O que é bom dura pouco. As festas estão acabadas; nossas belas conhecidas bordam; nossos alegres estudantes estão de livro na mão. Mas, pelo que toca a estes, qual é, digam-me, qual é o estudante que, depois de uma patuscada de tom, não fica por oito dias incapaz de compreender a mais insignificante lição? Isto sucede assim; essa pobre gente vê, por toda a parte, e misturando-se com todos os pensamentos, no livro em que estuda, nas estampas que observa, na dissertação que escreve, o baile, as moças e os prazeres que apreciou.
O nosso Augusto, por exemplo, está agora bronco para as lições e impertinente com tudo. Rafael é quem paga o pato; se o inocente moleque lhe apronta o chá muito cedo, apanha meia dúzia de palmadas, porque quer ir vadiar pelas ruas; se no dia seguinte se demora só dez minutos, leva dois pescoções, para andar mais ligeiro. Não há, enfim, coisa alguma que possa contentar o Sr. Augusto; está aborrecido da Medicina, tem feito duas gazetas na aula; de ministerial que era, passou-se para a oposição; não quer mais ser assinante de periódicos, não há para seus olhos lugar nenhum bonito no mundo; aborrece a corte, detesta a roça e só gosta das ilhas.
Deveremos fazer-lhe uma visita; ele está em seu gabinete e um pouco menos carrancudo, porque Leopoldo, o seu amigo do coração, o acompanha e tem a paciência de estar ouvindo, pela duodécima vez, a narração do que com ele se passou na ilha de...
Segundo parece, Augusto acaba de relatar o que ocorreu na gruta, entre ele e a bela Moreninha, porque Leopoldo lhe perguntou:
– E por onde fugiria ela?...
– Por uma difícil saída que eu não havia observado, respondeu Augusto, e que exatamente se praticava no fundo da gruta.
– Que diabinho de menina!
– Quanto mais se tu notasses a graça e malícia com que ela, quando eu entrei na sala, me perguntou sossegadamente: "Esteve dormindo na gruta, Sr. Augusto?..."
– Então ela gostou da tua semideclaração?!...
– Não... não... se ela tivesse gostado, não me fugiria.
– Ora, é boa! não devia fazer outra coisa.
– Se ela gostasse de mim!... mas, por que me não deu um só sinal de ternura?... Também eu, às vezes tão adiantado, fui desta um tolo, um basbaque! tremi diante de uma criança que não tem quinze anos e não soube dizer duas palavras.
– Estás doido, Augusto, e doido varrido; acredita que D. Carolina foi mais sensível aos teus cumprimentos que aos de nenhum outro, e se não, diz por que se não deixou ela dormir, como as outras senhoras, e foi à hora de tua partida passear pela praia e ver-te embarcar?... Por que ficou ali passeando até desaparecer o teu batelão?...
– Isto não significa nada.
– Ora, ature-se um namorado!... mas venha cá, Sr. Augusto, então como é isso?... estamos realmente apaixonados?!
– Quem te disse semelhante asneira?...
– Há três dias que não falas senão na irmã de Filipe e...
– Ora, viva! quero divertir-me... digo-te que a acho feia, não é lá essas coisas; parece ter mau gênio. Realmente notei-lhe muitos defeitos... sim... mas, às vezes... Olha, Leopoldo, quando ela fala ou mesmo quando está calada, ainda melhor; quando ela dança ou mesmo quando está sentada... ah! ela rindo-se... e até mesmo séria... quando ela canta ou toca ou brinca ou corre, com os cabelos soltos, ou divididos em belas tranças; quando... Para que dizer mais?
Sempre, Leopoldo, sempre ela é bela, formosa, encantadora, angélica!
– Então, que história é essa? Acabas idolatrando a mesma pessoa que,principiando, chamaste feia?...
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A moreninha- Joaquim Manuel de Macedo
RomanceO estudante Augusto julga-se vacinado contra a praga do amor. Aposta que, das garotas da ilha, nenhuma o prenderá por mais de quinze dias. As meninas também não querem compromisso, só festejar e divertir-se. E a mais brincalhona é Carolina. Tão espe...