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Louis chegou mais cedo no consultório da psicóloga. Era um lugar muito laranja. As paredes todas eram cor-de-laranja suave, os sofás da sala de espera tinham capas laranja, os vasos de flor tinham uma cor-de-laranja berrante com flores artificiais também cor de laranja.

Da primeira vez que Louis entrou lá, ele imaginou a doutora como uma abóbora gigante, mas quando ele entrou no consultório, se surpreendeu ao perceber que ela era mais pra uma cenoura. Era uma mulher alta e esguia, de cabelos ralos, olhos esbugalhados, vestindo um casaquinho, que surpresa, cor de laranja.

O garoto se sentou na cadeira reclinável observando a doutora que se encontrava numa cadeira a sua frente, segurando uma prancheta com a ficha de Louis em mãos, pronta para anotar tudo o que definisse sobre ele. Aquilo não dava uma sensação boa.

"Boa tarde, Louis." Ela cumprimentou com um sorriso de orelha a orelha. "Como vai você?"

"Eu diria 'muito bem, obrigado' mas se todos concordassem comigo eu não estaria aqui, não é mesmo?" Ele respondeu, tentando abrir um sorriso maior ainda.

"Olha, Louis" ela começou. "Seus pais te trazem aqui porque sentem que você precisa de alguém com quem conversar. Eles só querem te ajudar, okay? Então não precisa esconder as coisas de mim." Ela parou como se esperasse a confirmação de Louis, que assentiu com a cabeça.

Se seus pais conversassem com ele, eles não precisariam gastar dinheiro com psicóloga.

"Como vai na escola? Voltou às aulas esses dias, não?"

"Ontem."

"E já fez algum amigo?"

Louis se lembrou de mais cedo. Aquela tinta azul contra a parede, embaixo da sua escrita crua havia prendido sua atenção a manhã inteira. Ele passou as aulas todas analisando a caligrafia da pessoa misteriosa que estava por trás daquilo, imaginando quem perderia segundos da sua vida para responder um cumprimento anônimo em uma parede sem graça em uma escola. Fosse quem fosse, havia pego Louis de um jeito que o deixava intrigado; e o garoto não sabia por que se importava tanto.

"Louis?" A doutora chamou, tirando-o de seus pensamentos.

"Ah, desculpa. Oi?" Ele respondeu, encarando a mulher do casaquinho laranja.

"Eu perguntei se você fez algum amigo na escola." Ela repetiu.

Ele havia hesitado por muito tempo, horas antes, na escola; mas acabou cedendo. Perto da última aula, ele puxou a caneta azul do estojo e escreveu como se iniciando um chat com aquela pessoa misteriosa 'Infelizmente venho sim, e você?'.
Agora, se responderiam, ele só saberia amanhã, mas aquilo estava remoendo seus pensamentos.

"Amigos--" ele sorriu novamente, agora sinceramente. "Sim. Eu acho que sim."

"Que legal, isso é ótimo." A doutora parecia sorrir também. "E como se chama?"

"Ah--" Louis fechou a cara. "Eu não--" ele pigarreou, se ajeitando na cadeira. "Eu não sei."

"Tem alguma coisa que você queira me contar, Louis?"

"Hum--" meu novo amigo atende por identidade anônima e nós conversamos através de frases na parede da escola. Na verdade só trocamos duas frases, não sei se jamais falarei com ele ou ela. "Não, eu estou bem, obrigado."

***

Louis ouviu a briga assim que colocou os pés no tapete de entrada.

"Você não vai ficar aqui!" Ele escutou sua mãe gritando. "Esse é um dos únicos momentos que você está presente aqui, acordado, e é assim que você quer aparecer pro Lou?!"

Ele recuou, ele não queria entrar em casa. Seus pais estavam brigando porque o pai, provavelmente, estava bêbado de novo. Muito bêbado. Ele havia estado muito assim, ultimamente, e as coisas em casa pareciam tão instáveis quanto ele. Louis não sabia o que estava acontecendo com o pai, mas ele sentia que sua mãe estava cansando, e que logo eles se divorciariam.

Se com os dois pais morando na mesma casa já estava difícil passar tempo com eles, seria muito pior se ele parasse de morar com o pai. A mãe teria que trabalhar mais para manter as contas, iriam ter mais brigas por pensão e pelo amor do garoto. Ele não estava pronto para aquilo.

Louis percebeu sua visão escurecendo e suas pernas ficaram bambas, ele apoiou na parede de entrada da sua casa, e deslizou até o chão, onde se sentou e ficou, tremendo nervoso enquanto as lágrimas desciam seu rosto.

"Para de gritar." Ele escutou a voz instável do pai perto da porta de entrada. Era muito visível a bebedeira. Ele tentava manter a voz séria mas ela saía trôpega.

"Para de beber! Eu já disse, você vai sair daqui agora e não vai voltar enquanto não tiver sóbrio!" A mãe gritou de volta e Louis escutou o barulho de um molho de chaves sendo ajeitado na porta, que foi destrancada para que seu pai pudesse ser empurrado para fora.

Quando o homem enxergou o filho ali, no chão, ele sorriu, como se não ligasse para a situação, e foi se abaixando para tentar falar cara a cara com Louis, que recuou. Ele não queria falar com aquele homem. Aquele homem não era seu pai, não naquele estado. Então ele se levantou e entrou em casa, passando reto pela mãe, que parecia surpresa ao ver o filho ali.

"Louis!" Ela chamou, mas ele fingiu não escutar. Foi até seu quarto, batendo a porta e produzindo um estrondo que ecoou por toda a casa. "Louis! Vem aqui!"

Ele escutou os passos apressados da mãe vindo até a porta de seu quarto e dando batidas nela.

"Louis!" Ela chamou mais uma vez. "Abre aqui, por favor!"

Mas ele não queria. Ele não abriria. Ele queria ficar sozinho. Ele e o tempo naquele seu mundinho cinza.

O garoto pegou o celular e plugou o fone de ouvido, fazendo a playlist mais deprimente que fosse possível com as músicas que ele tinha em sua biblioteca.

Agora ele ficaria ali. Até que alguém fizesse alguma coisa para melhorar tudo. Até que alguém viesse salvá-lo. Salvá-lo de onde ele estava se afundando. Salvá-lo do Louis que ele estava se tornando. E então, ele dormiu.

Talking to Walls >>lsOnde histórias criam vida. Descubra agora