Parte dois

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A velha, obedecendo pontualmente, os descoseu com prontidão. Os breves eramdois: um verde e outro branco.

Depois o ancião, voltando-se para mim, disse: 

- Menino! que trazeis convosco que possais oferecer a esta menina?... Eu corri com os olhos tudo que em mim havia e só achei, para entregar ao admirávelhomem que me falava, um lindo alfinete de camafeu, que meu pai me tinha dado para trazerao peito e, maquinalmente, pus-lhe nas mãos o meu camafeu. 

O velho quebrou o pé do alfinete e dando-o a sua mãe, acrescentou:

 ♠ Minha mãe, cosa dentro do breve branco este camafeu.E voltando-se para minha bela camarada, continuou: 

- Menina! que trazeis convosco que possais oferecer a este menino?...

 A menina, atilada e viva, como que já esperando tal pergunta, entregou-lhe umbotão de esmeralda que trazia em sua camisinha. 

 O velho o deu à sua mãe, dizendo: 

- Minha mãe, cosa esta esmeralda dentro do breve verde. 

Quando as ordens do ancião foram completamente executadas, ele tomou os doisbreves e, dando-me o de cor branca, disse-me: 

 - Tomais este breve, cuja cor exprime a candura da alma daquela menina. Elecontém o vosso camafeu: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempreaquele belo anjo, dai-lho, a fim de que ela o guarde com desvelo.

 Eu mal compreendi o que o velho queria: ainda maquinalmente entreguei o breve àlinda menina, que o prendeu no cordão de ouro que trazia ao pescoço. 

 Chegou a vez dela. O nosso homem deu-lhe o outro breve, dizendo:

 - Tomai este breve, cuja cor exprime as esperanças do coração daquele menino. Elecontém a vossa esmeralda: se tendes bastante força para ser constante e amar para sempreaquele bom anjo, dai-lho, a fim de que ele o guarde com desvelo. 

 Minha bela mulher executou a insinuação do velho com prontidão, e eu prendi obreve ao meu pescoço com uma fita que me deram.

 Quando tudo isto estava feito, o velho prosseguiu ainda: 

- Ide, meus meninos; crescei e sede felizes! vós olhastes para mim, pobre emiserável, e Deus olhará para vós... Ah! recebei a bênção de um moribundo! recebi-a e saípara não vê-lo expirar... 

Isto dizendo, apertou nossas mãos com força, eu senti, então, que o velho ardia;senti que seu bafo era como vapor de água fervendo, que sua mão era uma brasa quequeimava... Sinto ainda sobre meus dedos o calor abrasador dos seus e agora compreendoque, com efeito, ele delirava quando assim praticou com duas crianças.

 Enfim, nós deixamos aquela morada aflitos e admirados. Sós, nós pensamos novelho e choramos juntos; depois, nas crianças, isto não merece reparo, nossa dor se mitigou,para cuidarmos em brincar outra vez.

 De repente, a menina olhou para mim e disse:

 - E quando minha mãe perguntar pela esmeralda?...Eu cuidei que lhe respondia, e fiz-lhe igual pergunta:

 - E quando meu pai perguntar pelo meu camafeu? 

Ficamos olhando um para o outro; passados alguns instantes, minha linda mulher,que me parecera estar pensando, disse sorrindo-se: 

- Eu vou pregar uma mentira.

 - E qual?... 

- Eu direi à minha mãe que perdi a minha esmeralda na praia. 

- E eu responderei a meu pai que perdi o meu camafeu nas pedras.

 - Eles mandarão procurar, sem dúvida... 

- E não o achando, esquecer-se-ão disso.

 - E os breves?... 

- Nós os guardaremos?... 

- O velho disse que sim. 

- Para que será isto?...

 - Diz que é para nos casarmos quando formos grandes. 

- Pois então nós os guardaremos. 

- Oh! eu o prometo.

 - Eu o juro. 

- Neste momento soou ave-maria. 

- Tão tarde! exclamou a menina... minha mãe ralhará comigo!

E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim.  Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estavae, mostrando-me o breve branco, gritou:

- Eu o guardarei!


 Pela minha parte entendi dever dar-lhe igual resposta, e, pois, mostrei-lhe o meubreve verde e gritei-lhe também: Eu o guardarei!...Aqui parou Augusto para respirar, tão cansado estava com a longa narração; porém,ergueu-se logo, ouvindo ruído à entrada da gruta. 

- Alguém nos escuta! disse ele. 

- Foi talvez uma ilusão! respondeu a digna hóspeda. 

- Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha que faz uma pessoa que corre,tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando em derredor dela. 

- Então?... perguntou a Sra. D. Ana. 

- Enganei-me, na verdade.

 - Mas vê alguma pessoa?... 

- Apenas lá vejo sua bela neta, a Sra. D. Carolina, pensativa e recostada à efígie daEsperança.  

A moreninha- Joaquim Manuel de MacedoOnde histórias criam vida. Descubra agora