No More Escape

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Já era o último sábado de férias, na segunda eu começaria minha vida de universitária, dá para acreditar? Nós passamos todos esses anos na escola, nos preparando para essa época das nossas vidas, e cá estou eu, há dois dias do começo dessa nova etapa. Eu não estava tão animada assim, pensar em tudo isso me dava até um certo frio na barriga, será que eu estava fazendo tudo certo? Era realmente aquilo que eu queria para minha vida? Essas perguntas atolam a minha mente desde quando eu decidi fazer arquitetura na Universidade de Miami. De qualquer maneira eu tenho que encarrar isso, não posso fugir, eu não faço esse tipo de coisa.
Minha mãe me chamou lá em baixo e aquilo só foi mais um sinal de que eu deveria levantar de vez da minha cama, hoje eu teria que arrumar minhas coisas para me mudar para a faculdade, já que eu fiquei enrolando as férias inteiras e não encaixotei nada. Tirei as cobertas de cima de mim e fui até o banheiro, tomei um banho demorado e finalizei minha arrumação matinal vestindo um short, uma regata e pondo uma blusa quadriculada amarrada na cintura. Desci e encontrei meus pais tomando café na mesa da cozinha, cumprimentei ambos e me sentei. Não tive que esperar muito para minha mãe começar o assunto da vez.
- Está animada? Como está a arrumação? Já disse para seu pai que na segunda pediremos folga no trabalho para ir com você até o campus, ajudar você a arrumar seu quarto e conhecer o lugar. - minha mãe disse com uma animação explícita na voz.
- Katherine, eu já falei que não tirarei folga o dia inteiro, tenho uma reunião muito importante à tarde, portanto ficaremos com a Leah pela manhã. - meu pai disse levantando os olhos do jornal por um segundo para nos olhar.
- Mãe, parece que você que vai para a Universidade e não eu. Você poderia, pelo menos, tentar disfarçar toda a sua empolgação, ela chega a ser constrangedora. - disse pegando um pouco de café.

- Pare de procurar problemas nessa situação tão maravilhosa, você é muito chata. A propósito, você já arrumou suas coisas? - ela perguntou erguendo uma sobrancelha.
- Passei pelo quarto dela ontem à noite e não vi caixa alguma. - meu pai respondeu provocando.
- Leah! Eu mandei você arrumar, ficou fazendo o que durante três meses e não teve tempo para colocar umas coisas dentro de caixas? Você sempre deixa tudo para cima da hora, eu já estou vendo que no fim quem vai ter que arrumar suas tralhas sou eu. - falou irritada.
- Pai! Por que você foi falar? E, mãe, se acalme que ainda tenho hoje e amanhã. Até porque eu não tenho tanta coisa assim para levar. Você é estressada de mais, já pensou em fazer acupuntura ou algo do gênero? Dizem que essa irritação toda é coisa da idade, viu... - resolvi provocar.
- Eu acho bom mesmo você arrumar tudo, pois não vou mexer em absolutamente nada. E pare com essas maluquices de idade e estresse, eu estou muito bem. - ela finalizou visivelmente brava.
A essa altura eu e meu pai já estávamos rindo da cara da minha mãe, nós sempre conseguíamos deixar ela nessa situação e no fim sempre era hilário. Levantei da mesa e fui para a sala assistir televisão. Eu estava no meu terceiro documentário chato no National Geographic e eu teria dormido se a Izzie não tivesse me mandado mensagem.
Conhecia a Iz no oitavo ano do ensino fundamental, no começo nós nos odiávamos, pois éramos extremamente diferentes, eu dizia preto ela falava branco, eu dizia salgado e ela doce, éramos completamente opostas. Porém, com o tempo, percebemos que por sermos tão diferentes, éramos perfeitas como melhores amigas. Isso funciona até hoje, aliás é ela que será minha colega de quarto na faculdade.
"Vamos sair hoje, Le? Temos que aproveitar esses últimos dias, estou entediada em casa e estou quase matando meu irmão. Ele está fazendo planos para o meu quarto, dizendo que vai fazer uma sala de Tv para ele! - Iz"
"Relaxa, Iz, ele só tem 10 anos e quer te tirar do sério, pelo jeito ele está conseguindo né... - Lh"
" Ta, ta... mas, voltando, vamos sair? Vamos naquela lanchonete que fica perto do cinema, quero conversar, passar o tempo. Por favor! - Iz"
"Tenho que arrumar minhas malas, não tenho tempo! - Lh"
"Claro que dá tempo, pare de drama! Vá se arrumar, me encontre lá em 15 minutos. Beijos! - Iz"
Eu conheço ela tempo o bastante para saber que não adiantava discutir, ela era capaz de me arrastar pelo tornozelo. Só coloquei um tênis e peguei minha carteira, avisei para minha mãe que iria encontrar a Iz e que voltaria pela tarde. Saí de casa e decidi ir andando até a lanchonete, não era tão longe assim e esperar um ônibus ia demorar de mais. Coloquei meu fone de ouvido e comecei a andar. A música era uma das poucas coisas que me fazia tirar os pés do chão, me deixar imersas em pensamentos e acreditar que tudo é possível. Cada frase, cada letra, cada verso, me fazem sentir uma vontade louca de chorar e sorrir ao mesmo tempo, eu sinto que alguém no mundo me entende. Por isso eu coleciono trechos de músicas, pode-se dizer que é meu hobby, sinto que toda vez que escrevo uma parte de uma música no meu caderno eu estou guardando ela, estou tornando-a parte de mim.
Cheguei na lanchonete antes do combinado e decidi entrar, eu não queria ficar no calor de Miami, estava insuportável. Sentei em uma mesa mais afastada e enquanto esperava a Izzie dar as caras um garçom veio me atender.
- Boa tarde, o que gostaria de pedir? - um menino de uns 19 anos me perguntou com bloco de notas nas mãos.
Eu não respondi de primeira, eu estava com a música no máximo e nem prestei atenção quando ele se pronunciou. Eu estava perdida naqueles olhos verdes, sou fascinada por olhos claros, as vezes chego a ser grosseira quando estou conversando com pessoas que tem olhos claros, pois paro de prestar atenção nelas para encarrar suas íris coloridas.
- Você vai pedir alguma coisa? Tem outros clientes e eu não sou pago para ficar na frente de adolescentes distraídas. - ele falou impaciente.
Saí do meu estado de transe e tirei meus fones de ouvido. Não consegui entender muito bem o que ele disse, mas pelo tom de voz percebi que não foi algo gentil. Preferi ignorar e continuar, se irritar naquele momento não seria algo bom.
- Você tem alguma sugestão? Não venho com muita frequência aqui e não sei o que pedir. - disse.
- Para isso que existe o cardápio. - ele respondeu.
Ele não iria me irritar, hoje não.
- Você poderia pegar para mim, por favor? - pedi da forma mais educada possível.
- Só estou aqui para pegar seu pedido, quer um cardápio? Tem ali em cima. - ele disse apontando para o balcão.
Era provocação, não era? Só pode! Não ia adiantar nada reclamar, eu fui atrás do cardápio e voltei para minha mesa, ele estava me esperando no mesmo lugar. Folheei o cardápio por uns minutos e não achei nada interessante, preferi perguntar.
- Você tem alguma sugestão do que eu poderia pedir? - decidi provocar.
- Para de encher o saco, garota! Escolhe logo alguma coisa, eu anoto e seu pedido vem. Não faço mais que isso. - ele disse revirando os olhos.
- Para de ser tão antipático, só pedi para você me sugerir alguma coisa e não pra matar alguém por mim, me responder não deve ser tão difícil assim.
- Eu só quero que você pare de me encher, você conseguiria fazer isso? - pediu.
- Se você me responder eu prometo não avisar ao gerente a forma grosseira com a qual você está me tratando. - falei e encarei ele.
- Eu não fui grosso, só te tratei como você mereceu, ficou tomando meu tempo. Mas como você não vai parar de me atormentar e como eu não quero ser demitido, sugiro que pegue um milk-shake de morango. - respondeu.
- Vou aceitar essa ideia, pode trazer um com calda extra, por favor. - ralei e me virei para a janela que cobria a parede ao lado da mesa.
- Finalmente. Seu pedido chega em 10 minutos. - ele disse e saiu.
Um pequeno desentendimento logo no começo da tarde, meu fim de semana estava indo muito bem... A Izzie já estava atrasada, ela sempre fazia isso, mandei uma mensagem avisando que já estava esperando ela e que se ela não chegasse logo eu iria embora. Recoloquei meus fones e voltei aos meus pensamentos. A ideia de ir para um lugar tão grande onde eu só conhecia minha melhor amiga me assustava muito ainda, tive três meses para me acostumar com essa situação, mas esse tempo não me parece suficiente agora.
Fui tirada dos meus devaneios quando ouvi a porta da lanchonete abrir, uma loira alta de óculos escuro entrou no local atraindo olhares de diversos clientes, ela usava um salto que só acentuava mais sua altura e suas coxas trabalhadas. Eu estava quase levantando e distribuindo guardanapos para os homens que a olhavam enxugarem a baba que escorria pela boca. Já havia me acostumado com a reação masculina quando a Izzie passava, esse tipo de coisa se tornou algo normal.
A Iz não precisava se arrumar para chamar atenção, ela fazia isso naturalmente. Eu ri ao ver um garoto de uns 16 anos chegar perto dela e pedir seu número de celular, ri mais ainda quando ela escreveu o seu celular em um guardanapo e deixou uma marca de batom e o entregou ao menino. Provavelmente aquele será o ponto alto da vida do garoto.
Izzie chegou a minha mesa, colocou sua bolsa numa cadeira ao lado e se sentou. Eu ainda estava com os fones apesar de já ter pausado a música há um tempo, ela se inclinou sobre a mesa e tirou os fios da minha orelha.
-Isso é jeito de cumprimentar sua amiga? Educação mandou lembranças, Leah. - ela disse colocando os fones sob a mesa e bebendo um pouco do meu milkshak.
-Acho que já teve uma recepção muito boa, não acha? Aquele menino estava quase ficando de joelhos por você, sem falar dos outros que estavam te comendo com os olhos tambem, mas não tiveram coragem de ir falar com você. Convivo com você há tanto tempo e você ainda não me explicou como faz isso. - respondi tomando meu shake de volta.
-Super simples, é magica. - disse ela rindo e pegando o copo da minha mão.
Ri também e ficamos ali falando sobre coisas banais, até o garçom voltar para perguntar se a Iz queria algo. Por que ele? Por que não podia ser outro funcionário? Se eles começarem a flertar eu levanto dessa mesa e vou embora. Eu não podia contar com a capacidade de Izzie de se controlar na frente de alguém bonito, porque ela não se controla. E, infelizmente, esse cara é realmente lindo, é uma pena que ele seja tão chato e mal-educado.
-Se veio dar em cima da minha amiga, sinto muito em informar que ela não gosta de caras chatos, então se só está aqui por isso pode sair. - ele merecia que eu tratasse ele como ele me tratou, não é?
-Eu estou aqui, porque eu trabalho aqui, eu tenho que anotar os pedidos dos clientes. É minha função. Sinto muito se te incomodei. - ele disse cínico.
-Vocês vão discutir? Sério? Eu vou fingir que não ouvi essas coisas, a propósito eu quero um suco de laranja, pode ser? - Iz se pronunciou tentando amenizar a situação.
Ele anotou o pedido e saiu fingindo que eu não existia. Assim que ele fugiu das nossas vistas, Izzie me fuzilou com o olhar. Eu ia levar bronca, não tinha jeito.
-Como você pode tratar um ser humano lindo daquele dessa forma? Você está louca, Leah? Você arruinou qualquer chance deu ter algo com ele, fala sério. - ela reclamou.
-Nem comece! Eu não arruinei nada, é impossivel eu arruinar sua relaçao com algume garoto, é só você estalar os dedos que ele volta na hora. E eu trate ele daquela forma, porque antes de você chegar ele foi extremamente rude comigo. - me defendi.
-Você tem que parar com essas coisas, você devia se soltar mais, você conseguiria qualquer garoto que quisesse, Leah. Por que não pede o número dele?
-Ficou louca? Acabei de brigar com o garoto e, do nada, vou dar em cima dele?
-Exatamente. - falou como se fosse óbvio - Quando ele trouxer meu pedido você pega o número e o nome dele, se você não fizer isso, eu vou fazer e dar um jeito de vocês se encontrarem.
-Você percebeu o que está fazendo? Está tentando me juntar com um completo desconhecido!
-Se você não tentar, ele nunca vai virar um conhecido, Le. Qual é? Daqui a dois dias você vira uma universitária e daqui a alguns dias vira maior de idade! Já era para você ter parado com esse seu bloqueio de relacionamentos.
-Se eu tenho isso é por motivos concretos! Eu não vou simplesmente flerta com o primeiro cara que aparecer.
-Você vai pegar o número dele e acabou, sem discussão.
-Não vou mesmo!
-Tudo bem, eu pego então. Olha que coincidência, ele está vindo. - ela disse.
Ele realmente estava trazendo o suco dela, me repreendi momentaneamente por ter escolhido a Iz como melhor amiga. Ela era desse jeito e nunca ia mudar.
-Desculpa nossa falta de educação por antes, queríamos saber seu nome, qual é? - ela realmente ia continuar.
-Harry. - ele disse colocando o suco na frente dela.
-Bonito nome, mora aqui há muito tempo? Nunca te vi antes por aqui. - como ela conseguia agir assim?!
-Não, me mudei há pouco, vou começar a faculdade agora. - ele disse meio entediado.
-Sério? Nós também! Vai fazer na de Miami mesmo? - ela pareia determinada até de mais.
-Sim, vocês vão para lá também? - ele parecia com vontade de acabar a conversa o mais rápido possível.
-Sim! Isso é muito bom, ta vendo, Leah? Agora conhecemos mais alguém de lá, seria muito bom se o encontrássemos no campus. - eu ia matar ela mais tarde.
Harry saiu de perto da nossa mesa se despedindo depois da Iz ter pego o número dele(sim, ela pegou) e foi para os fundos. Ficamos mais um tempo até a minha mãe me ligar me mandando ir para casa. Deixei um dinheiro na mesa, me despedi da Izzie e saí da lanchonete. Aquela tarde tinha sido constrangedora de mais.
Não posso negar que o Harry é lindo, ele é aquele tipo de garoto que você olha e pisca várias vezes só para ter certeza que ele é real. Mas eu tinha motivos para não querer me envolver em um relacionamentos agora, eu ia começar a faculdade, não queria mais complicações. Porque é nisso que os relacionamentos se resumem, não é? Complicações...
Cheguei em casa e fui obrigada por minha mãe a encaixotar minhas coisas até ir dormir. Meu domingo não foi muito diferente, passei ele inteiro arrumando minhas malas, ou seja, fiquei o domingo trabalhando, tirando os horários que eu comi, que troquei umas mensagens com a Izzie e tendo que aguentar ela falando toda hora que eu tinha que "investir" no Harry, ignorei as ideias loucas dela e fui dormir.
Era amanhã, não tinha mais como fugir, tinha? Eu teria que encarar, aceitar tudo isso e começar o início da minha vida. Agora eu só tinha que descansar, amanhã o dia seria muito longo...


Blame Me // h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora