Beijo

36 9 83
                                    

Entrei em casa e me joguei no sofá. O mundo parecia um lugar terrível, tudo estava dando errado, e eu não conseguia fazer nada funcionar do jeito que eu queria. Desisti de tudo, pensei que essa seria a noite em que ficaria jogado naquele velho sofá por horas, já que o plano de comer sorvete também tinha ido por água abaixo — não havia sorvete na geladeira. Liguei a TV, tentando afogar minhas frustrações em algo, e até que isso ajudou um pouco, mas não completamente.

Tomei um banho, peguei meu gatinho no colo e continuei ali, largado, refletindo sobre minhas escolhas, desde o momento em que minha mãe me trouxe ao mundo. Para piorar ainda mais minha noite, alguém bateu com força na porta, o que me deixou completamente irritado. Abri a porta já esbravejando, xingando tudo e todos, mas, para minha surpresa, era Vee. Ele parecia assustado com a quantidade de palavrões que eu havia soltado.

— Que boquinha suja, Match — ele disse, entrando e olhando para a TV antes de me encarar novamente. — Por que está vendo um filme triste? Está se sentindo triste?

Ele se aproximou, tocou suavemente meu rosto e secou uma lágrima que eu nem sabia que estava lá.

— Imagino que seu encontro com David não tenha ido tão bem — suspirou, como se já esperasse por isso.

Olhei para ele com um sorriso sarcástico e fui até a cozinha, colocando água para ferver e preparando um café forte. Era exatamente o que eu mais precisava naquele momento: algo bem amargo. Vee se sentou à mesa, brincando com o saleiro e o paliteiro, empilhando-os como se fosse um jogo.

— Meu carro quebrou e eu não posso ir a pé. Posso passar a noite aqui? — ele perguntou com aquele olhar de criança pedindo abrigo, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Sua sorte é que sou um bom amigo e vou te dar abrigo — respondi, me sentando ao lado dele. — Mas, como você também paga meu salário, não posso te expulsar com um chute no meio da rua.

Abri um potinho de biscoitos da sorte, e ele me olhou, rindo, enquanto pegava o pote da minha mão.

— Você acredita nesses biscoitinhos da sorte? Como acha que um biscoito pode prever sua sorte? — ele perguntou, claramente intrigado. Talvez estivesse surpreso por eu ter tantos potes desses biscoitos em casa.

— Quem disse que eu acredito? Só não sou do tipo que desacredita também — respondi, pegando outro biscoito para mim e entregando um para ele. — Abra o seu, você vai ver que algo faz sentido.

Abri o meu e a frase era completamente sem nexo. Seria estranho se fosse ao contrário. Olhei para Vee, que ainda me encarava com um olhar curioso.

— O que tem no seu? — perguntei, curioso. Ele me entregou o papel e eu fiquei surpreso com o que estava escrito:

"O destino lhe reserva um beijo do amor da sua vida hoje. Esteja preparado."

— Viu? Isso não faz sentido, Match – ele parou por um momento, me encarando profundamente. – Ou faz? Para você, parece fazer... Talvez você queira me beijar, não é?

Eu pulei da cadeira, me afastando dele, o rosto todo queimando de vergonha, tentando encontrar uma maneira de negar aquilo. Mas, no fundo, eu não queria negar, não naquele momento... talvez em outro dia. Céus, que confusão.

— Você está vermelho! Que indecente, querer beijar o chefe – ele riu baixinho. – Você poderia ser preso por isso, no Art. 297.

Ele se aproximou de mim, mas de uma forma ainda confortável, quase como se fosse uma provocação. Por um momento, a memória de David e o que havia acontecido mais cedo me invadiram. Eu tinha agido de maneira diferente com ele, não tinha recuado.

The Scent of LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora