempre prometia a mim mesmo que ia resolver, mas nunca resolvia.
Joguei-me no sofá com um suspiro exausto, olhando para o teto. A luz do sol que entrava pelas janelas parecia zombar de mim, tornando ainda mais óbvio o quão patético eu me sentia.
"Ele não era nada demais", tentei convencer a mim mesmo pela milésima vez. "Só mais um rosto bonito com uma boa foda"
Mas isso era mentira. Eu sabia disso.
O jeito que Sakusa olhava para mim, como se enxergasse algo além da minha superfície cuidadosamente polida... Era diferente. Inquietante, até.
Horas depois, já devidamente arrumado, fui para a loja do Osamu. Ele estava atrás do balcão, organizando bandejas de onigiri com uma precisão quase obsessiva.
Ao lado dele, Suna estava sentado no canto, mexendo no celular com aquela expressão entediada que parecia permanente.
— Tsumu, — Osamu disse, sem tirar os olhos dos onigiris. — Chegou tarde.
— E você continua sendo chato, parabéns. — Revirei os olhos, jogando minha jaqueta em uma cadeira próxima.
Suna ergueu os olhos do celular, um sorrisinho preguiçoso se formando em seus lábios.
— O que houve? Alguma coisa na sua noite não saiu como você queria?
— Minha noite foi ótima, obrigado por perguntar. — Abri um sorriso exagerado, jogando-me na cadeira.
Osamu finalmente me olhou, a expressão meio desconfiada.
— É mesmo? Porque você tá com uma cara de quem passou a noite pensando em outra coisa. Ou, sei lá, outra pessoa.
— Hã? Do que cê tá falando? — Cruzei os braços, tentando parecer desinteressado, mas o calor subindo pelo meu rosto me denunciava.
— Ele tá falando do Sakusa, — Suna disse casualmente, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Minha reação foi tão rápida que quase me denunciou:
— Quem falou que eu tô pensando nele?
— Ninguém, — Suna respondeu, a voz cheia de sarcasmo. — Mas, honestamente, você nem precisa. Tá estampado na sua testa.
— Eu? Pensando no Sakusa? — Soltei uma risada exagerada, tentando ignorar o nó na minha garganta. — Por favor, tem gente melhor pra pensar.
— Tipo quem? — Osamu perguntou, cruzando os braços e me encarando com uma sobrancelha levantada.
— Tipo... todo mundo. — Joguei as mãos no ar, frustrado.
Suna soltou um riso nasalado.
— Ah, claro. Por isso você tá todo esquisito desde que voltou daquela boate.
— Não tô esquisito! — Respondi, um pouco alto demais.
— Tá, sim, — Osamu disse, balançando a cabeça. — E sabe o que mais? Você fica falando pra todo mundo que não se apega, mas tá bem claro que aquele cara mexeu com você.
— Mexeu, nada, — murmurei, desviando o olhar.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Eles não precisavam dizer nada para que eu soubesse que estavam certos.
— Olha, Tsumu, — Osamu começou, a voz mais calma agora, — só tô dizendo que, se ele tá na sua cabeça desse jeito, talvez você devesse, sei lá, fazer alguma coisa sobre isso.
— Fazer o quê? — Retruquei, a frustração transbordando. — Ele mal me olha como se eu fosse uma pessoa normal. E combinamos de ser apenas uma noite, depois disso ele foi embora e cada um seguiu sua vida.
— Talvez ele só esteja se protegendo, — Suna sugeriu, voltando a atenção para o celular.
— Protegendo do quê? — Perguntei, bufando.
— De você, provavelmente, — Suna respondeu, sem olhar para mim, mas com aquele tom malicioso que me fez querer socá-lo.
Osamu balançou a cabeça, rindo.
— Olha, Tsumu, a gente só tá dizendo que você devia parar de fugir. Vai atrás dele.
— E se ele me rejeitar? — A pergunta escapou antes que eu pudesse segurá-la, e odiei como minha voz soou insegura.
Que merda eu estava falando?
Osamu me olhou, sério pela primeira vez na conversa.
— Então você lida com isso. Mas é melhor do que ficar se escondendo e tentando fingir que não tá nem aí.
O silêncio voltou a se instalar, e eu me perdi nos meus próprios pensamentos. Eles estavam certos, mas admitir isso era outra história.
Naquela noite, voltei para casa me sentindo ainda mais perdido. Não importava o quanto eu tentasse ignorar, Sakusa continuava aparecendo na minha cabeça.
Seu rosto, sua voz, o jeito que ele me fazia sentir como se o chão estivesse prestes a sumir debaixo dos meus pés.
Eu odiava isso. Odiava como ele tinha conseguido entrar na minha cabeça, no meu espaço, sem nem se esforçar.
Mas, no fundo, eu sabia que não conseguiria fugir para sempre.
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