Capítulo 03

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As chamas se espalhavam rapidamente. Entre terra, concreto e ferro, não havia muito que queimasse fácil, mas mesmo assim o fogo se alastrava e crescia. As pessoas corriam tentando se afasta, escapar da morte flamejante, mas elas sabiam que não havia para onde correr. Nickolas pedira que Lana levasse a mim e a Cal para algum lugar seguro, então saiu correndo em direção ao incêndio. Eu o segui antes que Lana percebesse que me afastava. Quando ele chegou ao ponto das chamas, ainda haviam explosões acontecendo. Eram dois prédios pegando fogo, o primeiro, inteiramente em chamas, de cima a baixo, o fogo saindo de todos os andares. Não restava mais do que poucos minutos antes de desabar. O outro estava no início do incêndio, embora as labaredas já saíssem pelas portas e janelas dos primeiros andares.

— Sabe onde eles estão? — Revelei-me.

— O que você está fazendo por aqui? — Ele gritou irritado.

— Já pensou o que vão imaginar quando a garota que me recebeu foi encontrada morta no dia seguinte, queimada viva? Não quero esse tipo de fama para mim, obrigada.

— Volte e encontre Lana. Não quero você me atrapalhando.

— Nossa, por um momento, até pareceu que você estava preocupado. —Sorri.

Disparei em direção ao prédio em chamas, desviando das explosões que aconteciam ao redor. Ouvi Nickolas gritar meu nome, mas era tarde demais para me impedir. Retirei a blusa regata que usava e passei em volta da cabeça para me proteger da fumaça. Adentrei a construção sem muito a perder. O fogo se erguia por todo lado, em colunas explosões e jatos. Uma escada levava ao andar de cima. Não fazia ideia de onde Elisa poderia estar naquele prédio, mas, se estava viva, então precisava ser em um lugar onde as chamas ainda não tinham alcançado. Observei melhor a situação buscando a origem das chamas. Por fora, eu sabia que os andares superiores não foram acometidos pelas chamas, então o incêndio teria começado naquele andar ou no subsolo, se houvessem andares inferiores. Elisa, se estivesse viva, estaria mais acima. Corri pelo corredor procurando alguma indicação de escadas encontrei uma porta de aço ante chamas que levava as escadarias. Comecei a subir. Não havia mais tanto fogo, minha pele não ardia com o calor ao meu redor, mas meus pulmões começavam a doer. A fumaça estava ficando mais densa, subindo assim como eu. Do segundo para o terceiro andar, as chamas tinham tomado conta dos degraus. Seria impossível passar por ali. Saí para o segundo andar e procurei outro jeito de subir. Correndo pelos corredores do prédio encontrei um extintor de incêndio. Não consegui tirá-lo da parede, o encaixe que o sustentava parecia estar se derretendo e prendendo o extintor a parede. Não me rendi e tentei arrancá-lo a base da força. A parede, porém, estava enfraquecida e, quando puxei, ela veio junto. Vi ela se despedaçar de uma vez e milhões de pedaços de tijolos e rejunte caírem em minha direção. Mais parecia que a parede inteira estava explodindo para o meu lado. Aproveitando o peso do extintor que meus braços também traziam para junto de meu corpo, deixei-me cair para trás. Rolei no chão em cambalhota e, assim que consegui parar, estava agachada, com uma mão no chão e outra no extintor junto ao meu peito. A poucos milímetros de mim, os escombros no chão quase tinham me esmagado.

— Caralho! — Um homem enorme apareceu no buraco da parede. — Isso corta o caminho para gente. Obrigado, moça!

Levantei-me com o extintor de incêndio. Ele deveria ter mais que dois metros de altura e era musculoso. Realmente muito musculoso, um pouco mais e poderia ser um belo concorrente em concursos de fisiculturistas. Falava grosso, era loiro e seu braço esquerdo terminava pouco depois do ombro. Um braço mecânico de aço tomava lugar da carne no resto. Eliza surgiu correndo ao seu lado.

— Susanna? O que faz aqui? Ah, não importa. Vamos, temos que chegar a sala de controles. —Ela tossiu com a fumaça. — Não vão conseguir apagar o incêndio enquanto houver energia vindo da usina e alimentando o fogo. Preciso desligar a rede e acionar os geradores de emergência.

Os dois passaram pelo buraco.

— Susanna? É ela que está morando com você agora? — O homem perguntou para Elisa. Então se voltou para mim.

— É sim. Susanna, Pavel. Pavel, Susanna. Apresentações feitas? Podemos ir agora?

Elisa saiu pelo corredor. Pavel me indicou para seguir e fui atrás. Subimos por mais alguns andares. Chegamos ao andar da sala de controle, mas o fogo tinha chegado antes da gente. Abri caminho com o extintor, ele não era suficiente para apagar, mas conseguia tempo entre as chamas para que passássemos. Já na sala de controle, Pavel fechou a porta de ferro e Elisa começou a mexer nos controles.

— Vai demorar muito? — Perguntei.

— Vou redirecionar a energia dos geradores para os respiradouros também. O sistema de ventilação vai puxara fumaça para fora de Pânico.

Encostei na porta para descansar, mas o ferro estava quente e queimou minha mão. Afastei em reflexo com um grito.

— Você está bem? — Pavel se aproximou.

Olhei para minha mão vermelha. Ela ardia e provavelmente eu precisaria de algum tratamento, mas conseguia suportar a dor. Reparei então no braço mecânico que ele tinha usado para fechar a porta. Por isso não havia se queimado nela também, sua mão era de metal e não de pele e carne.

— Vou ficar bem. — Tentei disfarçar, mas ele já percebera meu olhar para o braço mecânico e devia imaginar o que estava pensando.

— Perdi em minha última ida lá fora. — Ele explicou. —Devorado por um javali carnívoro. As vezes ainda tenha a sensação de que estou sentindo alguma coceira nos dedos, mesmo ciente de que tenho deles.

— Sinto muito

— Ah, tudo bem. Elisa criou esse braço para mim e está me ajudando a me acostumar. Dói ainda, mas ele é bem maneiro. Mete medo em alguns e é mais forte do que meu braço de verdade.

Eu ri. Em seguida, me arrependi de tê-lo feito, pois meu riso se transformou numa tosse seca e dolorosa. Elisa saiu dos controles e se aproximou de nós.

— Acho que consegui. Dei uma olhada, tem alguns setores que estão críticos. O fogo chegou pelas fiações que vinham do outro prédio que explodiu, mas logo vão alcançar os pontos mais críticos desse também. Temos pouco tempo para sair antes que esse prédio exploda.

— Quanto tempo?

— Alguns minutos no máximo.

— Então vamos logo. — Pavel se levantou e abriu a porta.

Entramos no inferno novamente. As chamas estavam muito mais espalhadas, tomando conta de todo o andar. Cobrimos o rosto com pedaços de roupa, mas conseguíamos sentir a fumaça no ar mesmo assim. Os olhos ardiam. E avançamos contra os fluidos causticantes mesmo assim. Corremos. Eu disparando o extintor toda vez que o caminho ficava bloqueado pelo fogo. Pavel movendo toras de ferro que às vezes apareciam no nosso caminho. Elisa nos guiando a caminho da saída.

Infelizmente, de repente, percebemos que não havia para onde correr. As escadas desabaram ou estavam muito tomadas pelo fogo. Tentamos voltar, mas o caminho já estava queimando demais para isso. Subir também não era mais uma opção. Cercados pelo fogo, sem ter para onde fugir, pensei em aceitar a morte de bom grado. Provavelmente seria melhor do que continuar naquele mundo horrível. Então Elisa correu até uma sala. Seguimos atrás. Era bem na lateral do prédio e uma janela levava para fora. Infelizmente era alto demais para sairmos por ali.

— Vamos ter que pular. — Elisa comentou

— É uma queda de mais de seis metros.

— A gente sobrevive. — Ela subiu a janela pelo lado de fora.

— A gente fica paraplégico.

Pavel também subiu o parapeito

— Não fica não. É melhor que morrer aqui.

Não tínhamos tempo para discutir racionalmente. Subi a janela também e pulamos.

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