Muitas vezes não sabemos o que é certo. Não é como não se lembrar de uma fórmula de matemática ou como funciona o organismo de um artrópode. São aquelas informações que precisamos coletar para concluir a nossa própria opinião sobre algo. De qualquer jeito, ela pode não ser a verdade universal. Coisa muito rara. Ainda, é muito importante.
Hoje, me levantei assim.
Acordei as quatro da tarde com uma terrível enxaqueca. Meus pais haviam saído com o meu irmão e deixado um bilhete:
"Fomos ao clube com os seus avós, só voltaremos à noite. Não se preocupe, a Leila me avisou que você estava com febre e que voltaram mais cedo. Ela já foi embora e pediu para você ligar pra ela. Deixamos você descansar, mas só dessa vez. E tem comida na geladeira! Qualquer coisa me liga. Já já estamos aí. Beijos, te amo. Mamãe."
Apesar de ter me sentido mal por mentir, fiquei aliviada pela mentira montada. Liguei para a Leila imediatamente. E ela atendeu como se, fiel ao bilhete, estivesse esperando.
_Alô?
_Leila?
_Oi Dal... - ela parecia em dúvida.
Hesitei antes de responder. Eu estava envergonhada. E ficar tentando lembrar do que aconteceu só aumentara a minha dor de cabeça.
_O que aconteceu ontem? - perguntei; ela ficou um tempo em silêncio.
_Você não se lembra de nada??
_De algumas coisas... - ficamos quietas - você pode vir aqui?
_Ok... Estou indo.
Abri o Whats para verificar se tinha alguma mensagem.
Nada, com exceção dos grupos de família.
Abri a conversa com Rita. Ela estava online, mas não mandara coisa alguma.
17:43
Oiii, e ai?? - Guida D.
Visualizada.
Rita não me respondeu. Insisti.
17:44
Respondeeee lelelele - Guida D.
Ela não estava mais online.
E até agora não falou comigo. O que será que aconteceu?* * * *
_Dal, primeiro você tem que ter paciência. Não vai ser nada fácil contar tudo... - eu assenti ansiosa - Mas você precisa saber. Espero não esquecer nada.
Eu estava com tanto medo quanto ela. Eu tinha medo do que eu poderia ter feito. Do que poderia ter acontecido. Como pude deixar uma noite como essas virar um borrão? Como eu pude deixar que ela virasse "uma noite como essas"?
Claro que se eu não tivesse bebido tanto, a noite seria bem diferente. Porém, mais do que tudo isso, uma coisa me incomodava profundamente. E essa era bem mais importante.
_Cadê a Rita?
Leila me olhou e soltou um leve suspiro. Acho que estava contando até dez.
_Dal, é melhor eu contar logo. Vai ser mais fácil. E... Bom. Foi ela quem me contou a maioria das coisas. Você sabe, ela que esteve com você... - olhei para ela extremamente chateada. Parecia uma brincadeira de mal gosto, em que eu ainda não sabia se era quem estava sendo enganada, ou, quem estava pregando a peça.
Concordei com a cabeça. Procurando focar nas palavras que viriam a seguir.
E essa foi a mais louca anamnese.
_Ok. Vamos lá. Hmm... - Leila escaneava as informações olhando para cima.
_Ok! Bom, você se lembra de quando chegamos, de quando conversamos com o pessoal e... Do Leon com a Isadora... - fiz que sim com um sorriso impotente.
_E de... Eu ficar com o Diego. - ela continuou confirmando. Agora, em especial, contente e saudosa - Depois me aprofundo nesse assunto. - Sorriu novamente.
_É, na verdade. Sei de outras coisas, eu acho. Isso é o que tenho 100% de certeza.
_Tá... A Rita falou que você bebeu uns sete copos de Bacardi com Sprite.
_Mais um? - eu perguntei, batendo na testa.
_Que?
_Eu achei que tivesse sido seis no máximo.
_Foi por aí... Continuando.
_Ela disse que vocês estavam conversando com as meninas de novo, quando esbarraram no Leon.
_Tem certeza? - como não me lembro?
_Foi o que ela disse, mas sim... Bom. Ele te disse Oi, e você...
_O que eu falei?!?
_Você falou algumas verdades. - coloquei a mão na testa de novo e pedi para que ela prosseguisse.
_Você estava brava com ele por causa da foto. E disse que se arrependia pelo dia em que se apaixonou por ele.
Eu usei mesmo a palavra apaixonar?
_Sem choro pelo leite derramado, amiga. - ela protestou olhando minha cara de vergonha alheia.
_Ok, vai falando. - eu disse sem ter certeza.
_Ele pediu desculpa por ter te traído com a Isadora, mas ele estava gostando muito dela e não sabia como terminar com você sem te magoar. - Fiquei triste com a notícia. Ainda que a traição doa mais do que o fato de ele não gostar de mim.
_Ele terminou? - fiquei pensando no que eu achava ter escutado depois e perguntei, antecipando a história.
Leila me consolou com o olhar e segurou minha mão.
_Não, Dal... Mas, a gente vai chegar lá.
_Você ficou falando o tempo todo sobre o seu mindinho. A Rita riu muito disso. Você falava do seu mindinho para os desconhecidos e gritou com um cara muito lindo que fez carinho nele.
_Quê??? - eu disse rindo. Senti-me culpada por achar engraçado. Mas era inevitável. Ri como se fosse outra pessoa. - Eu lembro do dedinho... Achei que tivesse falado dele só pra Rita.
_É. Pelo visto não... - ela disse rindo.
_Depois, parece que você deitou no...
_Tapete - dissemos juntas, e comecei a rir incrédula. Leila também ria.
_Calma... Acho que isso foi depois. - ela ficou um tempo encarando a cadeira - é, foi. Antes vocês foram dançar, e... O Tomás chegou na Rita.
_QUÊ???? É SÉRIO??! - Gritei mais para mim mesma do que para Leila. - Como não vi??!!
_Séeeeeerioooo! - Ela disse tão feliz quanto eu. - Na hora você saiu correndo e deu um abraço na Jeni.
_Lembrava de algo do tipo... Mas o Tomás afim da Rita? Não consigo acreditar.
_Como não?? Ah, Dal! Tava na cara que ele gosta dela. Eu já te disse isso um milhão de vezes!
_Disse é?
_Aham! - ela fingiu estar ofendida.
_Ok! - fez uma cara monstruosamente brava e riu - Depois... - ela hesitou.
_O quê?? Leila, desembucha!
_O JP te beijou...
_QUÊ???? - meu deus eu sou um ser humano horrível.
O JP é o melhor amigo de Leon. Era.
_Você confundiu ele com o Gustavo da quinta série... A Rita ficou muito brava com ele, não só pelo beijo, mas, ele puxou sua blusa e olhou para dentro dizendo "ainda melhor que na foto". A Rita realmente quis matá-lo. Canalha! - Leila finalizou olhando para o alto e negando com a cabeça. Eu estava tentando absorver tudo, e fiquei imaginando se Leon havia visto alguma coisa. Por um tempo, à medida que Leila amadurecia as informações, meu pensamento oscilava entre a reação de Leon e o beijo bêbado e nojento.
_E o Leon?
_Calmaaa, Dal. - ela disse - Vou chegar lá. - fiz que sim impaciente.
_Aí, você... Vomitou...
_Ah, não!! Não acredito que dei pt. - Leila assentiu, reforçando. - Que saco! - coloquei a mão na cabeça como se aquilo pudesse conter os sintomas persistentes da ressaca. - E quem viu?
_Isso eu não sei.
_Ah tudo bem. Já não importa mesmo. Continua. - Importa demais. Infelizmente, só vou descobrir a partir de segunda.
_Ei! Você também atrapalhou a minha ficada. - ela disse gargalhando dessa vez.
_Eu lembro... Desculpa mil vezes amiga! A intenção não era essa... Pelo menos, não quando eu tava bem.
_Relaxa! Já fazia duas horas que estávamos juntos. E ele falou que nunca te viu tão solta. Ele riu muito. Mas pediu para a Rita ajudar a gente.
_Foi maaal! Que vergonha!
_Desencana, Dal! Vamos lá. Bom... - ela ficou um bom tempo encarando o chão e só despertou quando estalei o dedo em sua frente. - Opa!
_Tava sonhando amiga?
_Sim. - Ela disse com um falso sorriso. E cruzou as pernas se ajeitando na cadeira. - Tá. Depois de mais uns dez minutos, depois de te ver na verdade, resolvi sair atrás de vocês. Pra ter certeza de que estava tudo bem.
_Desculpa por preocupar você.
_Para de se desculpar! Sério! Se não vou começar a te ignorar e não conto mais.
_OK MÃE. - eu disse fingindo ser uma criança mal criada.
_Desse pedaço da história eu sei.
_Graças a Deus! CONTA! Vaaai! - Eu puxei seu braço compulsivamente; os dentes arqueados de brincadeira.
_Eu encontrei a Rita, mas ela não estava com você. Ela estava te procurando. E tinha pedido ajuda pro Tomás pra ver se te achava.
_Eu perguntei para ela quando foi a última vez que ela tinha te visto. Mas foi uma pergunta inútil. Quando olhamos para o lado te encontramos na cozinha, bebendo água de um vaso de planta.
_O QUÊ?? Meu Deus! Vocês tiraram aquilo de mim né?
_Claaaaro né der! A Rita saiu correndo atrás de você, rindo muito, e também aliviada.
_Nossa! Que noite abobada!
_MUITOOO! E você ainda ficava falando: "aí, devolvie vain, vaaaaain! Me devoltsv minha smirrrnofffz. - Ela fazia uma imitação exagerada de mim.
_Me fala que eu não estava tão louca!
_Dal... Devoltsv minha smirnofz! - começamos a gargalhar novamente.
_Alguém viu isso além de você duas?
_Bom, como eu disse o Tomás estava lá. - Ela olhou para mim arrependida do que falou, porque eu havia socado a almofada na cara. E tentava consertar a situação. - Relaaaaxa! Estava entre amigos.
_Ah!!! E foi aí que você caiu no tapete. Tínhamos acabado de sair da cozinha, quando isso aconteceu. E foi muito legal porque o Tomás te tirou dali e te colocou sentada num sofá. Trazendo água potável e um chocolate caro da mãe dele para você melhorar. - Ênfase na palavra potável.
_Nossa!!! Que fofuxo! A Rita bem que podia dar uma chance pra ele.
_Também, acho!
_Aí, Dal, demos uma, só uma descuidadinha e você não estava mais lá.
_Tá? Mas onde eu estava então?
_Bom, um pouco tempo depois, quando finalmente te enxergamos no meio daquela multidão, você estava conversando com o Gustavo. E a Rita foi correndo lá falar com vocês. Ela disse: "Pode deixar!" E eu fiquei conversando com o Tomás e com o Diego que apareceu em seguida. Quando olhei de volta, vocês estavam se beijando e a Rita me olhou desacorçoada.
_Leila, mas vocês me tiraram de lá depois certo? Porque lembro de deitar no seu colo e ouvir a Rita conversando com uma voz que sofria muita mitose.
Ela riu.
_Nossa, que viagem! - Ela comentou sobre a "Péssima comparação."
_É, fui correndo até lá, e puxei seu braço para trás. A Rita nos acompanhou até os pufes da sala e lá sentamos. Aí vieram as meninas e contaram uma coisa meio importante...
_Pera, a Lívia e a Jenifer né??
_E a Ju.
_Beleza. Fala.
_E elas contaram que o Leon viu você ficando com o JP.
_Ficando não né! Aquele beijo que eu nem lembro. Eca!
_É, mas ele viu. E foi tirar satisfações com o JP. Parece que eles brigaram muito feio. E o JP soltou algumas coisas um pouco fortes sobre as merdas que ele anda fazendo.
Me peguei olhando para o nada, e encarei Leila de volta, que me olhava a esperar minha atenção. Seus olhos estavam prontos para me observar à medida que ela dissesse algo ainda mais deprimente.
_E, Dal. Foi ele que espalhou sua foto de sutiã. Ele pegou ela do computador do Leon. Na verdade, ela nem estava mais no celular dele.
_Quê?!?! Que cara ridículo! Nossa! FILHO DA, ARGH!!!
_Pode falar Dal.
_Não, a mãe dele não merece. Meu deus! QUE RAIVA! Ele é muito muito muito babaca. E eu estava achando que o Leon era a pior pessoa do mundo.
_Só não se deixe enganar, amiga. O Leon fez o que fez também. Mesmo o JP sendo infinitamente um filho da PUTA. - Ela corrigiu meu "erro" reforçando a troca.
Dentro de mim, eu ainda estava quebrando vasos, pratos e todo aquele cenário impecável que usam na tv. No entanto Leila prosseguiu.
_E depois, quando eles começaram a se pegar no tapa, a Isadora veio ajudar a apartar a briga, mas ela ficou muito incomodada com o namorado te defendendo...
_Como assim?
_A Ju disse que a cada soco dado, ele falava pro JP te pedir desculpas. E a Isadora saiu correndo chorando. Logo em seguida levaram os meninos pra dois cantos diferentes e assim que falaram que a Isadora tinha ido embora da festa, ele foi atrás.
Levantei os olhos do chão em direção à minha amiga.
_Ele gosta mesmo dela, Dal.
Deixei uma lágrima escorrer. Mas foi uma filha única. Segurei as outras, evitando um choro que durasse semanas.
_Não vale a pena! Não chora por ele! NUNCA MAIS. - Leila me abraçou e afagou meu coro cabeludo. - Vai aparecer alguém que te ama, prometo.
Sorri e a abracei de novo.
_Você começou a chorar quando as meninas contaram a história. Achei que fosse por causa dela em si, mas logo percebi que você não estava entendo muito. E aí você se entregou quando começou a falar sobre o Leon, mas num contexto totalmente diferente.
Deitei no pé da cama para poder ver melhor o branco do teto.
_Onde estávamos quando isso aconteceu?
_Aparentemente, foi quando você sumiu e te encontramos tomando água do vaso.
_Hm. - Eu ainda desvendava o teto.
_Nos descuidamos de novo. - ela pausou, esperando uma interação que não ganhou.
_E quando percebi você estava tomando cerveja, diretamente do JP.
_Meu deus, devo ser mesmo muito burra.
_Você achou que fosse o Gustavo amiga.
_De novo?
_Pois é. De qualquer jeito. Isso foi muito bom.
Levantei as costas do colchão.
_Bom, Leila?!!? Tá louca??
_É que você vomitou de novo com a cerveja...
_Piorou!
_No JP. - Ela disse realizada.
_Isso é sério?!
_Claro né! - sorri levemente mais entusiasmada. - E vocês foram até mim?
_Eu fui te tirar de lá correndo. E ri muito do JP.
_O que ele disse?
_Te chamou de... Vadia, - me contou franzindo a testa - dei um soco nele.
_Você o quê? - Ela começou a rir.
_Agora entendi os sorriso contidos! Hahahahahah! - Por um momento esqueci de tudo e curti o momento da minha pequena vingança.
_E a Rita?
_Ah... Ela estava com as meninas, lembra? A alguns passos de nós.
_Ela não veio aqui com você?
_Não, a mãe dela ligou e ela teve que ir direto pra casa dela.
_Você sabe se aconteceu alguma coisa?
Leila me olhou constrangida.
_Como assim?
_Acho que ela está me ignorando...
_Ah, não... Deve ser coisa da sua cabeça, Dal.
_Pode ser.
Leila sorriu calma.
_Tá. Mas e aí? Como chegamos aqui!!?? - perguntei para descontrair.
_Ah, nossa! Verdade!
_Te colocamos sentada de novo e você dormiu.
_Puts.
_Sim. E ninguém conseguiu te acordar. Aí, eu decidi que era melhor te trazer aqui.
_Seu Zé?
_Ahn?
_Viemos de táxi?
_Ah... - ela pensou - é. Viemos com o seu Zé.
_Que vergonha! - ela fingiu sorrir, de novo. - Será que ele vai falar pros meus pais?
_Ah, não! Ele nem percebeu que você estava mal. É... Melhor nem comentar sobre isso com ele.
_Ok. Não sei como, mas vou fingir que nada aconteceu.
_Isso.* * * *
Leila e eu assistimos a um filme de comédia. Era tudo que eu precisava! E para minha sorte o remédio para dor de cabeça surtiu efeito.
Leila lembrou que não havia me falado muito sobre seu romance. E começou a contar. Eu escutei grande parte, mas não podia evitar minha mente de devanear de todo o resto da noite.
_Dal, ele é sensacional!
_Nossa, e ele pegou meu número! Espero que ele mande algo logo.Meus pais chegaram antes do previsto. O que me deixou mais tranquila e tudo pareceu aconchegante de novo.
Pelo resto do dia pude me sentir realocada. E esqueci brevemente do que viria a ser uma lembrança. A Leila ficou conosco durante o jantar. E eu continuava incrivelmente faminta. Meu pai repetiu várias vezes:
_Nossa, Guida! Se eu soubesse que você ia comer toda a comida eu teria caçado um javali só pra você!
_Não acredito que esqueci de trazer seu javali, filha.
E toda vez que falávamos sobre a Rita, principalmente meu irmão bobo, Leila fechava o rosto em chateação.
Será que elas estão brigadas? Porque sinceramente isto está muito esquisito. Não me recordo de momento algum em que isso possa ter acontecido.
E alguma delas teria me contado. Imagino.
Não deve ser nada demais.
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O Número 8
Teen FictionEssa é uma história de amor que pode se parecer com a sua. Guida Dallas é uma menina comum. Tem uma família que ama, amigas que ama e uma vida da qual não se pode reclamar. Dal sabe que os números estão presentes em sua vida, seu número da sorte em...