A velha, obedecendo pontualmente, os descoseu com prontidão. Os breves eramdois: um verde e outro branco.
Depois o ancião, voltando-se para mim, disse:
- Menino! que trazeis convosco que possais oferecer a esta menina?... Eu corri com os olhos tudo que em mim havia e só achei, para entregar ao admirávelhomem que me falava, um lindo alfinete de camafeu, que meu pai me tinha dado para trazerao peito e, maquinalmente, pus-lhe nas mãos o meu camafeu.
O velho quebrou o pé do alfinete e dando-o a sua mãe, acrescentou:
♠ Minha mãe, cosa dentro do breve branco este camafeu.E voltando-se para minha bela camarada, continuou:
- Menina! que trazeis convosco que possais oferecer a este menino?...
A menina, atilada e viva, como que já esperando tal pergunta, entregou-lhe umbotão de esmeralda que trazia em sua camisinha.
O velho o deu à sua mãe, dizendo:
- Minha mãe, cosa esta esmeralda dentro do breve verde.
Quando as ordens do ancião foram completamente executadas, ele tomou os doisbreves e, dando-me o de cor branca, disse-me:
- Tomais este breve, cuja cor exprime a candura da alma daquela menina. Elecontém o vosso camafeu: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempreaquele belo anjo, dai-lho, a fim de que ela o guarde com desvelo.
Eu mal compreendi o que o velho queria: ainda maquinalmente entreguei o breve àlinda menina, que o prendeu no cordão de ouro que trazia ao pescoço.
Chegou a vez dela. O nosso homem deu-lhe o outro breve, dizendo:
- Tomai este breve, cuja cor exprime as esperanças do coração daquele menino. Elecontém a vossa esmeralda: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempreaquele bom anjo, dai-lho, a fim de que ele o guarde com desvelo.
Minha bela mulher executou a insinuação do velho com prontidão, e eu prendi obreve ao meu pescoço com uma fita que me deram.
Quando tudo isto estava feito, o velho prosseguiu ainda:
- Ide, meus meninos; crescei e sede felizes! vós olhastes para mim, pobre emiserável, e Deus olhará para vós... Ah! recebei a bênção de um moribundo! recebi-a e saípara não vê-lo expirar...
Isto dizendo, apertou nossas mãos com força, eu senti, então, que o velho ardia;senti que seu bafo era como vapor de água fervendo, que sua mão era uma brasa quequeimava... Sinto ainda sobre meus dedos o calor abrasador dos seus e agora compreendoque, com efeito, ele delirava quando assim praticou com duas crianças.
Enfim, nós deixamos aquela morada aflitos e admirados. Sós, nós pensamos novelho e choramos juntos; depois, nas crianças, isto não merece reparo, nossa dor se mitigou,para cuidarmos em brincar outra vez.
De repente, a menina olhou para mim e disse:
- E quando minha mãe perguntar pela esmeralda?...Eu cuidei que lhe respondia, e fiz-lhe igual pergunta:
- E quando meu pai perguntar pelo meu camafeu?
Ficamos olhando um para o outro; passados alguns instantes, minha linda mulher,que me parecera estar pensando, disse sorrindo-se:
- Eu vou pregar uma mentira.
- E qual?...
- Eu direi à minha mãe que perdi a minha esmeralda na praia.
- E eu responderei a meu pai que perdi o meu camafeu nas pedras.
- Eles mandarão procurar, sem dúvida...
- E não o achando, esquecer-se-ão disso.
- E os breves?...
- Nós os guardaremos?...
- O velho disse que sim.
- Para que será isto?...
- Diz que é para nos casarmos quando formos grandes.
- Pois então nós os guardaremos.
- Oh! eu o prometo.
- Eu o juro.
- Neste momento soou ave-maria.
- Tão tarde! exclamou a menina... minha mãe ralhará comigo!
E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim. Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estavae, mostrando-me o breve branco, gritou:
- Eu o guardarei!
Pela minha parte entendi dever dar-lhe igual resposta, e, pois, mostrei-lhe o meubreve verde e gritei-lhe também: Eu o guardarei!...Aqui parou Augusto para respirar, tão cansado estava com a longa narração; porém,ergueu-se logo, ouvindo ruído à entrada da gruta.
- Alguém nos escuta! disse ele.
- Foi talvez uma ilusão! respondeu a digna hóspeda.
- Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha que faz uma pessoa que corre,tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando em derredor dela.
- Então?... perguntou a Sra. D. Ana.
- Enganei-me, na verdade.
- Mas vê alguma pessoa?...
- Apenas lá vejo sua bela neta, a Sra. D. Carolina, pensativa e recostada à efígie daEsperança.
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A moreninha- Joaquim Manuel de Macedo
RomanceO estudante Augusto julga-se vacinado contra a praga do amor. Aposta que, das garotas da ilha, nenhuma o prenderá por mais de quinze dias. As meninas também não querem compromisso, só festejar e divertir-se. E a mais brincalhona é Carolina. Tão espe...