Capítulo 11 - O Medalhão / Epílogo

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Nathair parou à margem do lago, desmontou do cavalo e ajoelhou-se para encher o cantil. Deixara Amitié na madrugada anterior e pretendia alcançar Riverlyen antes que a notícia de suas atitudes se propagasse. Não era uma tarefa difícil. A capital estava um caos, levaria algum tempo até que tudo se elucidasse e Fausto colocasse soldados em seu encalço. Dimitri era o único que lhe caçaria sem ter recebido tal ordem, mas quanto a isso não havia porque se preocupar. Nathair vira a batalha contra o Furioso. Pouco restara do príncipe de Datillion.

— Você está ficando velho. E previsível. — Uma voz falou às suas costas.

Virando-se, tomou um susto ao se deparar com Dimitri. Pensou em fugir, mas ele lhe bloqueava o caminho até o cavalo. Ao contrário do que esperava, o príncipe não estava morto, e também não estava nada contente.

— Graças a Zyria, você está bem! — Nathair abriu um sorriso falso e esticou os braços, esperando apertar as mãos do antigo amigo. Mas Dimitri, por sua vez, apenas suspirou, decepcionado.

— Você sabe porque estou aqui. — Disse ele, desembainhando suas espadas gêmeas.

— Tenho certeza de que o príncipe Fausto me oferecerá um julgamento justo. — O diplomata abaixou as mãos e recuou.

— Ele não terá essa oportunidade. Sua traição não foi apenas para com esse reino. Eu confiava em você!

Antes que Nathair pudesse reagir, Dimitri bateu-lhe na cabeça com a lateral plana da espada. Não era o suficiente para matá-lo, mas derrubou-o de lado na terra úmida, fazendo com que o cantil rolasse para longe. Nathair se sentou, desnorteado pela dor, e colocou as mãos sobre a cabeça, defendendo-se inutilmente.

— Agora percebo... Você estava lá no dia em que ela desapareceu, não estava? — Dimitri perguntou, ainda mais irritado.

— O navio já estava em chamas quando eu cheguei, não havia esperança! — Admitiu Nathair, encolhendo-se. — Foram massacrados e iam à deriva. Não sei como conseguiram naufragar o inimigo... Como disse, cheguei depois da batalha. Havia um único sobrevivente.

— Flora.

— Sim, e eles voltariam por ela. O rei estava morto, o príncipe não se revelara herdeiro da Dádiva da Deusa. Tinha que ser a menina!

— Então você se livrou dela. — Dimitri deu um passo em direção a Nathair, que recuou, arrastando-se pela lama que ladeava o lago.

— Coloquei-a no bote...

— E a abandonou em mar aberto. — Sem piedade, Dimitri chutou-o nas costelas. Nathair guinchou e, usando as mãos, tentou se proteger do segundo chute.

— Eu não sabia o que ia acontecer, eu... eu tentei protegê-la! — Ele balbuciava.

— Protegê-la? Como? Jogando-a ao mar? Contratando sequestradores? Ou entregando-a a seus piores inimigos? — Dimitri voltou a chutar o homem caído, uma, duas, três vezes. Eram chutes de repulsa. — Você é um mentiroso! E um traidor!

— Mas não sou assassino! — Gritou Nathair.

Dimitri parou, embainhou novamente as espadas e abaixou-se, apoiando um dos joelhos no chão. Com um puxão, arrancou o medalhão de Flora, que Nathair trazia pendurado no pescoço.

— Mesmo que não tenha brandido a espada, é culpado por muitas mortes em Hynneldor. Pelos conflitos que causou, você é indigno da confiança que lhe depositaram. — Disse ele, levantando-se. — Sequer é digno da lâmina da minha espada!

Dimitri deu as costas e esperou de cabeça baixa, até que o outro se desse conta de sua decisão. Surpreso, Nathair se esqueceu do cantil que estivera enchendo, correu até o cavalo, montou e saiu em disparada, para não mais voltar. Dimitri evitou olhar para ele, não queria saber para qual direção rumava, não queria mudar de ideia. Esperou até que o som de cascos se distanciasse.

— Há quanto tempo você está aí? — Disse ele em voz alta.

Flora se levantou e saiu de trás de onde estivera escondida, envergonhada por ter sido descoberta. Com um sorriso, Dimitri sentou-se à margem do lago e colocou a mão na testa, pensativo. Flora sentou-se ao seu lado, e ambos admiraram as montanhas que despontavam, muito além do lago.

— Está tudo bem, você fez a coisa certa. — Disse ela, apoiando a mão no ombro dele. — Chega de mortes. Ele era, como você disse... indigno de sua espada.

— Flora, esse não é o verdadeiro motivo para eu deixá-lo ir.

— Eu sei. Apesar de tudo, ele era seu amigo. — Flora ofereceu-lhe um olhar de cumplicidade.

— Ele me estendeu a mão quando todos os outros me deram as costas, me ofereceu um motivo para continuar vivendo. Acreditou em mim. Apesar de seus erros, ainda poderá fazer coisas grandiosas no futuro.

— Tudo bem, Dimitri. Acabou, vamos para casa.

Flora levantou-se e puxou Dimitri pelo braço, para que ele também se colocasse em pé. Fez menção em andar até os dois cavalos, o dele e o dela, que estavam escondidos ali perto, mas Dimitri permaneceu imóvel.

— Meu lugar não é com você. — Disse ele, devolvendo-lhe o medalhão.

— Como não? Você passou anos me procurando! Não pode me abandonar agora.

— Você não entende, Flora. As minhas mãos ainda estão sujas de sangue. — Ele olhou com pesar para ela.

Flora suspirou, apreensiva, mas sorriu e se aproximou. Ficou tão perto de Dimitri que podia sentir sua respiração, e tomou as mãos dele entre as suas.

— Eu sei. É por isso que você precisa vir comigo! Compreendo o seu passado, mas o que realmente importa é o que fará do seu futuro. Venha comigo, Dimitri.

O príncipe de Datillion obrigou-a a soltar uma de suas mãos, e por um momento Flora pensou que ele se afastaria. Mas fez isso apenas para poder tocar-lhe no rosto. A pele de Flora era branca e macia, e ela fechou os olhos ao sentir o toque.

— A princesa de Hynneldor. Por tanto tempo eu me perguntei como seria...

Flora voltou a erguer os olhos azuis, enquanto Dimitri tocava-lhe o queixo e os lábios. Ele envolveu-a pela cintura e trouxe-a para perto de si. Quando seus lábios se tocaram, foi como se todas as dúvidas tivessem desaparecido no ar. Abraçava-a junto ao peito e enrolava os dedos por entre as mechas de cabelo negro dela, determinado a nunca mais partir.



— Epílogo —

Hynneldor voltou a ser agraciada com a Dádiva da Deusa Zyria, da qual o reino havia sido privado por muitos anos. Teve início, então, uma época de reconstrução, de alegria e prosperidade. As pessoas se lembraram de quem realmente eram, e passaram a valorizar as coisas mais importantes na vida, como a amizade, a saúde, a lealdade e o amor. A terra tornou-se fértil novamente, trazendo boas colheitas. O reino mudou, voltou a ser verde e florido, como nos tempos do antigo rei.

Flora foi coroada em seguida. Por causa da fertilidade no reino e da renovação interior compartilhada por todos os súditos, ficou conhecida como A Rainha da Primavera. Grande parte dos registros de seu reinado se perderam com o passar dos séculos, mas sabe-se que a felicidade reinou naquele dia, e por muitas primaveras depois.

– Fim –

A Rainha da Primavera - 2ª EdiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora