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Passava de meia noite quando Dimitri arrombou a porta do quarto de Flora. A dona da estalagem acordou, assustada com o barulho, e foi correndo ver o que estava acontecendo. Nathair fora arrancado de seu sono por Dimitri, mas compreendeu o motivo no momento em que vislumbrou a cama de Flora, vazia.
Antes que Nathair pudesse impedir, Dimitri agarrou a mulher pela gola da roupa, suspendeu-a no ar e grunhiu com ferocidade:
– A quem você contou sobre Flora?!
– Não contei a ninguém! – Disse ela, batendo as pernas. – Eu não saí daqui!
Percebendo a inutilidade daquilo tudo, Dimitri a deixou cair no chão e foi até o quarto buscar suas armas. Eram duas espadas iguais, de lâmina fina e curva, com um rubi na empunhadura. Ligadas por uma corrente de ferro, eram conhecidas como espadas gêmeas.
Não foi difícil adivinhar por onde Flora fora levada, a janela de seu quarto estava aberta. Dimitri supôs que ela tentara se defender enquanto era arrastada para longe da estalagem, pois um rastro de terra revirada denunciava a rota de fuga. Sozinho, seguiu as evidências até uma pequena casa, não muito diferente de tantas outras que formavam o vilarejo.
– Me pagaram para matar você, sabia? – Falou um homem embriagado, tão alto que se pôde ouvir lá de fora. – Mas isso seria um desperdício...
Com um único chute, Dimitri pôs a porta abaixo. Estava furioso, e a cena que viu não melhorou seu humor, nem um pouco. Flora estava jogada no chão com as mãos atadas, amordaçada, suja de lama e descabelada. Durante as tentativas de se libertar, sua roupa tornara-se um trapo e seu rosto estava vermelho. Para completar, um homem maltrapilho e mal-intencionado se projetava sobre ela, segurando-a pelos cabelos.
– Tire as mãos dela, imediatamente. Não quero sujá-la com o seu sangue.
O homem deu uma longa risada e tossiu seu hálito de hidromel. Das sombras ao redor de Dimitri, emergiram quatro comparsas mais jovens, todos sóbrios e armados com facas de caça.
– Ela é nossa, agora! – Disse um deles, que usava um tapa-olho.
– Você vai se arrepender de vir aqui! – Complementou um segundo, de bandana na cabeça.
Antes que pudessem atacá-lo, Dimitri cravou a espada da mão esquerda no peito do que estava mais próximo. O segundo reagiu com o instinto, projetando-se para frente com o facão em punho, mas Dimitri se defendeu no momento exato, parando o golpe com a espada da mão direita, e meteu um chute no terceiro. O último estava indeciso entre atacar ou correr, quando o mais velho gritou:
– Parado! Ou eu mato ela! – Mantinha Flora em pé, aprisionada contra seu corpo, e ameaçadoramente pressionava-lhe o pescoço com a adaga que Dimitri oferecera a ela horas antes.
Os três homens que ainda estavam em pé com seus facões se aproximaram com olhar maldoso enquanto Dimitri deixou cair no chão suas espadas gêmeas. A única lamparina que iluminava a sala estava próxima a Flora, e projetava sombras lúgubres em seu rosto. O homem que a segurava estava se divertindo com o ódio que crescia em Dimitri.
– O que vamos fazer com você, espadachim? O que vocês acham de sangrá-lo até a morte?
Os três cúmplices deram gritos de aprovação e cercaram o príncipe de Datillion. O de bandana foi o primeiro a golpeá-lo com sua faca de caça, arrancando-lhe do braço uma espessa linha de sangue. Os outros dois não tardaram a fazer o mesmo, e logo Dimitri estava com vários cortes pelo corpo.
A cada nova investida, Flora fechava os olhos com força, e logo seu rosto estava encharcado de lágrimas. Aturdida com a cena, chegou ao ponto em que não aguentava mais. Enquanto toda a atenção dos malfeitores estava voltada para Dimitri, Flora agiu sem pensar. Ainda com as mãos amarradas, agarrou a mão com a qual o homem ébrio segurava sua adaga e, dando um chute para trás, acertou-lhe entre as pernas. Ele guinchou e se contorceu, libertando-a e caindo sobre uma pilha de garrafas cheias de hidromel.
Dimitri não perdeu tempo, e agiu antes mesmo que seus torturadores se dessem conta do que estava acontecendo. Em um único movimento, passou o pé por baixo da corrente que unia suas espadas e chutou para cima, jogando-as a uma altura em que pôde pegá-las no ar, as duas ao mesmo tempo. Com um giro, acertou mortalmente dois dos bandidos jovens, enquanto Flora pegou a lamparina e quebrou-a na cabeça do mais velho, que desfaleceu.
Dimitri se virou a tempo de ver a flama da lamparina em pedaços se espalhar pela parede de madeira da casa. Cortou a garganta do último comparsa e, impassível, caminhou até o homem embriagado e indefeso. Recolheu a adaga, devolvendo-a a Flora, e com um movimento certeiro de sua espada, feriu o sequestrador no coração.
Flora estava imóvel, assistindo à casa arder em chamas, abastecidas pela bebida derramada. Ao seu redor, via apenas sangue escorrendo de feridas que jamais se fechariam. Logo o incêndio faria o telhado ruir, soterrando-a e prendendo-a para sempre naquele palco de morte. Estava em choque, e não teria saído dali por conta própria.
Sem rodeios, Dimitri a pegou com seus braços fortes e jogou-a por cima do ombro esquerdo, de forma que pudesse carregá-la deixando a outra mão livre. Saiu da pequena casa, que não demorou a desabar. De volta à estalagem, Nathair já havia reunido todos os pertences dos três e acordado o cocheiro.
– Não diga a ninguém que estivemos aqui! – Disse Nathair à dona da estalagem, dando um aperto de mãos de despedida.
– Isso era mesmo necessário? – Perguntou Dimitri enquanto acomodava Flora na carruagem, assim que Nathair se reuniu a eles para a partida. – Não vejo porque perder tempo se despedindo, temos pressa.
– É por isso, caro Dimitri, que você é o guerreiro e eu sou o diplomata.
Assim que os três entraram na carruagem, ela rapidamente foi posta em movimento. Flora se espremeu contra a parede lateral, enquanto Dimitri manteve-se pronto a sacar novamente as armas a qualquer minuto, e Nathair espiava a agitação lá fora por uma fresta. Fugiram pela estrada escura, enquanto a vila se alvoroçava às suas costas. Moradores acordavam assustados no meio da madrugada e logo corriam para ajudar a conter o fogo. A desordem geral lhes permitiu passarem despercebidos.
– Tive que pagar uma gratificação extra ao cocheiro. – Reclamou Dimitri, quando já estavam a uma distância segura. Então se voltou para Flora. – Você está bem? – Ele fez menção de tocá-la. Mas ela se espremeu ainda mais, na direção oposta. – O que foi? Olhe para mim!
Por algumas vezes, Dimitri tentou fazê-la se virar, para que pudesse verificar se estava ferida. Mas ela se esquivou e se debateu, até que ele desistiu. Ficou apenas observando-a sentada o mais longe possível, escondendo o próprio rosto.
– Não vê que ela está assustada? – Nathair o repreendeu.
– Tudo bem, o perigo já passou. – Dimitri tentou acalmá-la, mas foi em vão.
Encolhida, protegendo-se da presença dele, Flora proferiu palavras que Dimitri jamais esqueceria.
– São as suas mãos... elas estão manchadas de sangue.
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A Rainha da Primavera - 2ª Edição
FantasyEssa história inclui um audiobook. Leia enquanto acompanha escutando! :) *** Em um reino em decadência, um guerreiro em busca de redenção e um conselheiro real trilham uma jornada para encontrar a princesa há muito tempo desaparecida. Flora, que foi...