O dia em que se conheceram chovia. Não uma chuva forte, mas constante — daquelas que desenham linhas nos vidros e deixam o céu de um cinza profundo.
A princesa tinha seis anos. Vestia calças de lã grossa, botas pesadas e o colete velho do pai, recusando os vestidos de babado que a rainha lhe oferecera. Corria pelos corredores do palácio como se fossem campos abertos, ignorando os protestos dos tutores.
Foi ao dobrar uma das esquinas do jardim coberto que a viu pela primeira vez: uma menina nova, com sardas nas bochechas e os cabelos presos em duas tranças. Estava ajoelhada perto de um canteiro, plantando flores com as mãos sujas de terra.
— Você é uma serva? — perguntou a princesa, direta como sempre fora.
A menina levantou o rosto, surpresa. Não parecia assustada, apenas curiosa.
— Sou dama de companhia da sua irmã. Mas agora estou ajudando a jardineira.
— Ah. Parece divertido. Posso ajudar?
Emma hesitou. Aquele era o palácio, e a menina à sua frente era filha do rei. Mas a maneira como ela segurava a pá de forma errada e sorria com os olhos a fez responder:
— Pode, mas você vai se sujar.
— Melhor do que ter que escrever aquelas letras feias o dia inteiro.
E assim começou.
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Nos anos seguintes, tornaram-se inseparáveis.
Nos dias livres, brincavam de cavalgar pelos campos, mesmo quando isso significava fugir das aulas de história. Riam alto, dividiam tortas escondidas da cozinha e colecionavam pequenos segredos — um botão dourado perdido, um caderno com desenhos, uma carta de amor achada nos quartos da criadagem.
Na adolescência, algo mudou.
Não de forma brusca, mas lenta. Como a mudança das estações.
A princesa começou a notar a maneira como Emma sorria quando lia, ou como prendia o cabelo ao subir nas árvores. Percebeu que o coração acelerava quando suas mãos se tocavam, mesmo por acaso. Sentia ciúmes quando outros escudeiros a elogiavam, mesmo sem entender bem por quê.
Já Emma notava como a princesa crescia com um porte cada vez mais firme, os olhos intensos como os do pai, mas com uma doçura que ninguém mais via. E em silêncio, começava a guardar suas palavras. A costurar lembranças, como quem espera por algo que ainda não tem nome.
Uma tarde, sob o abrigo da biblioteca esquecida, quando a chuva outra vez caía, a princesa perguntou:
— Emma… já pensou em como seria se… se você não fosse dama de companhia? Se fosse… mais?
Emma baixou os olhos, tímida.
— Penso mais do que deveria. Mas isso não muda nada, não é?
— Muda sim. Muda pra mim. Você sempre foi mais. Só eu demorei pra ver.
Foi ali que se deram o primeiro beijo. Tímido, desajeitado, cheio de medo e desejo. Um toque de lábios que durou segundos, mas que queimou como se o mundo parasse.
