Cap 9 - A Sra. D. Ana com suas Histórias

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Finalmente, o bom do estudante que, quando lhe dava para falar, era mais difusoque alguns de nossos deputados novos na discussão do art. 1.º dos orçamentos, julgou deverfazer pausa de suspensão; mas a Sra. D. Ana, que já tinha-o por vezes interrompido fora detempo e debalde, não quis tomar a palavra para responder, sem segurar-se, dirigindo-lheestas palavras pela ordem:

- Então concluiu, Sr. Augusto?... 

 - Sim, minha senhora; e peço-lhe perdão por me haver tornado incômodo, pois fui,sem dúvida, tão minucioso em minha narração que eu mesmo tanto me fatiguei, que voubeber uma gota d'água.

 E isto dizendo, foi ao fundo da gruta, e enchendo o copo de prata na bacia de pedra,o esgotou até ao fim; quando voltou os olhos, viu que a boa hóspeda estava rindo-semaliciosamente. 

 - Sabe de que estou rindo?... disse ela.

 - Certamente que não o adivinho.

 - Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga,seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com ahistória de seus amores e com o copo d'água que acaba de beber. 

 - V. S. põe em tributo a minha curiosidade...

 - Eu o satisfaço com todo o prazer. A Sra. D. Ana principiou. 

As Lágrimas de Amor 

- Eu lhe vou contar a história das lágrimas de amor, tal qual a ouvi a minha avó, queem pequena a aprendeu de um velho gentio que nesta ilha habitava. 

Era no tempo em que ainda os portugueses não haviam sido por uma tempestadeempurrados para a terra de Santa Cruz. Esta pequena ilha abundava de belas aves e emderredor pescava-se excelente peixe. Uma jovem tamoia, cujo rosto moreno parecia tostadopelo fogo em que ardia-lhe o coração, uma jovem tamoia linda e sensível, tinha porhabitação esta rude gruta, onde ainda então não se via a fonte que hoje vemos. Ora, ela, queaté aos quinze anos era inocente como a flor, e por isso alegre e folgazona como umacabritinha nova, começou a fazer-se tímida e depois triste, como o gemido da rola; a causaestava no agradável parecer de um mancebo da sua tribo, que diariamente vinha caçar oupescar na ilha, e vinte vezes já o havia feito, sem que uma só desse fé dos olhares ardentesque lhe dardejava a moça. O nome dele era Aoitin; o nome dela era Aí. A pobre Aí, quesempre o seguia, ora lhe apanhava as aves que ele matava, ora lhe buscava as flechasdisparadas, e nunca um só sinal de reconhecimento obtinha; quando no fim de seustrabalhos, Aoitin ia adormecer na gruta, ela entrava de manso e com um ramo de palmeiraprocurava, movendo o ar, refrescar a fronte do guerreiro adormecido. Mas tantos extremosera tão mal pagos, que Aí, de cansada, procurou fugir do insensível moço e fazer poresquecê-lo: porém, como era de esperar, nem fugiu-lhe, e nem o esqueceu.  

Desde então tomou outro partido: chorou. Ou porque sua dor era tão grande que lhepodia espremer o amor em lágrimas desde o coração até aos olhos, ou porque, selvagemmesma, ela já tinha compreendido que a grande arma da mulher está no pranto, Aí chorou.

 E porque também nas lágrimas de amor há, como na saudade, uma doce amargura,que é veneno que não mata, por vir sempre temperado com o reativo da esperança, a moçajulgou dever separar da dor, que a fazia chorar amargores, a esperança que no pranto lheadicionava a doçura, e, tendo de exprimir a doçura, Aí cantou. 

 Seu canto era triste e selvagem, mas terno canto. Dizem que um velho fradeportuguês, ouvindo-o por tradição depois de muitos anos, o traduziu para a nossa língua efez dele uma balada, a qual minha neta canta.

A moreninha- Joaquim Manuel de MacedoOnde histórias criam vida. Descubra agora