Parte dois

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                                                                                                    I

 Menina solteira 

Que almeja casar, 

Não caia em amar 

A homem algum; 

Nem seja notável

 Por sua esquivança, 

Não tire a esperança

 De amante nenhum. 


I I

 Mereçam-lhes todos

 Olhares ardentes; 

Suspiros ferventes 

Bem pode soltar: 

Não negue a nenhum 

Protestos de amor; 

A qualquer que for

 O pode jurar.


III  


Os velhos não devem

 Formar exceção,

 Porquanto eles são

 Um grande partido;

 Que, em falta de moço

 Que fortuna faça, 

Nunca foi desgraça 

Um velho marido. 


IV 

Ciúmes e zelos,

 Amor e ternura,

 Não será loucura

 Fingida estudar; 

Assim ganhar tudo

 Moças se tem visto; 

Serve muito isto 

Antes de casar.  

Contra os ardilosos

 Oponha seu brio: 

Tenha sangue-frio 

Pra saber fugir; 

Em todos os casos 

Sempre deve estar 

Pronta pra chorar, 

Pronta pra rir.  

VI 

Pode bem a moça, 

Assim praticando, 

Dos homens zombando,

 A vida passar; 

Mas, se aparecer 

Algum toleirão, 

Sem mais reflexão,

 É logo casar. 

- Então o negócio é assim, minha senhora? exclamei eu, ao vê-la levantar-se dopiano. 

- Certamente, me respondeu ela; é este, pouco mais ou menos, o breviário por ondereza a totalidade das moças.

 - Fico-lhe extremamente agradecido pelo desengano.

 - Estimo que lhe sirva de muito. 

- Já serve, minha senhora; já tirei grande proveito dele. 

- E como?...

 - Escute: abatido e desesperado com os meus infortúnios, eu tinha jurado não amar amais nenhuma moça que fosse morena, corada ou pálida; estavam, pois, esgotados os belostipos... eu deveria morrer solteiro .

- E agora?... 

- Agora?... graças ao seu lundu, juro que de hoje avante amarei a todas elas...morenas, coradas, pálidas, magras e gordas, cortesãs ou roceiras, feias ou bonitas... tudoserve. E, com efeito, minha senhora, continuou Augusto, dirigindo-se à Sra. D. Ana, fiz-meabsolutamente um ser novo, graças ao lundu; guardando e beijando com desvelo o meuquerido breve, que sempre comigo trago, eu conservo a lembrança mais terna e constantede minha mulher: ela é o amor de meu coração, enquanto todas as outras são o divertimentodos meus olhos e o passatempo de minha vida. Eis, finalmente, a história de meusamores!... Tais foram as razões que me tornaram borboleta de amor. 

Terminando assim, Augusto ia respirar um instante, quando pela segunda vez lhepareceu ouvir ruído na porta da gruta.

 - Alguém nos escuta, disse ele, como da outra vez. 

- É talvez uma nova ilusão... respondeu a digna hóspeda.

 - Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha de uma pessoa que corre,tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando ao derredor dela.

 - Então?... perguntou a Sra. D. Ana.-

 Enganei-me, na verdade.

 - Mas vê alguém?... 

- Apenas lá vejo a sua bela neta, a Sra. D. Carolina, que se precipita com a maiorgraça do mundo sobre uma borboleta que lhe foge e que ela procura prender. 

- Uma borboleta...  


A moreninha- Joaquim Manuel de MacedoOnde histórias criam vida. Descubra agora