Voltei ao mundo real, pela segunda vez, dessa vez eram os olhos claros de Rita que me fitavam.
_Desculpa. - eu disse, desapontada comigo mesma. - Eu nunca faria você sofrer. Se quiser pode me bater. Bem aqui - disse apontando meu maxilar. Ela riu.
_Dal, tá tudo bem. Já te castiguei sem querer tentando superar a desilusão amorosa e...
_Claro que não! Ainda dá tempo. Você pode conquistá-lo. - Interrompi-a e ela se levantou.
_Dal, shiu. - Leila me aconselhou de um jeito brincalhão e sincero. - Não piora as coisas.
_Olha, sei que não foi legal da sua parte. Mas sei que você nem sabia o que estava fazendo. E... Eu, eu consegui entender isso nessas duas semanas. E... Ao que tudo indica, ele gosta de você. Pra valer. - ela andava de um lado para o outro ao falar.
_Quê?! - que absurdo... - Rita, você tá ouvindo o que você tá falando? Eu mal o conheço!
_Ahnn... SIM! - ela se sentou de volta, agora ao meu lado e no chão.
Olhei para ela desconfiada e depois contemplei a parede à minha esquerda, pensando no quanto a novidade afetaria a minha vida.
_Rita. - chamei.
_Faaaala.
_Me perdoa? - lateralizei um sorriso. E comecei a chorar.
_Aaah meu deus! Vem aqui! - nos abraçamos e Leila se uniu a nós. Por frações de segundo, estava tudo no lugar. E eu lembrei como amava aquelas duas malucas.
Foi, então, que alguém bateu na porta. Sem pressa e sem medo. E ela se abriu a seguir.
_Oi. - Gregório disse.
Olhei para Rita, e ela sorriu em aprovação. Leila se levantou e puxou a outra pelo braço.
_Vem Rita. - ela disse "baixo".
As duas saíram apressadas da sala, entre risos e olhadas para trás. E eu não conseguia me concentrar no menino que estava se aproximando, mas no sorriso de Rita que dizia: Eu não gosto mais dele!
Será mesmo que está tudo bem?
_Oi - ele repetiu e se sentou onde antes estivera Leila.
_Oi - respondi.
Ele olhou rapidamente em meus olhos, depois em minha boca por alguns segundos. O que me fez correr as pupilas para o chão e corar.
Em resposta, ele soltou um suspiro entre os dentes que sorriram.
_Não sabia que você estava aqui.
_É. Já que não temos enfermaria...
_Ah, desculpa por, bom, tudo.
_Relaxa, pelo que sei fui eu quem te beijou. - subi o rosto para os olhos deles. Pela primeira vez, o enxerguei de verdade. E não pude deixar de notar o roxo embaixo do seu olho esquerdo e o inchaço nas pálpebras que só crescia.
_Sinto muito pelo seu olho.
_Tudo bem. O dele tá pior. - Dele? Ah, JP.
_Mereceu... - eu disse, e ele franziu o cenho ligeiramente. - Ah, não você. Eu tava falando do JP.
_Eu sei - ele disse sorrindo.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Minutos que pareceram horas.
Aproveitei-os para descobri o menino por trás do grafite. Estudei seus movimentos peitorais e o som da respiração. Estudei seu cabelo liso e ao mesmo tempo cheio de nós. Estudei suas mãos que se abraçavam em nervosismo e os pés que auxiliavam uma marcha estagnada. E estudei seus olhos que me estudavam o corpo todo.
_Obrigada. - eu disse, quebrando os "estudos".
_Pelo quê? - ele voltara a me invadir com uma troca de olhares que desviei para outra direção.
_Pelo grafite.
Ele sorriu e suas bochechas ficaram rosadas na mesma hora. Voltei a encara-lo.
Fofo.
Era bom olhar para ele. Eu não pude evitar.
_Não há de que. - ele segurou minhas mãos e meu coração começou a bater acelerado. Chegamos mais perto um do outro e eu pude ouvir sua respiração se intensificando. Não havia nada que me impedisse de beijá-lo de novo. Dessa vez, consciente de quem ele era. Mas lembrei de Rita, e de tudo que ela significa para mim.
Levantei meu ombro para ajudar as minhas mãos a escapar. Não tive trabalho. Ele fechou os olhos e recuou com as costas, sem olhar para mim.
_Acho melhor não. - expliquei.
_Hm. Tudo bem.
Voltamos ao silêncio. Mas não possuíamos mais o contato. Não possuíamos mais aquele nervosismo de momentos atrás. Tudo que tínhamos era nada. Nem mesmo voz. Pelo menos, era o que eu achava.
_Você desenha bem. - ele disse.
_Quê?
_Os desenhos no seu quarto.
_Você entrou no meu quarto?!??
_Ah, não, é - Gregório ficou confuso e contorceu os lábios ao fechar os olhos. A expressão era tão esclarecedora que eu quase podia apanhar seu pensamento. Ele havia falado besteira. E eu comecei a rir pelo meu palpite, fazendo os olhos dele voltarem a seguir meu rosto.
_Do que está rindo?
_Desculpa, - coloquei a mão na boca. Uma delas. As duas.
_Para com isso. - ele disse puxando meu antebraço, podendo ver meu sorriso exaltado. E mais uma vez me deixando sem reação.
Parei de rir. Mas ele não parou seja lá o que estava fazendo.
Gregório começou a se aproximar e cada vez mais. Na sua mão direita, meu antebraço esquerdo. Na sua mão esquerda, o ar. O meu ar.
Fechei os olhos, e fingi que tudo aquilo era um sonho esquisito. Esqueci de tudo e de todos. Esqueci quem eu era e onde estava. A única coisa que me deixei lúcida para era ele. Dessa vez, eu precisava saber quem era o dono dos lábios que vinham sutis. E seu nome estava na ponta da língua, literalmente. Gregório me beijou. Com uma mão no meu antebraço e a outra na minha nuca.
Não havia palavras, mas estávamos conversando pra valer.
Quando paramos para respirar, eu disse:
_Não são meus os desenhos - ele me deu um selinho - são da minha mãe - outro - ela é arquiteta.
Ele voltou a me beijar e com mais intensidade, impulsionando meu corpo contra o dele. Com as mãos nas minhas cintura e perna. E minhas mãos nos seus queixo e abdômen. Estávamos ainda mais perto.
De repente a porta se abriu. E nos afastamos rapidamente. A pessoa que abrira a porta conversava com alguém do lado de fora e não vira nada do que estávamos fazendo. Ele olhou para mim tenso e eu olhei para ele dizendo.
_Obrigada por me deixar em casa.
Ele sorriu e deixou a tensão escapar.A coordenador do nosso setor entrou e chamou por ele, que ficou de pé.
_Greg? - a medida que a mulher saía, seu pai entrou.
Era um homem ao redor dos 50, muito bem vestido. Em seu rosto havia preocupação e no cabelo grisalho, eu logo pude notar, havia muita história.
_Oi, pai.
Pai e filho se abraçaram. O filho era ligeiramente mais alto. Mas ambos muito bonitos e extremamente semelhantes.
A coordenadora voltou para falar com Gregório.
_Gregório, já conversamos com seu pai. Infelizmente, teremos que te suspender por duas semanas. Sabemos que é um bom menino, mas o que você fez não é certo.
_Quê!? - eu me intrometi, agora de pé como os outros três.
_Ahn, Guida. Você melhorou? - Olívia me perguntara.
_Claro. Mas, por que duas semanas? Isso é loucura.
_Guida, tudo bem. Eu recupero. - Gregório disse tentando cortar o assunto.
Lembrei da briga entre ele e JP, quando eu chorava no banheiro. E, agora, sem dor de cabeça, lembrei de como ele me defendia. O mínimo que eu poderia fazer era o mesmo.
_Olívia, fala sério. Pelo menos, o João Pedro vai ser suspenso também?
Gregório olhou para baixo, torcendo para que ela me ignorasse. Na hora, eu me senti por fora do que acontecia. De novo.
_Não, Guida. - Gregório pareceu irritado. No entanto, não era com Olívia, nem com JP, era comigo. E eu o ignorei.
_Mas, Olívia. Isso é injusto! O JP também...
_Guida - Ele me cortou. E eu o ignorei.
_O JP também bateu nele.
_Guida, para. - E eu o ignorei.
_Você não acha que deveriam receber o mesmo tratamento?
Olívia riu incrédula.
Abusada.
Gregório me olhou irritado.
Espera, ele não está bravo. Ele está com vergonha.
_Guida, - Olívia começou - ele não está sendo suspenso pela briga. Já conversamos com os dois a respeito dela. E farão trabalhos voluntários. Juntos. - olhei para o menino calado, que de mim mirou seu tênis. Acho que ele não estava gostando muito da ideia de passar tardes com o JP. E muito menos gostava do que a Olívia ia revelar. - Na verdade, ele está suspenso por ter puxado o muro da escola. Isso é vandalismo. E é muito sério.
_Quê? - recorri a ele, que não me respondeu.
O-ou. Acho que eu fiz isso.
Puxei sei braço nos encaminhando para o corredor. Ele veio comigo sem relutar, mas agora verdadeiramente muito irritado.
_Olha, eu preciso falar com seu filho.
_Eu espero.
Olívia me ajudou, convidando o pai para um café ali na sala dos professores. Mas antes de nos deixar sair, me avisou:
_Guida, você está liberada por hoje. Já avisamos sua mãe._Gregório, por que não falou nada?
_Não achei certo.
_Você tá brincando?!? Está suspenso por causa de uma droga de grafite que fez pra mim.
_Então, agora acha é uma droga?
_Não disse isso... Quero dizer que a culpa é minha!!
Ele estava mais irritado.
_Se eu soubesse que você era tão intrometida teria tido essa conversa bem longe de você!
Ele bateu com a lateral do punho na parede oposta do corredor e colocou as mãos no cabelo, com os olhos fechados. Deixei que ele recuperasse a sanidade e dei o espaço que ele me deu por duas semanas.
_Me desculpa por ter te beijado. - eu disse. Ele me desafiou.
_Fui eu que fiz o grafite. Fui eu que briguei com o JP. Fui eu que gostei de você. Fui eu que te beijei. Não precisa pedir desculpas.
_Pelo beijo do churrasco. - o corrigi - Sem ele não estaríamos aqui. E você não estaria suspenso. E não teria que passar um tempo extra com o JP.
Ele voltou com seu rosto a um palmo do meu.
_Guida, para com esse drama. Escuta. - ele se apoiou na parede atrás de mim com o braço direito. - se você não tivesse me confundido com esse tal de Gustavo, eu ainda gostaria de você. Mas não teríamos isso. - e me beijou. De um jeito puro e que me fez derreter, por dentro e por fora. Empurrei-o pelo ombro.
_Guardou tudo isso nesses 15 dias?
_Guardo tudo isso desde que vi você.
Acho que estou apaixonada.
Agarrei o colarinho da sua camiseta e o beijei com toda aquela paixão que eu estava descobrindo. Quem era Matheus? Quem era Gustavo? Quem era Leon???
Quem era...?
Rita.
Recuei do beijo e olhei para ele em negação ao próximo.
_O que foi?
_Desculpa, mas tem uma pessoa que não merece isso.
_Para de ser dramática, Guida. Do que você tá falando agora?
_Nada. Só preciso falar com alguém. - dei um último selinho e saí andando pelo corredor, em direção ao pátio. Atrás de mim, um menino plantado, guardando os melhores beijos que eu havia beijado. Olhei para trás e ele gritou.
_Eu deixo você com esse seu drama esquisito. Mas só se prometer uma coisa.
Dei risada.
_O que é?
_Sai comigo?
Sorri de novo e fiz que sim com um sinal de jóia. Ele sorriu de volta.
Quando eu estava entrando no carro da minha mãe, meu celular vibrou no bolso. Dentro dele havia um recado.
12:43
Oi, dramática. ~Greg--------
Música de hoje: Bizarre Love Triangle (New Order)
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O Número 8
Novela JuvenilEssa é uma história de amor que pode se parecer com a sua. Guida Dallas é uma menina comum. Tem uma família que ama, amigas que ama e uma vida da qual não se pode reclamar. Dal sabe que os números estão presentes em sua vida, seu número da sorte em...