Uma das melhores lembranças que tenho da minha mãe foi quando ela chegou do hospital com minha irmã. Ela entrou em casa com uma minúscula Letícia, enrolada em um cobertorzinho, e a colocou cuidadosamente nos meus bracinhos de criança de cinco anos.
— Essa é a sua irmã. Você me ajuda a cuidar dela? Acho que seu pai e eu não vamos conseguir sozinhos.
Eu me lembro de olhar para aquele serzinho tão pequeno e indefeso de bochechas rosas, e sentir meu coração explodir. Ela era perfeita, e minha mãe nem precisava ter pedido; eu sabia que cuidaria dela pelo resto da minha vida.
Agora, anos depois, eu tinha uma garota jogada de cabeça para baixo na minha cama, com os pés apoiados na cabeceira, em uma posição meio exorcista de algum filme de terror. Mas, que parecia ser bem confortável na cabecinha maluca de adolescente dela.
— Me explica essa história direito.
— Eu já contei tudo, Letícia — respondi pela terceira vez, enquanto espalhava hidratante no corpo.
— Você só disse que vai em um date. Isso é muito vago, quero detalhes.
— Não é um date! — revirei os olhos. — É só um jantar com uma pessoa, nada demais.
— Claro que é um date — Isa entrou no meu quarto com dois copos de suco na mão. Ela entregou um para Letícia, que finalmente jogou os pés para baixo e sentou na cama como uma pessoa normal. — É um date e tanto.
— Dá para vocês pararem com isso? Eu vou sair para jantar e ter o mínimo de interação social com outra pessoa adulta. Só isso. — A verdade é que não era só aquilo, mas eu não podia alimentar as expectativas de ninguém enquanto lutava bravamente para controlar a minhas próprias.
— Tudo bem, que seja. Vou estudar, a gente se vê mais tarde — Letícia levantou-se com um pulo e me abraçou. — Boa sorte no seu "não-date".
Assim que minha irmã saiu, Isa olhou para mim com um ar mais sério.
— Você tem certeza do que está fazendo?
— Isa, eu...
Na verdade, eu não tinha certeza de nada. Mas quando fechava os olhos, conseguia ver Luna sorrindo. Quando pensava dos nossos encontros meio desconexos, meu coração acelerava. E, quando lembrava no nosso beijo, meu estômago revirava e meu corpo tremia, como se uma corrente elétrica me atravessasse e fosse capaz de me fazer flutuar. Mas não contei nada disso para Isa. Eu queria esconder aquele segredo, porque eu tinha medo de que se alguém soubesse, eu acabaria descobrindo que aquele momento era uma mentira, uma invenção da minha cabeça. Então, eu o escondia bem fundo, enquanto revivia cada detalhe apenas na minha mente, todos os dias.
— Eu sei. Não precisa explicar — Isa me olhou com compreensão. — É um risco. Nosso trabalho faz ser um risco.
— Eu sinto que ela gosta de mim, sabe? Ela presta atenção, e eu adoro quando estamos juntas. Mas sei que nunca teremos alguma coisa séria. Então, acho que só vou curtir o tempo com ela e preparar meu coração para quando tudo der errado.
— Isso é tão triste, princesa. Você precisa acreditar que existe uma chance; viver sem essa esperança é como não ter nenhuma luz.
— A sorte é que eu aprendi a enxergar no escuro.
Eu sabia onde Luna morava porque já havia trabalhado na casa dela. Obviamente, nunca pensei em voltar ali, muito menos como uma convidada.
Meu carro estava mais uma vez na oficina, então fui de ônibus e desci em um ponto próximo. Quando cheguei ao portão, pretendia enrolar um pouco antes de tocar o interfone, mas fui surpreendida por Luna abrindo o portão com um controle remoto.
— Te vi pela câmera e achei que fosse fugir — ela explicou, enquanto eu entrava.
— Você está mesmo preocupada com essa história de fugir — Luna me abraçou suavemente. Era incrível como tudo nela era tão delicado.
— Digamos que não confio em mim o suficiente para não te assustar — eu adorava aquela sinceridade esquisita que ela tinha. Me fazia sentir menos vulnerável. — Entra. Fica à vontade, estou terminando o jantar.
— Achei que o tempo de preparo do miojo eram três minutos — falei, deixando minha bolsa em uma cadeira da cozinha.
— Engraçadinha. Eu reparei que você pediu massa no restaurante, então fiz macarrão à carbonara com carne seca. Espero que você goste.
— Eu amo — falei, encantada com o fato dela se lembrar do meu prato. Aquela demonstração de atenção complicava muito a minha vida. A única noção de relações que eu tinha, estava ligada ao que o meu corpo era capaz de causar nas pessoas. Ter alguém prestando atenção em mim por outros motivos era diferente, e ao mesmo tempo, assustador.
— Tomamos um vinho? Eu até poderia fazer caipirinha, mas você sabe que eu não levo muito jeito.
— Eu faço se você quiser — me ofereci.
— Não, você é minha convidada — Luna aproximou-se, bem devagar pegou minha mão e fez um carinho com os dedos.
— Eu posso ajudar, não tem problema — falei, sentindo meu corpo entrar em formigamento com apenas aquele pequeno gesto.
—Só fica tranquila e aproveita. Vou buscar o vinho, já volto.
Antes de sair, Luna levou minha mão até os lábios e deixou um beijo, sem tirar os olhos dos meus. E aquele foi o momento mais sublime que eu já havia vivido na minha vida.
Onde estavam os meus muros? Eu estava mesmo muito encrencada.
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Due
RomanceStella é uma jovem sem muito tempo para sonhos e que leva uma vida dupla: durante o dia, ela é uma estudante dedicada, e à noite, brilha como Estrela, uma sedutora dançarina. Em meio à sua rotina agitada, Stella conhece Ayla Luna, uma advogada de s...