Capítulo 5

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ALICE:

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ALICE:

Minha mãe faleceu em casa, no dia 12/09/2012. Eu com apenas um ano e meio, passava de colo em colo sendo beijada, abraçada e molhada com as lágrimas alheias. Como ela amava fotografar e filmar, quando ela se foi, esse passou a ser o papel do meu pai, e até hoje ele registra cada momento como se fosse o último. Minhas lembranças da infância se dão devido a milhares destes mini-filmes e milhões de fotos. Para cada aniversário papai mostra um novo vídeo, um inédito, um feito só para aquela data, nunca entendi o porquê, tudo que eu sabia era como aquilo me machucava.

Até os seis anos eu nem sabia que eu era "órfã de mãe" e acreditem, crianças no primário sabem ser cruéis. Eu, a garotinha ruiva e sardenta, baixinha e magrela, com uma janela graças a Fada dos Dentes, ao dar o primeiro passo dentro da sala de aula, logo no primeiro ano escolar, fui grosseiramente olhada dos pés a cabeça por todos, inclusive a professora e sua auxiliar. Carregava uma lancheira de cachorro azul, e uma pequena mochila em forma de asas de borboleta, com o cabelo dividido em preso em 'Maria Chiquinha' caindo nos ombros, e tentando parecer o mais corajosa possível para que meu pai ficasse aliviado. Papai me deixou na porta da sala com um beijo e assim que me sentei em uma carteira a frente da classe a auxiliar da professora veio me perguntar se eu me sentia bem, eu respondi: 'Porque não estaria.' E a partir daí comecei a entender o motivo de meu pai passar a odiar cidade pequena.

Todos, todos sabiam, e todos não sabiam como agir com a garotinha órfã, cuja mãe morreu tragicamente de uma terrível doença. Concordo que é difícil saber lidar com a morte, porém nada me irritava mais do que a 'pena' que todos sentiam de mim. Meu pai nunca mais se casou o que tornou minha vida ainda mais complicada, pois muitas mulheres tentavam se aproximar de mim, e se tornar intimas apenas para chegarem até o grisalho de olhos claros e músculos tonificados que era meu pai, que é meu pai.

Passei a me isolar, odiava trabalhos em grupo, odiava ter de ir a escola e acima de qualquer segunda feira, eu odiava o 'Dia das Mães'. Eu encarava seu aniversário de morte numa boa, mas o Dia das Mães era um martírio. Me negava a ir a escola, participar de qualquer peça teatral ou musical. Nada fazia o menor sentido daquele dia, então convenci meu pai que deveríamos ir à praia todas as vezes que essa data chegasse e deu certo, é tradição até hoje, faça sol, frio, chuva, caia pedra ou dinheiro do céu, papai e eu pegamos a picape e viajamos para o litoral acompanhados do Botas e da câmera da mamãe.

O silêncio daquele lugar hora misturado com o rugir das ondas me tranquilizava, fazia tão bem pra mim quando para papai e para o Botas. Este ano me formo no segundo grau e tenho grandes expectativas, grande parte delas envolve ir para 'Cidade Grande', ou seja, a capital do estado. Onde a mamãe nasceu para entender melhor a maneira como ela pensava, ou porque ela falava tanto daquele lugar.

Tudo que sei sobre ela, se resumem a fotos, vídeos, cartas e seu diário. Na parede da porta do meu quarto que papai imantou hoje está repleta de fotos dela, como ela gostava de tirar fotos, era tão espontânea e sempre sorridente. As paredes da nossa casa também carregam um pouco dela, do seu bom gosto para decoração e seu encanto por arte. Seu rosto sardento e quase sempre corado estava em cada centímetro da minha parede, seus olhos de um verde bem claro e radiante refletiam o sol da manha que vinha da parede oposta onde estava a janela. Seu cabelo cacheado e vermelho, longo e perfumado eram sua marca registrada, atualmente é a minha. Herdei seus melhores traços, do papai herdei as qualidades comportamentais, eu era menos desajeitada que minha mãe, e caía com menos frequência, eu dirigia muito bem, desde meus 14 anos, quando alcancei os pedais da picape. Além de ter uma paciência invejável e um dom para culinária que segundo meu pai, mamãe não tinha nem de longe.

Eu não danço como ela, mas canto como ele. Eu não sou viciada em gatos como ela, mas cozinho como ele. Eu não tenho bom gosto para decoração como ela, mas sou organizada como ele. Eu não sou criativa como ela, mas sou esforçada como ele. Os traços e contrastes que até então eu mal percebia em mim mesma e que lembravam mais ela do que eu imaginava. Como meu pai diz; Sou uma replica física da minha mãe, porém tenho o comportamento e dons dele.

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Todos os anos, no aniversário dela e no meu eu ganhava um vídeo ou uma carta, e em ocasiões especiais eu ganhava os dois

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Todos os anos, no aniversário dela e no meu eu ganhava um vídeo ou uma carta, e em ocasiões especiais eu ganhava os dois. Quando fiz seis anos, o vídeo falava sobre como agora eu era mocinha e precisava ajudar o papai nos afazeres da casa, sem deixar de me dedicar na escola e brincar muito. Aos 12 anos, entrando na adolescência e exigindo muito mais "que me compreendam" do que antes mamãe me preparou uma carta e um vídeo. A carta dizia os segredos que toda adolescente deve guardar e o vídeo falava que eu precisaria ajudar o papai com toda a novidade dos hormônios, ele nunca tinha passado por isso antes.

Hoje com 15 e meio ganhei seu diário, ele estava em uma caixa de sisal trabalhada e com laços e fitas espalhadas em seu interior, em cima do diário um cartão: "Para que você me conheça e me deixe morar no seu coração!". Nem preciso dizer quantas lágrimas rolaram nem às vezes recusei-me a lê-lo. E ha poucos dias, quando tomada por uma rajada de coragem resolvi abri-lo e mesmo que com receio, conhecer quem foi minha verdadeira mãe.


Romeu, Julieta & EuOnde histórias criam vida. Descubra agora