A cena que se passou teve lugar numa segunda-feira. Já lá se foram quatro dias, hoje é sexta-feira, amanhã será sábado, não um sábado como outro qualquer, mas um sábado véspera de Sant'Ana. São dez horas da noite. Os sinos tocaram a recolher. Augusto está só, sentado junto de sua mesa, tendo diante de seus olhos seis ou sete livros e papéis, pena se toda essa série de coisas que compõem a mobília do estudante.
É inútil descrever o quarto de um estudante. Aí nada se encontra de novo. Ao muito acharão uma estante, onde ele guarda os seus livros, um cabide, onde pendura a casaca, o moringue, o castiçal, a cama, uma, até duas canastras de roupa, o chapéu, a bengala e abacia; a mesa onde escreve e que só apresenta de recomendável a gaveta, cheia de papéis,de cartas de família, de flores e fitinhas misteriosas, é pouco mais ou menos assim o quarto de Augusto.
Agora ele está só. Às sete horas, desse quarto saíram três amigos: Filipe, Leopoldo e Fabrício. Trataram da viagem para a ilha de... no dia seguinte retiraram-se descontentes,porque Augusto não se quis convencer de que deveria dar um ponto na Clínica para ir com eles ao amanhecer. Augusto tinha respondido: Ora vivam! bem basta que eu falte nas aulas de partos; não vou senão às dez horas do dia.
E, pois, despediram-se amuados. Fabrício queria ainda demorar-se e mesmo ficar com Augusto, mas Leopoldo e Filipe o levaram consigo, à força. Fabrício fez-se acompanhar do moleque que servia Augusto, porque, dizia ele, tinha um papel de importância a mandar.
Eram dez horas da noite, e nada do moleque. Augusto via-se atormentado pela fome, e Rafael, o seu querido moleque, não aparecia... O bom Rafael, que era ao mesmo tempo o seu cozinheiro, limpa-botas, cabeleireiro, moço de recados e... e tudo mais que a surgências mandavam que ele fosse.
Com justa razão, portanto, estava cuidadoso Augusto, que de momento a momento exclamava:
- Vejam isto!... já tocou a recolher e Rafael está ainda na rua!! Se cai nas unhas de algum policial, não é, decerto, o Sr. Fabrício quem há de pagar as despesas da Casa de Correção... Pobre do Rafael! que cavaco não dará quando lhe raparem os cabelos!
Mas neste momento ouviu-se tropel na escada... Era Rafael, que trazia uma carta de Fabrício, e que foi aprontar o chá, enquanto Augusto lia a carta. Ei-la aqui:
"Augusto. Demorei o Rafael, porque era longo o que tenho de escrever-te. Melhor seria que eu te falasse, porém, bem viste as impertinências de Filipe e Leopoldo.Felizmente, acabam de deixar-me. Que macistas!... Principio por dizer-te que te vou pedir um favor, do qual dependerá o meu prazer e sossego na ilha de... Conto com a tua amizade,tanto mais que foram os teus princípios que me levaram aos apuros em que ora me vejo.Eis o caso.
"Tu sabes, Augusto, que, concordando com algumas de tuas opiniões a respeito de amor, sempre entendi que uma namorada é traste tão essencial ao estudante como o chapéu com que se cobre ou o livro em que estuda. Concordei mesmo algumas vezes em dar batalha a dois e três castelos a um tempo; porém tu não ignoras que a semelhante respeito estamos discordes no mais: tu és ultra-romântico e eu ultraclássico. O meu sistema era este:
"1º. Não namorar moça de sobrado. Daqui tirava eu dois proveitos, a saber: não pagava o moleque para me levar recados e dava sossegadamente, e à mercê das trevas,meus beijos por entre os postigos das janelas.
"2º. Não requestar moça endinheirada. Assim eu não ia ao teatro para vê-la, nem aos bailes para com ela dançar, e poupava os meu cobres.
"3º. Fingir ciúmes e ficar mal com a namorada em tempo de festas e barracas no Campo. E por tal modo livrava-me de pagar doces, festas e outras impertinências.
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A moreninha- Joaquim Manuel de Macedo
Любовные романыO estudante Augusto julga-se vacinado contra a praga do amor. Aposta que, das garotas da ilha, nenhuma o prenderá por mais de quinze dias. As meninas também não querem compromisso, só festejar e divertir-se. E a mais brincalhona é Carolina. Tão espe...