Capítulo 8

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    Foi difícil achar um lugar para estacionar o carro. Acabamos parando duas ruas atrás da casa, de tão cheio que estava. Provavelmente a maior festa que James organizou. Por que, bem, não era a primeira. James era conhecido por suas excentricidades. Uma vez chegou a me dar uma pulseira de diamantes – que eu nem ousei perguntar quanto que custou. Óbvio que eu não a tinha mais. Sabendo que tinha sido mais caro do que minha própria casa, a joguei no viaduto, onde um caminhão passou por cima, destruindo-a. A cara de James ao me ver fazer isso é provavelmente a melhor memória dos seis meses que passamos juntos.
A mansão dele era incrível. Eu me lembro bem dela – principalmente dos 5 quartos. Ficava na Headland Road, tinha uma vista incrível para o mar, piscina e um jardim que faria qualquer dona de casa ficar com inveja. A grama era impecável, e árvores coloridas enfeitavam a entrada da casa. Uma rua estreita a separava do resto das outras casas. Você andava alguns metros e lá estava o grande portão, onde, bem no meio, as letras "Propriedade dos Jackman" estavam entalhadas em madeira nobre.
A casa era um espetáculo à parte. Construída para se parecer com um pequeno castelo, seu acabamento era todo em tijolos, mas você mal conseguia os ver por causa das trepadeiras que pareciam escalar as paredes.
De longe podíamos ouvir a música eletrônica que chegava a tremer as janelas. Antes da meia noite, e eu podia ver adolescentes vomitando no jardim (que não estava mais tão impecável assim). Garotas seguravam garrafas de cerveja e vodka na mão, rindo e caindo na grama depois.
Cambo me olhava rindo, um pouco assustado demais para um garoto de cidade grande.
- Penelope! – Alice veio gritando e correndo, com seu famoso cigarro na mão. – Campbell! – Ela o abraçou com força, um pouco alegre demais pro meu gosto. – Venham! Lá dentro tá muito bom.
Alice então nos puxou pelo braço, correndo e tropeçando. Quando eu entrei lá, entendi o porquê de ela estar tão animada. As luzes piscavam sem parar, o chão parecia se mover. Havia tanta gente que era difícil se mexer ali. Alguns garotos vestidos formalmente, se espremiam entre as pessoas com bandejas na mão. Você provavelmente deve estar achando que estavam servindo bebidas... Eles também estavam servindo bebidas, mas o que se via ali eram tiras de pó branco perfeitamente enfileiradas. Se você quisesse, era só enrolar uma nota ou cortar um canudo ao meio. E vindo de James, eu sabia que era boa. Não posso negar que a tentação era grande.
- Isso é muito melhor do que Londres – Cambo gritou em meu ouvido. – Não vou mais embora de Torquay!
Quando ele disse isso, pegou uma garrafa de Absolut da mão de alguém, que reclamou, mas estava tão bêbado que caiu depois. Olhei para trás e lá estava Alice com um canudo verde na mão. Quando ela se virou para mim, seus olhos estavam tão vermelhos que me assustei.
- Não cuido mais de bêbados, nem de drogados! – Gritei, mas ela só olhou para mim e riu.
Olhei para Cambo e ele estava com a garrafa de Absolut na boca.
- Quer um pouco? – Ele riu quando recusei. Ele por acaso sabe que um copo daquilo contém por volta de 100 calorias? – Só um gole, Penny!
Não há calorias na cocaína, Mia me disse. Pelo menos ela não precisava gritar.
- Espere um pouco – Eu disse a Cambo, que dava cada vez mais goles na garrafa.
Puxei um dos "garçons" pelo colarinho.
- Você tem um canudo aí? – Eu disse em tom alto no seu ouvido. O garoto sorriu para mim e tirou um do seu paletó.
Fiz então o procedimento de sempre. Coloquei o canudo no meu nariz e inalei aquele pó, que deixou minhas narinas irritas por um segundo. Dei mais um tiro. Senti vontade de espirrar, mas consegui segurar. Quando levantei minha cabeça, meu coração acelerou.
- Você quer mais alguma coisa? – O garoto me perguntou.
Olhei para ele rindo e baguncei seu cabelo.
- Campbell! – Eu disse, o puxando pra mais perto de mim.
- Penny? – Ele me perguntou, com uma leve expressão assustada. – Você tá bem? Não sabia que você era de fazer essas coisas.
- Você nem imagina o que eu sou capaz de fazer – Olhei em seus olhos, rindo. Ele também sorriu malicioso e eu pude ter uma ideia do que se passava em sua cabeça.
Aquela sensação era boa. Era muito boa. Sentia-me quente por dentro e as luzes piscavam cada vez mais. Sentia-me como a garota mais poderosa do local. Eu podia fazer o que eu quisesse, não podia? Eu sou Penelope Hudson, porra! Quem esses idiotas pensam que são?
Foda-se a Mia.
Foda-se tudo.
Hoje era a minha noite.
- Me de isso! – Puxei a Absolut da mão de Cambo e dei um gole.
E depois outro gole.
E outro.
A bebida ardia em minha garganta e deixava um péssimo gosto em minha língua. Mas e dai? Eu era páreo para isso.
E ah, vai uma dica: Não bebam demais se vocês não comem há mais de 24 horas. A não ser que você queira ficar bêbada logo no segundo shot – que era o me caso.
A bebida atacou meu estômago, me dando vontade de colocar tudo pra fora. Mas eu não iria... Justamente agora que eu não escolhi vomitar.
Fechei meus olhos e fui de acordo com a música. As batidas do meu coração estavam mais rápidas do que as do DJ. Meus braços se moviam no ar e minhas pernas saíam do chão. A música foi ficando mais baixa e mais baixa... Até que voltou ao seu volume normal e aumentou, aumentou e aumentou. Minha energia aumentava de acordo com o volume. Dei mais um gole. Subi numa cadeira e uma mão misteriosa me ajudou a me equilibrar – mas essa mão misteriosa também se aproveitou um pouco da situação. Quando dei por mim estava em cima de uma mesa de madeira. Havia muita gente ali em baixo. Fechei meus olhos e balancei meus cabelos. Eles se moviam de acordo com o que eu fazia. As luzes piscavam e piscavam. A minha visão ficava cada vez mais embaçada. Mexi meus quadris e coloquei minhas mãos nos meus seios. Dancei como se eu fosse uma stripper qualquer, porém eu gostava daquilo. As pessoas me notavam mais uma vez. E dessa vez não se esqueceriam... No meio daquela multidão, vi um rosto conhecido. James estava ali, parado, me observando. Duas loiras estavam á sua volta, mas ele não tirava os olhos de mim. Levantei minhas mãos para o céu e mostrei o meu dedo do meio para ele. As pessoas no lugar gritaram em excitação e todos fizeram o mesmo. Todos levantaram as mãos. Todos pouco se fodendo para o dia de amanhã.
- Penelope! – Uma voz distante gritava.
Pelo menos eu pensava que era distante. Quando abri mais meus olhos, vi Cambo á minha frente. Estendi minha mão para ele, que subiu à mesa junto comigo. Olhei para James para ver se ele continuava ali. Bem, este era o momento perfeito. Selei meus lábios nos de Cambo, o que depois se tornou um beijo, hm... Digamos que "selvagem" para a situação. Ele também já estava tão doido quanto eu. Nossas línguas se tocavam como se desejassem uma a outra há muito tempo. Minha mão entrava em sua camisa e as suas deslizavam-se para o meu quadril. Ouvia pessoas gritando coisas como "Olha isso! ", mas eu nem me importava. O objetivo de provocar James ficou para trás quando senti seu corpo ligado ao meu de alguma forma. Óbvio que também senti algo na região de suas pernas. Olhei-o sorrindo, como quem desejasse isso, mas logo depois a música diminuiu de novo, assim como minha visão e meu controle. Minhas pernas foram ficando moles e a gravidade diminuiu. Fechei os olhos, como se aquilo fosse me impedir de cair de cara no chão.
Quando os abri, por sorte não estava no piso de madeira.
- Cambo? – Eu disse, sorrindo e partindo para mais um longe beijo.
- Penelope?
Oops. Aquela voz não era de Cambo.
- Não causa – A voz me disse. Não conseguia enxergar seu rosto, mas sabia que era bonito. Suas mãos tocaram o minha face, como quem a acariciava.
- Você é engraçado, menino – Eu o olhei rindo e apertando suas bochechas.
- Cadê o seu príncipe encantando que estava ali em cima pra cuidar de você agora? – O cara disse, em tom de raiva.
Suas mãos me puxaram escada acima. Eu não tinha controle nenhum do que estava fazendo. O mundo girava e girava cada vez mais. O garoto controlava meus movimentos, como se eu fosse um fantoche. Não sei quanto tempo o trajeto durou, mas os degraus se pareciam com ondas.
Caí numa cama fofa e macia com força. Eu normalmente sentiria medo, mas o álcool em meu sangue me impedia disso. Quando tentei me levantar dali, caí para trás novamente e comecei a rir feito retardada.
- Espera aí – Eu disse, colocando o meu indicador em meus lábios, como quem ordenasse alguém a ficar quieto. – Eu acho que conheço este lugar – Continuei a rir.
Olhei em volta. Minha visão e percepção não estavam na melhor condição, mas pude ver a mesa de brilhar e os pôsteres estampando famosos jogadores de tênis. Virei minha cabeça e pude ver as paredes brancas e a vista para o mar.
Ri mais ainda.
- Meu ex-namorado tinha um quarto igual a esse, sabia? – Eu disse, levantando o meu vestido. – Já disse que você é muito engraçado?
- Já, Penelope, já disse. – Ele disse, sem paciência. Estava parado a alguns metros de mim, olhando-me como quem ainda estava decidindo o que fazer. – Me fale sobre esse seu ex.
Olhei-o nos olhos, fingindo estar séria – o que foi um desastre, pois segundos depois desatei a rir novamente. Deitei e rolei no colchão, minha barriga chegava a doer.
- Tudo bem – Eu falei, limpando uma lágrima que escorria dos meus olhos por conta das risadas fora de hora. – Ele me traiu e me humilhou de todas as formas. É só isso que você precisa saber, senhor estranhozão. – Dei mais algumas risadas. – Mas eu não ligo, sabe? O pênis dele era pequeno mesmo!
O garoto deu leves risos, pois estava, com toda certeza, muito mais sóbrio do que eu.
- E você por acaso ainda gosta dele?
Refleti por alguns segundos, esforçando-me ao máximo para encontrar uma resposta sensata.
Bem, eu não estava em estado sensato, como queria achar uma resposta que fosse?
- Não me faça perguntas difíceis enquanto estou bêbada – Finalmente respondi. – A conversa foi boa, mas eu realmente tenho que ir.
Levantei-me e caí.
Três vezes.
Ele me segurou até eu conseguir alcançar algum equilíbrio – recostada na porta. Aquela porta para mim era como uma grande montanha impossível de escalar. Meu corpo escorregou lentamente até o chão. O garoto veio então novamente me ajudar. Dessa vez não me levantou, apenas me olhou nos olhos e segurou meu rosto.
- E se seu ex voltasse e dissesse que ainda sente alguma coisa por você? E que se arrepende todos os dias por ter feito você sofrer? – As palavras soaram sinceras. Assim como o beijo que ele me deu depois.
Foi um beijo lento, e eu podia jurar que já o conhecia.
- O que você diria? – Perguntou-me, enquanto selava seus lábios novamente nos meus.
O olhei sorrindo, como quem fosse dizer algo realmente muito, muito profundo.
Profundo até demais.
Sem que eu pudesse controlar, aquele gosto subiu minha garganta como um jato sem fim. Era o perfume de Mia em minhas narinas. Toda a bebida saiu por minha boca e foi parar na camisa do mais novo apaixonado por mim. Olhei para ele e ri, mas novamente o jato de vômito voou em cima do coitado.
Minhas pernas ficaram bambas e minha cabeça começou a doer. Eu vomitava mais e mais. Não conseguia respirar, simplesmente não parava. A queimação em minha garganta estava pior do que nunca. Segurei nas costas do garoto enquanto colocava meu indicador boca á dentro, querendo colocar tudo aquilo pra fora do meu corpo logo.
Não adianta, querida. Eu sempre vou voltar, de um jeito ou de outro.

A luz do sol ultrapassava minha fina cortina roxa, atrapalhando meu sono. Tapei meus olhos com minha mão esquerda, na esperança de que aquilo me ajudasse a adormecer novamente.
Enrosquei meus dedos em meu cabelo, que estava úmido.
Estranho. Não me lembro de ter o lavado antes de dormir.
Estiquei meus braços, espreguiçando-me. Bocejei e fiz todo aquele ritual que fazia todos os dias antes de me levantar.
- Bosta de dor de cabeça – Reclamei, pousando a mão em minha testa.
Espreguicei-me novamente, porém me assustei quando meus braços tocaram algo estranho. Afastei a coberta á minha frente e esfreguei meus dedos em meus olhos, para ter certeza do que estava vendo. Passei minhas mãos levemente sobre seu cabelo, para saber se era verdade.
Cambo suspirou e abriu seus olhos lentamente. Ele me olhou estranho, mas depois sorriu. Fiquei o encarando me perguntando o porquê dele estar deitado ao meu lado. Ele então passou as mãos por seus fios de cabelo, como numa tentativa e ajeita-los.
- Bom dia? – Falei, perguntando-me o que eu deveria dizer naquela situação tão estranha.
- Melhor? – Cambo me perguntou.
- Melhor? – Eu disse, tentando entender o que se passava.
Olhei-me no espelho que ficava na parede de frente para a minha cama. Meu rosto erava pálido e minha maquiagem borrada na região dos olhos. Meu cabelo estava molhado e bagunçado. Eu usava apenas uma calcinha e uma camisa branca. Olhei para Cambo como quem desconfiasse de algo.
- Ei, ei, ei! – Logo ele se apressou, levantando-se da cama. – Eu não fiz nada, fica tranquila. Olhei-o por um instante ali em pé. Usava apenas uma boxer preta e mais nada. Seus músculos pareciam mais definidos do que no dia anterior na piscina. Meus desejos de adolescente pareciam estar à flor da pele.
- Você não se lembra? – Ele perguntou.
- Do que exatamente eu deveria me lembrar?
E foi ai que tudo ficou claro.
Bem, nem tudo.
- Me lembro de ter ido à festa com você e de ter bebido um pouco... E ter usado um pouco de cocaína.
- Um pouco? – Ele riu. - Você perdeu o controle, garota.
Coloquei minha mão sobre minha testa novamente. Minha cabeça latejava enquanto eu tentava lembrar o que havia feito noite passada. Me sentia como Katy Perry nesse exato momento.
- Bem... – Cambo mexeu em seu cabelo. – Não estou em condições de te julgar. Também fiquei muito louco na festa.
- O que eu fiz nessa festa, Cambo? E por que você está aqui? – Perguntei, porém sentia medo de ouvir a resposta.
- Não se preocupe, ninguém vai se lembrar. Tinha gente pior do que você lá.
As palavras de Cambo me acalmaram por um instante. Ele estava certo. Quem se lembraria? Todos estavam tão bêbados quanto eu.
Oh, doce ilusão.
Ouvi algo vibrando e fazendo um barulho como de um bip. Cambo pegou seu celular e viu que não era o dele. Bom, eu nunca recebia torpedos nem nada do tipo – a não ser da minha operadora. A caixa de entrada então abriu-se, me dando um susto. 24 torpedos? De pessoas que eu nem ao menos conhecia?
Crazy girl at James' party era o título do vídeo que recebi de vários números. Pensei bem se eu queria ver aquilo, pois algo dentro de mim dizia que essa "crazy girl" era eu. Respirei fundo e apertei play. Abri meus olhos lentamente, com uma careta no rosto, na esperança de aquilo apagaria o que quer que eu tenha feito nessa festa.
Em situações normais eu riria daquela garota tri bêbada dançando em cima de uma mesa como uma prostituta. Mas bem, esta garota era eu. A única coisa que eu sentia era vergonha e repulsa. A qualidade do vídeo não era das melhores, mas ouvia garotos dizendo "Olha a calcinha dela!" enquanto eu rebolava meu quadril para qualquer um que quisesse ver.
- Eu nunca mais vou beber na minha vida – Disse. Eu estava prestes a parar de ver aquilo, quando algo me chamou a atenção. Um garoto estava do meu lado – não menos bêbado.
Antes que eu pudesse piscar os olhos, a língua desse cara estava na minha garanta. Não era um simples beijo. Estava mais para pegação louca do que qualquer outra coisa. – Olha isso, Cambo! Que aproveitador. Você viu? Sabe quem é? Filho da mãe... Quem beija uma garota tão vulnerável assim?
A maioria dos garotos, eu sei. Mas um verdadeiro homem não faria isso, principalmente em tais circunstâncias.
Cambo não me respondeu, então o olhei estranho. Ele abaixou a cabeça e os olhos, ficando corado e sorrindo sem graça.
- Cambo? – Perguntei, tentando arrancar algo do garoto. - Olha, Penny – Ele bagunçou seu cabelo. – Eu também estava bêbado, desculpa...
- É você? – Eu disse assustada e ao mesmo tempo mais envergonhada do que jamais fiquei.
Olhei mais uma vez para a tela do celular para ter certeza.
- Eu nem lembrava disso... Quero dizer, não que tenha sido algo que não ficasse na memória, pra ser sincero, ficou. Eu gostei. Quero dizer... Que porra eu tô falando? – Cambo sacudiu a cabeça, como quem clareasse seus pensamentos. – Só disse isso pra tentar te fazer sentir melhor, mas como você pode ver, não sou muito bom com palavras.
Não pude deixar de rir com seu esforço.
- Que primeiro beijo mais romântico – Eu disse então.
Campbell abriu um grande sorriso. Não sei bem o motivo, mas seu sorriso me preenchia por dentro, fazendo-me soltar risos involuntários.
Pedi para ele esperar enquanto escovava meus dentes. Apesar dos três banhos que Cambo alegou ter me dado, sentia-me ainda suja. Ele colocou a pasta de dente em seu indicador e depois o esfregou em seus dentes. Bem ao meu lado. Não pude deixar de rir. Aquilo me relembrava a cena em que um casal feliz escovava os dentes juntos depois de uma noite de amor de algum filme de Hollywood.
Depois sentamos a minha cama novamente e Cambo tentou me explicar o que aconteceu. Até onde ele lembrava, pelo menos.
- Seu cabelo está molhado porque dei um banho em você há umas duas horas.
- Você deu banho em mim? – Indaguei, tentando afastar pensamentos de que ele viu todas as minhas gorduras.
- Bem, sim... Até onde eu pude.
- Como assim, "até onde você pôde''?
- Você ainda estava meio fora de si. Começou a gritar comigo quando eu a coloquei de baixo d'água. Olha isso, foi você quem fez – Cambo esticou seu pescoço e pude ver uma leve e fina linha no local, como se alguém o tivesse arranhado. Estava inchado e com sangue, que há essa hora, já havia secado. – Você pirou e começou a dizer que seu nome era Mia, ou qualquer coisa parecida. Aí quando eu tentei tirar sua roupa, você me arranhou e disse que ninguém podia a ver, porque você era "um monstro vivo". – Ele riu. – Você estava chapada demais.
- É, chapada.
Aquilo era embaraçoso. Como Mia conseguia fazer isso? Como ela conseguiu entrar em meus pensamentos dessa forma? Ela me controlava como um fantoche. Um fantoche que ela comprou em sites pro-mia e pro-ana (N/A: Sites que apoiam distúrbios alimentares como Anorexia e Bulimia) . Tão ridícula e tão estúpida. Como eu podia ser tão patética ao ponto de dizer que eu era a própria Mia?
- Eu vomitei toda a bebida? – Perguntei, pensando nas calorias ingeridas.
- Tudo e mais um pouco – Respondeu, dando-me certo alivio. – Eu te perdi depois do nosso... Beijo. Você sumiu e depois um cara desceu as escadas te carregando no colo e disse para eu te levar pra casa. Eu não entendi nada, mas te coloquei no carro e te trouxe. Você vomitou o caminho todo e quando eu cheguei aqui, sua mãe estava na porta conversando com um cara que eu obviamente não conheço. Acho que estava perguntando sobre você, porque já estava amanhecendo quando chegamos. Ela me ajudou a cuidar de você e aí te deu banho, porque você não me deixava toca-la enquanto estava dizendo que era essa tal de Mia...
- Espere aí – Eu disse, processando tudo. – Minha mãe sabe que eu dei PT?
- Sabe, ué. E ela disse para eu dormir aqui também, para cuidar de você – Cambo sorriu, tirando uma mecha do meu rosto. Seu hálito quente batia contra a minha pele, arrepiando-me por inteiro. Nossos olhos se fecharam e eu podia jurar que um segundo beijo – muito mais romântico – aconteceria ali, naquele exato momento.
- Filha? Campbell? – Minha mãe abriu a porta do meu quarto sem ao menos bater. – Ops. Estou atrapalhando algo? – Perguntou, mas não respondemos nada. – Preparei o almoço para vocês dois.
- Almoço? Mãe, ainda está cedo – Retruquei.
- Cedo só se for no Planeta da Vodka, que pelo jeito é aonde a senhorita vive agora. – Ela me olhou com aquele seu olhar repreensor, e eu soube que mais tarde teria muito a explicar. – Já são três da tarde, Penelope.
Olhei no relógio para ter certeza de que Rose não estava maluca.
E bem, não estava.
- Você gosta de macarronada, Campbell? – Ela perguntou.
- Gosto sim, Sra. Hudson – Ele respondeu, educado, o que fez minha mãe sorrir. Ela admirava educação e dizia que era isso que faltava em mim.
- Desçam logo, senão esfria – Advertiu.
Nós dois acenamos nossas cabeças enquanto minha mãe saia do quarto e descia as escadas. Olhei rindo para Cambo, que parecia mais sem graça do que nunca.
- Onde está sua roupa? – perguntei, procurando por camisetas e calças jogadas no chão.
- Sua mãe disse que a lavaria. Sabe, não estava em condições de uso.
- Vomitei nela também? – Disse rindo, imaginando a cena.
Cambo apenas me olhou com cara feia, e depois colocou seus braços a minha volta e me de um beijo na testa.
- Vamos? Eu estou morrendo de fome – Ele me disse.
Eu teria mesmo que comer? Bom, hoje completaria dois dias que eu parei de comer pra valer. Tudo bem, eu bebi vodka além da conta ontem, mas provavelmente aquilo já não estava no meu corpo. Eu podia me sentir mais magra. Podia ver meus hipbones saltando. Óbvio que eu não estava bonita – mas sentia prazer em observar os ossos quase rasgando minha pele, que parecia cada vez mais frágil.
Eu não queria jogar tudo isso fora. Não queria ver minha barriga inchar até me sentir completamente satisfeita. O que eu sentia em relação à comida era medo. Simples medo. O quão doente eu era por querer ser magra? Até que ponto eu chegaria para alcançar a perfeição? Este almoço seria uma prova. Uma prova de fogo. Mia está me testando para saber se eu realmente a amo. Mas como Mia pode duvidar depois de tudo que sacrifiquei por ela?
- Cambo – eu disse, enquanto descia as escadas ao seu lado. – Você sabe quem foi o garoto que me entregou a você na festa? Quando eu estava bêbada?
- Eu não o conheço, Penny. Mas acho que já vi aquele cara no colégio. Ele é tipo esses americanos famosos, sabe? Cara de mauricinho, cabelo loiro e tal.
Fiquei pensativa por um instante. Quem naquele colégio tinha essas características além de...
- James?
Enquanto descíamos os degraus, pude ver a sombra de dois homens sentados em frente á minha TV. Estiquei-me, tentando ver melhor aquelas duas personalidades á minha frente. E lá estavam os dois homens que eu mais "amava" na vida.
James e meu pai estavam sentados como dois perfeitos aristocratas ingleses, conversando e rindo como antigos amigos. Senti meu sangue pulsando mais forte e a vontade de socar a cara daqueles dois invadiu meu corpo.
- Mãe! – Exclamei, com raiva em minha voz. – Não se abre a porta pra estranhos, sabia?
Parei em frente aos dois e cruzei os braços, esperando alguma explicação. Meu pai olhou-me de cima abaixo, provavelmente me julgando por estar sem calças e um garoto seminu atrás de mim. Óbvio que isto era estranho para qualquer pai – ausente ou não. Ele observou Cambo como se fosse ele fosse um inseto, o que me irritou mais ainda.
- E desde quando seu pai e seu namorado são estranhos? – Minha mãe disse, entrando na sala com um avental e pratos na mão.
- James não é meu namorado. E nem Richard é meu pai. – Falei, brava. – O que vocês estão fazendo aqui?
Cambo observava aquilo com certa curiosidade.
- Não posso visitar minha filha? – Richard falou, levantando-se com aquele sorriso cínico de sempre.
- Não sou a porra da sua filha – Sussurrei, tentando não parece louca ao gritar.
- Belo linguajar – Ele falou. – Decidi te fazer uma visita num domingo ensolarado e olhe que bela surpresa eu tive! Encontrei James aqui também.
Olhei para James com fúria em meus olhos e ele soube que eu não estava nenhum pouco feliz de vê-lo.
- E você, James? – Perguntei, cruzando meus braços novamente e batendo os pés nos chão.
- Só vim ver se você estava melhor – Respondeu, com aquele olhar de cachorro sem dono que eu tanto amava um tempo atrás.
- Bom, eu estou ótima – Respondi. – Pronto? Agora você já pode ir embora. A porta da rua é serventia da casa.
Pude ouvir a baixa risada de Cambo atrás de mim.
Meu pai pigarreou, como quem não estivesse satisfeito com a situação e disse:
- E você, quem é, rapaz?
- Campbell – Ele disse, desconfortável e sem saber se cumprimentava Richard ou se continuava ali parado devido as circunstâncias e estar apenas de cueca. E cá entre nós, meu pai assusta qualquer aspirante a namorado. – Prazer.
Meu pai não respondeu, apenas o olhou da cabeça aos pés.
- É intrigante o fato de que James deixa outros garotos dormirem com você. Devem ser os tempos modernos – Por fim ele falou.
- Pra falar a verdade... – James começou a dizer, mas eu o interrompi:
- Não namoramos mais, Richard.
- É difícil se acostumar com a ideia – Meu pai coçou o cavanhaque – de que minha adorável filha deixou James Jackman para ficar bêbada e dormir com qualquer um.
Meu sangue subiu. Provavelmente meu rosto estava ficando avermelhado de raiva. Pisei fundo e decidi bater de frente.
- Você quer saber de uma coisa? – Eu disse, com o rosto a centímetros do seu. – Fiquei bêbada na festa do seu queridinho James. Você deveria chamar seus amiguinhos policiais para fiscalizar as festas dos Jackman, pois lá dão bebidas para menores. Além das drogas, claro. Todos os tipos de drogas – Olhei no fundo dos seus olhos. – E Cambo não é qualquer um. Pelo menos ele não me traiu e nem espalhou boatos de mim para a cidade toda. E se você continuar com essa palhaçada toda, pode ir embora. Você sabe muito bem que eu não tenho o mínimo interesse em conversar com você. Nem com você e nem com ele.
Pude ver meu pai engolindo o seco, batendo os pés no chão com força, sinalizando sua falta de paciência. Logo depois ele deu aquele sorriso falso e ganancioso de sempre.
- Vamos comer. Rose preparou uma ótima macarronada para nós todos.
- Nós todos? Mãe! – Novamente exclamei nervosa.
- Penelope – Ela falou em tom de repreensão. – Se comporte pelo menos hoje. Temos visitas.
Aquela era uma situação bem delicada e desconfortável. Todos nós sentamos a mesa. James me encarava como quando começamos a ficar. Aquele olhar de conquistador que eu conhecia bem e esperava nunca mais me enganar por ele. Ficamos em silencio a maior parte do tempo. O único barulho que se ouvia era o dos garfos e facas batendo nos pratos de porcelana. O macarrão devia estar delicioso, mas nem sequer o coloquei na boca. O lado bom de James e Richard terem feito uma "visita" era que eu tinha uma desculpa para ter perdido a fome. Porque bem, eu estava faminta. Deliciava-me apenas com a fumaça que vinha da massa quente. Apenas com o cheiro de tomate que vinha do molho. O cheiro do queijo... Quando você passa muito tempo sem comer, você começa a sentir melhor o cheiro das coisas. Tudo passa a parecer mais apetitoso do que realmente é.
Uma tentação atrás da outra.
James estava sentado á minha frente. Algo em seus olhos claros estava diferente. Algo como tristeza – e essa eu conhecia bem. O observei por um tempo, calculando cada movimento seu enquanto eu mexia em meu prato. Nossos olhares se encontraram então. Nada mais existia entre eu e ele – nem ao menos Cambo. Pude ver nas suas pupilas dilatadas toda a nossa história; desde às vezes em que fizemos sexo em carros e banheiros públicos até os dias atuais. Até nossas brigas e aquela vez em que o vi beijando uma vadia em seu quarto. Ele a beijava como se realmente a amasse. E eu lembro perfeitamente das palavras que saíram de sua boca...
- Mas e Penelope? – A garota perguntou. Sua mão estava nas calças de James, que a olhava com certo olhar malicioso.
- Ela não importa – Ele falou. – Você sabe que eu não a amo, não sabe? Por que ainda pergunta?
- Ela te ama – Ela falou, tirando as mãos dali
. - Foda-se – James riu, pegando a mão da garota e colocando novamente em suas calças. – Eu amo você, Brittany. E ninguém mais.

Aquela cena me enjoava até hoje. Aquelas palavras... Aquelas palavras que ele dizia para mim todas as noites. Por que ele fez aquilo? Que motivos dei? Ele não sabia que eu o amava como ninguém?
- Não, James! Não me toque – Eu dizia enquanto a chuva batia forte contra mim. – Como você pode?
- Penelope, por favor... – Ele disse, enquanto passava as mãos em meu rosto molhado. – Você sabe que ela não significa pra mim.
- Assim como eu não significo nada pra você, não é mesmo? – Lágrimas escorriam.
- Você sabe que significa o mundo pra mim! – James me abraçou, o que foi bom por um tempo. Aquecia-me da água fria que caia do céu. – Não me deixa, Penny.
- Tarde demais – O empurrei. – Brittany deve estar te esperando.
Virei às costas para James e saí andando lentamente no meio da chuva. As lagrimas continuavam caindo e caindo, mas parei de me importar. A partir daquele momento, parei de sentir.
E James nem ao menos veio atrás de mim.

- Penelope? – A voz da minha mãe finalmente entrou em meu cérebro. – Você nem comeu, filha.
- Não estou com fome – Respondi, olhando para os dois homens a minha frente. Pessoas que hoje eram estranhos em minha casa.
Minha mão suspirou.
- Falta de fome e raiva são sinais de depressão, sabia? – Meu pai disse, enquanto engolia a comida. – E você está muito magra. Você não acha, James? Ela estava em condições melhores quando estava com você.
James não respondeu, pois sabia que eu ficaria brava se ele abrisse a boca para falar qualquer coisa.
- Eu gosto dela assim – Cambo disse, o que fez todos na mesa o encarem. Minha mãe sorriu para ele. Alguém que finalmente aceitasse sua filha, ela deve ter pensado. Meu pai o olhou como se em suas pupilas houvessem metralhadoras apontadas para seu rosto. James provavelmente ficou com raiva por não ter pensado em ter dito aquilo antes.
- Mas devo concordar com seu pai – Minha mãe disse e eu já sabia o que vinha pela frente. – Você está muito magra. Vou agendar uma consulta ao médico. Deve estar com anemia.
Revirei meus olhos e quando eu estava pronta para retrucar algumas palavras, meu pai começou a falar.
- E eu vou agendar um psicólogo. Conheço ótimos profissionais.
- Claro que conhece – Eu disse. – Você realmente precisa de um. Deve ser difícil lidar com a culpa pela morte daquela moça, não é mesmo? Qual era mesmo o nome dela, mãe? Marcy? Aquela que você atropelou, papai. Você se lembra? Ou tem a mente de um psicopata, que faz as coisas e não sente remorso depois? – Minha mãe me olhou nervosa, mas eu continuei. – Provavelmente deve ser isso. Porque você traiu minha mãe a humilhou na frente de todos. Traiu com aquela vagabunda da Marcy que tinha idade pra ser minha irmã mais velha. E depois o que você fez? Você a matou. Ótima maneira de se livrar de um problema, certo?
- Penelope, pare - Richard disse.
Mas não. Agora ele ia ouvir.
- E depois de ter deixado eu e minha mãe na miséria, o que você fez? Arranjou aquela modelo decadente. Sem nem ao menos se importar comigo. Sem ao menos se importar se eu, sua filha, tinha algo para comer. Ótimo exemplo, pai.
Levantei da cadeira, pronta para soltar mais e mais palavras. Cambo me olhava estranho, provavelmente por estar conhecendo do pior modo a minha verdadeira historia – mais do que desenhos e bebidas.
- E agora o que você faz? Volta aqui como se nada tivesse acontecido. Como se todo o sofrimento que você nos causou não existisse. Bem, pra você realmente não existiu. Estava ocupado demais com seu pênis na bunda de Claire.
- Não aceito que você fale assim da minha mulher! – Ele se levantou, mas eu o ignorei completamente.
- Você e James deveriam se casar. São o casal perfeito. Dois falsos imbecis que compensam a falta de caráter com dinheiro.
Cambo e Rose não sabiam onde enfiar a cara. Ficaram em silencio durante minhas duras palavras.

A verdade é que meu pai foi indiciado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Pelo menos foi isso o que o juiz achou. Os pais da tal Marcy processaram meu pai e ele teve que pagar (e ainda está pagando) um valor altíssimo, que não foi divulgado pela mídia.
Sim, mídia.
O caso foi um escândalo em Torquay. A frase "Richard Assassino" estampava jornais e revistas. Mas óbvio que não durou muito tempo... Meu pai conseguiu sair por cima dessa estória toda com um depoimento que com certeza poderia ser roteiro de muita novela mexicana. O filho da mãe até chorou. E aí toda a população, que até então era a favor da prisão dele, ficou com pena e disse "Espere aí, ele não a matou de propósito".
Ingênuos.
Era óbvio que ele havia a matado de propósito. Marcy ameaçou contar a minha mãe sobre a traição, e é claro que meu pai ficou louco com isso. Richard estava começando com um novo negócio, que já havia rendido um bom dinheiro - dinheiro que ele escondia de mim e minha mãe -, e essa história toda de traição provavelmente faria as ações caírem se fossem parar no ouvido do povo.
E aí o que ele fez? A matou, alegando que Marcy atravessou a rodovia enquanto ele estava a 100km/h.
Mas não acha que seria uma coincidência muito grande Marcy estar no lugar errado, à hora errada?

- E eu não acho que nem o melhor psicólogo de todo o Reino Unido possa consertar tudo o que você e James me causaram – Falei.
Minha cabeça doía cada vez mais. A ressaca acabou se misturando com a fome que eu sentia. Meu pai me olhava com fúria em seus olhos e minha mãe com o mesmo olhar amargurado de sempre. Minha visão ficou turva e minha voz falhou, assim, do nada.
- Tudo bem com você, Penelope ? – James finalmente disse algo durante todo o almoço.
- Sim, sim – Respondi, quando a verdade é que eu sentia meu coração parando.
- Ei – Cambo se levantou para me segurar, já que minhas pernas começaram a cambalear.
Meu estômago começou a roncar mais e mais. A fome de repente me atingiu como um tiro de um caçador procurando sua presa – rápido e arrematador.
A discussão provavelmente consumiu minhas ultimas fontes de energia.
Meu pai finalmente me olhou com um olhar preocupado – assim como todos os outros na mesa de jantar.
- Tem certeza de que tá tudo bem com você? – Cambo perguntou.
Não, eu queria dizer, mas minha boca simplesmente não se abria. E se abriu, não produziu nenhum som.
- Penelope? – Minha mãe dizia enquanto eu caía nos braços de Cambo.
Tudo foi ficando cada vez mais preto e, meus batimentos, mais baixos. Finalmente deixei me levar pela fraqueza e minhas pernas cederam de vez, assim como meus olhos, que se fecharam lentamente.

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