---
Os corredores do Palácio de Hemswick ecoavam com os passos apressados de criados preparando o grande baile. As cortinas de veludo carmesim haviam sido abertas para deixar o sol da tarde entrar, mas nem mesmo a luz dourada conseguia aquecer o coração inquieto da princesa.
Ela observava o jardim do alto da sacada, as mãos enluvadas apertadas contra a grade de ferro frio. Logo, o salão principal se encheria de jovens nobres, todas ansiosas por um olhar, um gesto ou um sorriso dela — a herdeira do trono. O rei já havia deixado claro: naquela noite, a princesa deveria escolher sua futura rainha.
Mas nenhuma daquelas mulheres ocupava seus pensamentos.
Não quando, ao longe, no pátio interno, ela avistava a dama de companhia de sua irmã caçula, ajudando com as flores. Vestida com simplicidade, os cabelos castanhos presos em um coque solto, ela parecia alheia à agitação do palácio. Emma. Seu nome soava como um sussurro constante em seu coração.
A princesa levou a mão ao peito, onde o tecido do traje cerimonial masculino apertava levemente. Diferente das outras jovens da corte, ela jamais se sentiu à vontade com vestidos. Desde a infância, suas roupas foram escolhidas com o corte e estilo dos trajes usados pelo rei — e com o tempo, passou a usá-los com orgulho. Não apenas por conforto, mas porque era quem ela era. Inteira. Indivisível.
— Você está inquieta. — disse uma voz firme, mas suave, atrás dela.
A princesa se virou devagar. Era sua mãe, a rainha Amara, impecável como sempre, com o rosto sereno e os olhos carregados de uma sabedoria que raramente deixava transparecer.
— Deveria estar se preparando para o baile.
— Estou pronta. — respondeu, olhando para o próprio traje escuro, elegante, com detalhes bordados em ouro.
— Refiro-me ao espírito, não às roupas.
A princesa suspirou, desviando o olhar.
— Todas esperam que eu escolha alguém. Mas nenhuma delas… é ela.
A rainha caminhou até a sacada, os dedos repousando levemente sobre a grade. Por um momento, ficaram as duas em silêncio, observando o mesmo jardim — a mesma figura ao longe.
— Seus olhos sempre procuram o mesmo lugar. — disse a rainha, com um leve sorriso no canto dos lábios.
A princesa sentiu o coração apertar.
— Não posso… — começou, com a voz vacilante. — Ela é apenas…
— Uma dama de companhia? — completou a rainha, com calma. — Como eu fui um dia.
A princesa arregalou os olhos.
— O quê?
A rainha assentiu, com um olhar perdido no passado.
— Eu não nasci nobre. Fui dama de companhia da rainha Celeste, mãe do seu pai. Era jovem, curiosa, teimosa… e me apaixonei. Não por ele, mas por outra dama da corte. Seu nome era Elise.
A confissão caiu como uma onda silenciosa sobre a princesa.
— Mas… você se casou com o rei.
— Sim. Porque Elise partiu, e porque me ensinaram que o dever vinha antes do desejo. Hoje sou rainha, mas jamais esqueci o gosto de tê-la perdido.
