Já é quinta de novo. E Rita ainda não falou comigo.
Estou em casa assistindo a televisão com meu irmão. Não faço ideia do que está passando. Só consigo pensar no inferno que vivi hoje.* * * *
_Leila, o que acha que eles tanto conversam?
Leon estava falando com Tomás e me observava descaradamente.
_Dal, esquece. Ele pode não ter mandado a foto, ainda assim ele te traiu. Você merece coisa melhor.
Concordei muda; e virei os olhos para o caderno.No primeiro recreio, um menino da minha turma chamado Bernardo veio falar comigo.
_Oi. - ele disse. Tirando meus olhos do livro que eu estava lendo.
_Oi. - eu respondi. Voltando a olhar o livro.
_Hmm... - ele fez, e imitei erguendo as sobrancelhas.
_Fala. - continuei, ainda olhando para o livro, com a esperança de que ele desistisse.
_Vamos sair?
_Claro. - respondi sem prestar atenção, mas logo me toquei - Quer dizer, não posso. - Olhei para ele dessa vez.
_Por quê?
_Ah, não sei.
_Vamos. Vai ser legal. Te acho muito bacana, acho muito chato isso que tão fazendo. - Bacana? Eu nem me lembro de conversarmos antes. E ele faz parte do montante que têm me assombrado. Que tipo de brincadeira é essa?
_Olha. Acho melhor não. Sabe... Desculpa. Você parece muito legal, mas não precisamos fazer isso.
_Tá. - Ele me olhou sem chateação. E seguiu para sua carteira. Olhei para o outro lado procurando privacidade para falar comigo mesma, mentalmente. Mas o bofe 8 estava me encarando com ferocidade. Sua boca estava fechada tão tensa que os lábios se comprimiam. Acho que ele não tinha gostado muito de quando ouvi sua conversa íntima.
_Tem algo errado? - Perguntei, o desafiando.
Ele se levantou e foi em direção à porta. Ao passar por mim disse:
_Devia perguntar pra sua amiga.
Estressadinho.
Dei um sorriso falso, mas ele já estava de costas.
Leila entrou na sala enquanto ele saía.
_Hey! Vamos descer?
_Vamos! - Levantei de prontidão.
_Vai comprar lanche?
_Não, mas você precisa ver isso. - Ela disse com um sorriso apavorante.Descemos rápido, porque faltavam apenas 2 minutos para acabar o primeiro intervalo. Chegamos mais perto de onde se encontrava o banheiro feminino do pátio, e então vi.
"Guida Dallas, você é apaixonante. Quero te beijar de novo."
Quando me toquei estava rindo sozinha. Na verdade, rindo com Leila.
Todos ao meu redor me encaravam e eu não conseguia conter meus dentes metidos. Afinal, eles haviam gostado de enfrentar os murmúrios.
_Como ele entrou aqui? - perguntei para Leila, voltando a observar o escrito na parede.
_Como assim?
_Uai Leila! O Gustavo não estuda aqui.
_Ah tá. - Disse Leila batendo com o punho na cabeça. - Der. - ela "riu".
Inclinei minha cabeça, apoiando o queixo na palma da mão. Devaneei ao olhar o chão, mas fui cortada pela imagem de Leon.
_Guida.
_Ah, oi Leon.
Ele olhou para a parede grafitada.
_Legal. - Disse apontando com o indicador e colocando as mãos no bolso da jaqueta. Olhei desconfiada.
_É.
_Eu sei que foi o JP que te beijou a força.
_Ah, nem me lembra.
_Sinto muito pela foto...
_Leon... - tentei cortá-lo. Não era hora.
_Sei que você confiou em mim, mas eu não estava mais 100% no nosso relacionamento. E...
_Deixa pra lá, Leon...
_Se eu tivesse lembrado da foto antes eu com certeza teria apagado. - Conforme ele falava, meu coração ficava mais craquelado, só esperando uns estalo que o fizesse esfarelar.
Ele ainda estava falando, quando voltei para o mundo real, para seus olhos verdes.
_Desculpa mesmo. Mas, podemos tentar ser amigos pelo menos.
Sorri involuntariamente, mas sem sinceridade suficiente.
_O que a Isadora acha disso? - perguntei.
_Bom, não sei se você sabe. Depois da confusão, quase terminamos. Mas estamos bem. Ela sabe que só penso nela.
Parabéns, Leon. Ou você é muito sem noção, ou, é mesmo um completo idiota como o JP e o Matheus.
Meus olhos marejaram e eu escapei dali. E de todos os olhares que por frações de segundo me seguiram.
_Dal!!! - Leila gritou atrás de mim.* * * *
_Dal?? Dal! - eu havia corrido para o outro banheiro, que ficava no nosso andar. aAlguém batia na porta.
_O que foi? - eu disse através da cabine que continuava trancada.
_Sai daí, Dal. Vamos conversar. - fui parando de chorar, enquanto a menina trancava a porta principal. E assim que meus soluços diminuíram pude ouvir a voz melhor.
_Vem cá, já tranquei a porta do banheiro.
Abri a porta da cabine. Encontrei Leila com os braços em sessenta graus.
_O que foi amiga? - comecei a chorar novamente.
_Ele disse, Leila. Disse na minha cara que não gostava mais de mim.
_Puts, que burro! Olha, não fica assim. Pelo menos agora você desencana de vez. Vai ser melhor, Dal. Você precisa de alguém que te respeite pra valer. E essa pessoa não é o Leon.
_Não é mesmo né? - eu pronunciava engasgada.
_Não. - ela respondeu firme.
De repente alguém bateu na porta e nas janelas do banheiro. Todas davam para o mesmo corredor. Pude escutar uma voz de zombaria. Duas. Uma defesa e um estampido. Três.
_Dallas! Não chora!!! Você não gostou do que eu fiz pra você!?!?? Linda! Gostosa!
_Para João Pedro! JÁ DEU! Cara, você é um babaca. Arruma outra pessoa pra encher o saco!
_Iiiiiiih, resolveu bancar o namoradinho?? Olhem pra mim, faço grafites pra esquecer dos meus problemas, pobre de mim, ai de mim.
_Prefiro que fique caçoando de mim do que dela. Seu idiota!
_Ah, não enche o saco. Você acha que só porque vocês ficaram que ela vai querer dar pra você? - Leila e eu nos entreolhamos. Eu estava imaginado o dono da voz. Mas não obtive uma resposta, senão o nome.
Então, veio o estampido.
E eu disse a mim mesma:
_Gustavo?!
Leila tentou me segurar, enquanto eu destrancava a porta do banheiro e saía. Mas não deu tempo.
Quando saí me deparei com a reação de JP. O outro garoto caiu no chão. No entanto, não puder vê-lo. No lugar vi o vulto de Rita vindo até mim.* * * *
Quando eu tinha 11 anos. Fui atropelada por um ciclista. O que pode parecer uma bobeira, mero descuido. Mas, no fim, bati a cabeça e desmaiei. Me levaram ao hospital, onde fiquei em observação até recuperar a minha consciência. Quando acordei meus pés estavam gelados e havia três pontos na minha têmpora. As vozes pareciam estar muito longe e meus olhos demoravam a focar. Quando pisquei algumas vezes, notei que minha mãe percebera que eu estava acordando e ela pegou em minha mão. Distante ela dizia:
_Filha, você está bem?Acordei na sala dos professores, deitada em um sofá. Não temos enfermaria. Minha mãe não estava lá. A voz que veio era de Rita.
_Guida, você está bem?
Permaneci calada, movimentando os lábios que tanto almejavam falar. Assim que tive mais força me ergui e a abracei forte.
Começamos a chorar.
Por mais confusa que eu estivesse. No fundo eu sabia que o fim daquela festa era artificial demais. Não precisei de mais noites chorando para decifrar esse enigma. Agora, eu tinha minha amiga de volta. E o resto era um detalhe.
_Desculpa, Dal!
_Desculpa, também. - seja qual for o motivo, não importa.
Antes que Rita pudesse responder, Leila apareceu cantarolando por estarmos abraçadas. E logo se juntou a nossa sinfonia de lágrimas e coriza.
_Dal, eu sei que não foi sua culpa. Eu fui horrível por ter feito o que fiz. E não fica brava com a Leila. Fiz da vida dela um portal pro submundo. Ela queria ter te contado desde o primeiro momento.
_Isso é verdade. Foram as piores duas semanas da minha vida.
Nós três começamos a rir com o comentário. E tudo ficou mais leve. Quando nos soltamos, percebi que não tinha mais ninguém ali. E fiquei enormemente aliviada.
Ficamos conversando um pouco. Pensando em todos os outros infinitos assuntos que dividimos. Nenhum deles vinculados ao circo de horrores que as coisas em geral têm sido.
Um pouco depois, Leila perguntou:
_O que vai fazer agora?
Olhei para Rita esperando ela responder. Ela também me olhava.
_Dal? - Leila insistiu.
_Ah, é comigo??
_Sim, der!
_Como assim agora?
_O que vai fazer em relação ao Gregório. - Rita explicou um pouco decepcionada.
_Gregório? Não estou entendendo. - minhas amigas se entreolharam.
_Amiga? Você bateu muito forte com a cabeça??! - Leila disse colocando uma mão na minha nuca e a outra na minha testa. - Febre não é!
_Não! Mas esse papo de louco fez a dor de cabeça voltar. - eu disse, cruzando os braços.
_Dal. - Rita disse calma.
Olhei com atenção.
_Nunca teve nenhum Gustavo na festa. Primeiro eu descobri que o Gustavo que estudou com a gente é gay. E ele tá morando em outra cidade...
_Tá. - Confirmei com meu raciocínio tumultuado.
_Você beijou o Gregório.
_Que Gregório?!? - Leila me olhou sem paciência. E descarregou o final dela com um suspiro forte.
_Aaaaaah. Dal, não seja boba, por favor. Tava difícil não falar sobre isso. Só presta atenção nela.
_Ok - Concordei - Fala de novo.
Leila revirou os olhos, e Rita repetiu. Cada vez menos triste.
_O menino que você beijou, que achou que fosse o Gustavo, era o Gregório. - olhei incrédula - Dal, você beijou o bofe 8...
_E foi ele que levou a gente pra sua casa. - Leila completou.
_Não foi o seu Zé?
_Não. E ele sabia onde você morava... - Rita subiu o lábio inferior fazendo um barulho engraçado. De repente as coisas finalmente faziam sentido. Elas me olhavam.
_Como? - Leila perguntou.
_O quê?
_Como ele sabia onde você morava?
_Ele não falou nada pra você? - comecei a pensar nas possibilidades.
_Não, ele só disse que sabia e ponto.
Pensei mais um pouco.
_Ah...
_E ai? - Rita perguntou curiosa.
_Quando saí com o Matheus - Leila fez gesto de vômito, as três riram - encontrei ele quando voltava a pé e ele resolveu me acompanhar até em casa, em silêncio.
_Ok, agora estou reconsiderando ter te perdoado. Por que não falou nada?
_Olha, eu estava tão anestesiada com a história do Matheus - Leila fez de novo, rimos de novo - Que me esqueci de contar, e no fundo não achei que fosse importante.
_Tudo bem. - Rita disse, ainda um pouco brava, mas depois suspirou e sorriu.Lembra quando eu disse que todo pequeno acontecimento do dia a dia é importante? E que todo pequeno número soma nossa história? Ainda assim, pensei que: "o resto é um pequeno detalhe". Por que importaria? Tenho Rita de volta. Aqui vai a prova de que não devemos ignorar os detalhes. Ninguém se cobre com uma colcha de retalhos se eles não estiverem ligados. Mais tarde, meu pequeno detalhe do sábado veio falar comigo.
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O Número 8
Teen FictionEssa é uma história de amor que pode se parecer com a sua. Guida Dallas é uma menina comum. Tem uma família que ama, amigas que ama e uma vida da qual não se pode reclamar. Dal sabe que os números estão presentes em sua vida, seu número da sorte em...