EPIFANIA DE MONSIEUR PERROT
Há certas coisas na vida que não tem muita explicação.
Mas, tentando sair de minha zona de conforto, mergulhando dentro de mim, algumas sensações aos meus olhos, começam a fazer sentido.
Eu sempre fui um sujeito apaixonado pelas mulheres, pela forma como arrebatam as nossas vidas, fazendo-nos tornar-se nada além de uma massa burra de hormônios ferventes.
Principalmente, amo a forma como elas caminham... Se existe algo mais lindo nesse mundo de merda, eu realmente desconheço.
A poesia que reside nessas duas peças anatômicas é comovente.
Os pés, lisos ou calejados, não importa, são eles que as levam pelos caminhos e as conduzem a nós homens, figurinhas sortudas, para o nosso profundo deleite.
Os pés são os traidores da razão, alguns dizem que os olhos são as janelas da alma, se isso for verdade, os pés são o sótão do desejo, é só revirá-los, que os segredos mais íntimos emergem.
Por mais que a boca de uma mulher diga que não quer ser fodida, se assim o desejar, seus pés traiçoeiros provam exatamente o contrário, basta o sujeito felizardo ser um pouco inteligente para ler os sinais.
Eles se agitam nervosos, e mesmo vacilantes, o primeiro ímpeto é caminhar em direção ao objeto de desejo, mesmo que os lábios digam não.
Não posso considerar-me um podólatra.
Estou longe dessas taras excludentes, eu gosto é do pacote inteiro.
Vejo e desejo uma mulher como um todo.
Para mim, não há em sua existência, uma parte do seu corpo mais sedutora que a outra.
Em sua totalidade, vocês mulheres são perfeitas, eu amo todas as suas nuances, seus misteriosos joguinhos de espelhos, em não revelar seus reais desejos, a instigante brincadeira de gato e rato, a sensibilidade tangível.
Mas confesso que quando vi aqueles pés descalços, eu tive uma sensação tão catártica que beirou ao êxtase.
Eu estava distraído, absorto em minha postura polida e mecânica, empunhando a minha máscara habitual de frieza irretocável.
Em eventos diplomáticos como este é sempre assim que eu me comporto.
Um prenunciar muito sutil de um sorriso, as mãos no bolso do terno e o olhar no horizonte, falsamente compenetrado.
O jogo da política é uma arte pra quem sabe blefar, e eu sou muito bom nisso, sei esconder bem as minhas emoções.
O meu protocolo é seguido à risca, meneios de cabeça demonstrando atenção a tudo que eu ouço, faço algumas perguntas para comprovar o interesse no assusto discutido e sorrio se possível, muito discretamente.
Eu percorri o Barracão da Escola de Samba Mangueira com real interesse.
Vivo no Brasil há alguns anos, mas é algo que me deixa curioso, como tantas pessoas se reúnem em esforços hercúleos para um trabalho que só é vivenciado um único dia?
Tudo transcorria dentro do esperado, até que fui tomado pela imagem daquela mulher linda e descalça a minha frente. Entre tantas mulheres sensuais, remexendo-se seminuas e fantasiadas, aquela figura pequena e delicada, destoava de tanta carne exposta, como ela conseguia ser tão comum e ainda ser tão terrivelmente sexy? Ela carregou o meu controle pra longe, deixando-me subitamente à deriva.
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A VOZ DO SILÊNCIO (Degustação)
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