Oito

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Tenho infinitos medos. Medo de viajar de avião, medo de ficar sozinha, medo de ser assaltada, medo de aranha, medo de encolher demais quando ficar velha (afinal, não passo de 1 metro e cinquenta e dois). Tenho 5 medos fixos desde os meus 12 anos. Mas nunca parei para contar minhas "coragens".
As pessoas não fazem isso! E por quê? As pessoas não dizem:
_Ei! E ai? Fala pra mim, do que você tem coragem?
Geralmente se fala em sonhos, vontades e loucuras que precisam ser feitas. Dos medos que podem ser superados! Mas... Ninguém nunca escolhe 5 ações e as fixa como coisas de extrema coragem para se fazer sempre.

Entende? Em momentos muito difíceis, levantar da cama e bater de frente com mais um dia se mostra como uma incrível coragem.

Mas ninguém pensa: "tenho coragem de dar bom dia a desconhecidos cantando" e coloca isso numa lista. Ninguém escreve em uma conversa profunda no Whats App, "você tem coragem de quê?" E deve ser porque geralmente memorizamos "coragens" que venceram medos ou ansiedades, como pedir para ficar com alguém, ou saltar de Bungee Jumping.

Resolvi que a partir de agora tenho minhas 5 Coragens fixas:

1.Dançar para as pessoas que me tratam mal. (Fazia isso com os caixas rabugentos do supermercado, quando tinha 10 anos.)

2.Falar o que penso, independente de pra quem for. (Thumbs up.)
3.Cantar em público.
4.Ir pro fundo do mar à noite.

Ok, faltou a quinta. Eu sei. Mas não tenho certeza de qual seja. Ainda estou trabalhando nisso.

* * * *


Eu estava na aula de ciências observando uma lasca de unha do dedo indicador, e mais uma vez uma perfeita esmaltada estava arruinada. Comecei a pensar nos números de novo. Eu sei, está se tornando uma obsessão. Mas algo muito estúpido me deixou muito irritada hoje.
O número 8 é meu número da sorte. Sempre foi. Na verdade, é desde os meus 8 anos. Quando eu me tornei a número 8 da lista de chamadas, e ganhei um irmão no dia 8 de agosto. Foi naquele dia que eu tive certeza de que o algarismo do infinito vertical estava em minha vida.
Passei a amar esse fato. E eu não poderia pensar diferente. Tenho 17 anos agora, e por todos esses anos seguidos eu tenho sido a número 8 da lista de chamada! Seria muita coincidência.
É... Foram grandes anos.
Até que aparece esse aluno novo e se torna o número oito. E simplesmente assim, eu tomo um tapa na cara. E todo meu sistema de controle e equilíbrio pessoal vira borracha.
Eu estou estudando o máximo que posso para conseguir passar no vestibular e pensar em coisas importantes, como... Passar na droga do vestibular! Mas por que esse cara esquisito, tosco, metido a besta tinha que entrar na última metade do ano e simplesmente tornar de mim o número NOVE!??? Quem ele pensa que é!? Ele poderia muito bem ir para o fim da fila e me deixar feliz com a minha superstição.

Moro na casa 8, desde que nasci. Meus avós paternos que moram aqui, estão no oitavo andar de um prédio do centro. Enfim. Este número imbecil está me deixando louca! Eu não deveria ter ficado tão preocupada com isso. Vai ver é só mais um grande sinal para que eu realmente me dedicasse a outros assuntos, meu futuro e esse tipo de coisa. É só que isso acabou tirando um pedacinho do meu conforto.

Depois de refletir por 20 longos minutos sobre ter "perdido" meu lugar na chamada, voltei a prestar atenção na aula. Ainda bem.
Senti-me culpada por estar divagando ao invés de fazer anotações, mas quando olhei para as minhas amigas fiquei mais tranquila. Leila estava fazendo uma trança embutida em Rita. E aí as coisas já pareciam mais descomplicadas.
No recreio conversamos muito. A Rita e eu rimos muito com as histórias da Leila.
_Bom, eu estava com medo de que ele não chegasse em mim de novo, mas, depois de três shots de tequila e uns sorrisos, nós ficamos.
_Pera, eu to confusa. Quem era esse mesmo? - olhei para Leila com ar tão engraçado quanto as palavras que saíam de sua boca.
_O Rod!
_Ah! O irmão mais velho do Tomás?
_Não, Dal! O irmão do Tomás se chama Diego. Tô falando do meu primo Rodrigo!
_Quê!?? - entregamos Eu e Rita em uníssono.
_Caramba, Leila. De novo isso? Isso não é legal. - disse Rita, a mais certinha de nós três.
_Poxa gente, o que tem demais? Somos primos de quarto grau! Não sentimos nada um pelo outro. É só uma curtição quando não tem nada melhor pra fazer. - ela terminou a frase sem ter certeza do que dizia.
_Ok ok. Se você diz. - Rita disse para aliviar a tensão existente entre a Leila e seu próprio pensamento.
_Tá, então, chega desse assunto agora. Fala aí Dal, tá bolada com essa história da chamada né? - Leila era assim. Direta e reta, mas Rita também não escondeu sua ansiedade especial nessa pergunta.
_Fiquei chateada, mas deve ser assim mesmo. Chega de ser tão criancinha e apegada à ficção. Sorte não move montanhas. Né?
_Pelo menos ele era um gato! - Rita disse para aliviar a minha tensão dessa vez.
_Caraca Rita! - Leila e eu nos divertimos com aquilo - Que animação é essa? Vai investir no aluno novo é?
_Claro que não, só tava tentando ajudar você a ver o lado bom. Mas que ele é ele é. Não vou mentir.
_Pior que é.
_Pior? Melhor né, Dal! - rimos mais um pouco tentando ignorar o sinal que marcava o início de mais tortura. Aula dupla de química.

* * * *


Mais tarde, a Leila veio em casa para revisarmos as matérias da prova de quinta. E uma coisa horrível aconteceu.

Há umas seis semanas, terminei meu namoro com um menino da minha sala; o Leon. Mas eu ainda gostava muito dele. Terminamos porque ele havia ficado com outra durante os últimos dois meses do nosso namoro. E ele não queria terminar porque para ele aquilo havia sido "só uma bobagem". E disse que aconteceu porque eu andava me importando mais com estudar do que com ele. O que mostra o tipo dele. Eu fui uma idiota em acreditar nele. E muitas vezes me pego pensando em que quase fomos até o fim algumas vezes. Depois de tudo fico muito feliz de nunca ter acontecido. Ele é um babaca mas não posso evitar que ainda sinto coisas por ele. E mais, não posso evitar que ele sinta coisas por ela. Acredito até que continuam juntos, mas não procuro uma confirmação. Finjo que nunca tivemos nada, e tudo fica bem quando estou imersa em qualquer outra ideia.

Namoramos durante um ano e meio. Ele me pediu em namoro, tocando violão na escola. Com aquele cabelo cacheado e os olhos verdes sobre mim. Hoje, se eu soubesse como doeu me apaixonar, eu teria me blindado contra esse tipo de sentimento.
A coisa horrorosa que aconteceu foi a mensagem que eu recebi, hoje. Quando fizemos um ano de namoro, eu achei que estava pronta para o sexo, mas eu estava longe disso. Ainda estou. Alguma coisa em mim não me deixava confiar nele. Alguma voz cochichava para que eu tomasse cuidado. Mesmo assim, no nosso primeiro aniversário, enviei uma foto de sutiã. A foto que ele tanto pedia. E essa provavelmente foi a coisa mais estúpida que eu fiz. Era um sutiã preto, rendado e eu usava um olho puxado com delineador.
Foi essa a foto que um número desconhecido me enviou. Com uma legenda que dizia: aprenda a lição e nunca mais faça algo parecido.
E simplesmente assim, meu mundo desabou devagar. Tudo o que eu sentia pelo Leon foi se transformando, e meu estômago revirava tudo o que eu havia comido no dia anterior. Toda a culpa que eu senti por não ter dado certo havia virado culpa por ter me apaixonado por alguém como ele. Pensei tantas vezes se ele havia desistido de mim porque eu não pude dar o que ele queria tão cedo, que agora eu fico a imaginar que provavelmente não teríamos durado três dias depois de feita a vontade dele.

Meu estudo com a Leila virou uma tarde de choro e xingamentos. Houve momentos em que eu não sabia se odiava quem me mandou a foto ou se agradecia a essa pessoa por me notificar. A Rita também veio me ver mais tarde dar uma força. E dormimos as três juntas, com muita pizza e brigadeiro. E assistimos À Pequena Sereia. Como eu e minha mãe fazíamos quando eu estava triste ou doente. Inclusive, ela deu uma passada no quarto como de costumo e me deu uma longa analisada. Depois disso, sentou-se ao meu lado e segurou a minha mão com uma das suas, enquanto a outra afagava meu cabelo. Ela me olhou nos olhos, ela sabia que eu havia chorado, ela sabia o que significava assistir àquele filme, ela sabia que eu não queria falar sobre aquilo.

Só quero sentir uma coisa quando meu ódio pelo Leon passar, indiferença.

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Música de hoje: Aftertaste (Shawn Mendes)

O Número 8Onde histórias criam vida. Descubra agora