O chão da sala de ensaio da HYBE já era praticamente minha segunda casa. O som do metrônomo, as vozes misturadas nos aquecimentos e o barulho dos tênis deslizando no piso me davam uma sensação estranha de paz.
Desde que comecei a acompanhar as meninas, entendi que talento e exaustão andam de mãos dadas.
- Mais energia, meninas.
Missy gritou do canto, braços cruzados, o olhar afiado.
Eu observava, com o tablet nas mãos, tentando acompanhar cada passo, cada respiração. Daniela estava na frente, cabelo preso, rosto suado, e mesmo exausta... sorria.
Aquela garota tinha um brilho que ninguém conseguia apagar.
- De novo.
Missy ordenou, e todas suspiraram.
Dani rolou os olhos e, antes de voltar pra posição, olhou pra mim com aquele sorrisinho de canto.
- Quer trocar comigo
ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.
- Eu até iria, mas o chão parece muito escorregadio pra alguém com dois pés esquerdos
Respondi.
Ela riu, um som curto e suave, e voltou pro ensaio.
Foi só um olhar, mas o suficiente pra eu esquecer do tempo.
O ensaio terminou perto das nove da noite.
As meninas desabaram no chão, bufando, e eu fui até a Dani com uma garrafa d'água.
- Tá viva
perguntei, estendendo a garrafa.
- Mais ou menos.
Ela bebeu um gole e me encarou.
─ Você sempre fica aqui até o fim, né.
- Alguém precisa garantir que você não desmaie no meio da coreografia.
- Engraçada.
Ela empurrou o ombro do meu jeito brincalhão, mas o toque ficou um segundo a mais do que o normal.
Silêncio. Depois risadas baixas.
- Sabe, às vezes acho que você entende a gente melhor do que a própria equipe.
Ela disse, encarando o chão.
- Talvez porque eu também já me senti observada demais
Respondi.
- Só que no meu caso, era pelos seguranças da escola.
Ela riu outra vez, mas o olhar dela se perdeu logo depois, fixo no celular.
As risadas cessaram.
- Dani...
- Nada não...
Ela tentou disfarçar, mas os olhos já estavam marejando.
Me sentei ao lado dela.
Na tela, o TikTok que ela tinha postado mais cedo. Milhares de curtidas. Mas entre os comentários, vários eram cruéis.
"Tá se achando demais", "essa aí força sensualidade", "ridícula dançando assim".
Ela bloqueou o celular com força.
- Eu nem fiz nada errado. Só dancei.
- E dançou bem pra caramba.
- Mas parece que tudo que eu faço incomoda alguém.
Ficamos em silêncio por um tempo. Só o som distante da música ecoando de outra sala.
- Sabe o que eu aprendi, Dani.
falei, olhando pra frente.
- As pessoas sempre vão odiar o que não conseguem entender.
- E se o que elas não entenderem for eu.
- Então que aprendam, porque eu não vou deixar você mudar quem é.
Ela me olhou.
Os olhos dela estavam cheios d'água, mas também de algo que eu não sabia nomear.
Ela sorriu, tímida, e encostou a testa na minha.
- Você é estranha, sabia.
sussurrou.
- É o que me torna especial.
Ficamos assim por alguns segundos. E, sem pensar muito, ela encurtou a distância.
O beijo aconteceu simples, calmo, quase como um alívio.
Sem pressa, sem culpa.
Quando se afastou, Daniela mordeu o lábio e riu baixo.
- Acho que a Missy vai me matar se descobrir.
- Então é melhor a gente não deixar ela saber
Respondi, sorrindo.
- Pelo menos por enquanto.
Ela me olhou de novo, e naquele instante, eu soube:
entre ensaios, risadas e confissões, eu já estava completamente perdida nela.

