Capítulo sem título 7

19 1 0
                                    

- Vim assim que você me ligou – Alice disse, empurrando a porta e entrando com tudo em minha casa. – Então quer dizer que Campbell Carsley quer ir à festa com você? À festa do James? Eu não perderia isso por nada no mundo!
- Alice... – Suspirei. – Não é tudo isso. É só uma festa. E Cambo é só um garoto.
- Cambo? – Indagou, curiosa. – Então vocês têm apelidinhos?
Joguei uma almofada nela, que riu e a jogou de volta em mim.
- Então tá. Trouxe tudo o que você pediu – Ela jogou suas grandes bolsas Louis Vuitton em meu sofá. – Roupas, sapatos, maquiagens... Ai, Penny! Senti sua falta nas festas. Ainda bem que Cambo te convidou. – Alice então me abraçou. Havia algum tempo que eu não sabia o que era uma festa de verdade ou um abraço de amiga. – Eu estou morrendo de fome, o que você tem aí?
Alice abriu minha geladeira, como nos velhos tempos. Observei-a buscando algum pacote apetitoso no armário e na geladeira.
Ofereça para ela os cookies, ofereça!
Obedeci Mia, indicando onde os cookies malditos estavam. Eu sabia o porquê dela querer que Alice os comesse. Eram calóricos. Muito calóricos. Carboidratos e gorduras, tudo em excesso. Alice agradeceu e comeu cinco de uma vez, seguidos por um copo de Coca Cola gelada. Podia sentir o sorriso frio de Mia. Não posso negar que também gostei da sensação de vê-la se empanturrando. Senti prazer.
Prazer de ver minha melhor amiga engordando.

Passamos o resto da tarde rindo e contando segredos uma para outra. Ela testou maquiagens em mim e vesti várias de suas roupas. Ela também provou algumas minhas, mas pelo fato do avô de Alice ser um duque, ela obviamente tinha coisas mais interessantes do que eu. O mais intrigante de tudo isso era o fato de minhas roupas ficarem apertadas nela e as dela ficarem largas em mim. Sempre foi o contrário.
Você vê? Seu esforço está valendo a pena, Mia me disse. Apesar de Alice ser minha melhor amiga – a única que sobrou -, eu ainda desejava ser melhor, mais magra e mais bonita do que ela. Sorri com as finalmente doces palavras de Mia.
Mas não vá estragar tudo hoje á noite. Cambo a quer perfeita.
- Aí eu disse pro Aaron ir e ele me disse "ah, quem sabe eu vá". Quem ele pensa que é? Alice Duncan não espera homem nenhum! - Ela se levantou, nervosa. – Você não acha, Penny?
- Claro, claro – Eu disse, involuntariamente. Não estava realmente prestando atenção no que ela dizia.
- Posso acender um cigarro aqui? Ou você, além de ter parado de transar, parou de fumar também?
- Você fala como se eu fosse uma vagabunda, Alice – Revirei os olhos para ela. – Transei com um cara a minha vida toda.
- Apenas um, mas também não podiam ver um quarto vazio – Disse, pegando um isqueiro rosa em seu bolso e indo em direção á janela. – Você poderia aumentar sua lista hoje à noite. O que acha? – Ela riu.
- Não vou fazer nada com Cambo, Alice! – Peguei o cigarro de sua mão e dei um trago. Havia algum tempo que eu não fazia isso, talvez por este motivo senti-me tonta. – Não sou mais assim. Aliás, nunca fui.
- Chegava bem perto disso – Agora foi sua vez de tragar e jogar a fumaça janela afora. – A minha teoria ainda é de que você se trancou no seu quarto, pois estava se transformando em uma barata. Tipo naquele livro que nós fomos obrigadas a ler na sétima série.
- Alice! – A empurrei. – Uma barata? Não podia ser algo mais bonito?
- Que seja – Ela riu, me empurrando de volta. – Vou tomar meu banho e depois é sua vez. A que horas Campbell disse que chegaria?
- Às 21:00.
- Ótimo, não quero estar aqui quando ele chegar. Quem sabe vocês não queiram fazer um esquenta aqui mesmo?
Ri mais ainda de sua cara de pervertida.
- Entre logo no chuveiro, Alice – A empurrei até fechar a porta do banheiro.
Liguei o rádio no volume mais alto. Peguei mais um dos cigarros de Alice. Parei de fumar quando minha mãe achou um maço jogado na minha cama, mas bem... Mamãe não estava aqui agora. Tragava e jogava as cinzas pelo quarto depois. Fiz isso com mais ou menos cinco deles. Eu realmente precisava daquilo, já que estava ha mais de um dia sem comer. A fome em meu estômago era tanta que eu nem a sentia mais. E o cigarro me ajudaria a suportar o resto da noite sem nada entrando no meu organismo.
Alice saiu do banho e depois foi minha vez. Não demorei muito, pois estava ficando em cima da hora. Depois que saí do chuveiro, toda aquela bagunça começou de novo.
- Ei – Alice disse, pegando algo dentro de sua bolsa. – Olha o que eu consegui.
- Alice! –Eu ri, olhando para aquele plástico com ervas dentro.
- E é da colombiana – Ela então forçou um sotaque latino. – Vou guardar para a festa, fique tranquila. Me custou caro.
- Transou com um mexicano pra conseguir isso?
- Ele não era mexicano... – Alice fez cara de santa. Coisa que ela sem dúvida, não era. – Eu acho.
Bem, eu passava longe da maconha. Não porque era droga e era proibido, mas nas vezes em que pude experimentar, Mia já havia se implantado em minha mente. A maconha dá uma fome do cão, e a última coisa que eu quero agora é ficar faminta.
Fome é inimiga, assim como as calorias, me dizia.
- Você não vai se trocar? – Alice perguntou, percebendo minha falta de atenção.
Ela já estava pronta. Vestida e maquiada, linda como sempre. Usava uma saia cintura alta florida e solta, de cetim. A camiseta branca possuía um decote que certamente deixaria Aaron com muita raiva por não ter ido á festa. O salto era um velho conhecido meu; um scarpin vermelho Chanel que havia ganhado do meu pai ano passado, quando completei 15 anos. Seus cachos ruivos estavam soltos e seus olhos claros, destacados pela maquiagem.
- Vai logo, daqui a pouco Cambo está aqui.
Obedeci-a, então. Vesti-me e ajeitei meu cabelo, fazendo cachos nas pontas. Olhei-me no espelho, ajeitando minha roupa, para minhas gorduras não ficarem tão á mostra. Tentei não chorar vendo aquele reflexo tão nojento. Todos os dias era a mesma coisa. E as marcas em meu pulso continuavam ali. Não havia cigarro no mundo que faria aquilo desaparecer. Meus olhos ficavam cada vez mais e mais molhados. Por que Cambo me queria a seu lado? Não fazia sentido. Não fazia o menor sentido... Era como a Bela e a Fera, mas ao contrário.
Eu avisei para você não comer aqueles cookies semana passada. Eu só quero o seu bem, Penelope, por isso estou aqui. Só quero te ver bonita... Bem, você não está nenhum pouco bonita agora – está bem gorda, pra ser sincera.
- Cale a boca – sussurrei para mim mesma, sentando-me na tampa da privada, olhando para cima, tentando não chorar.
Você acha que chorar vai resolver algo? Só resolveria se ao invés de lágrimas, gorduras caíssem. Você chora demais. Se fosse fácil assim, você estaria magra como aquela modelo da foto. Mas não é. Abra seus olhos e se olhe no espelho, obedeci então. A visão era turva, mas eu conseguia enxergar a gordura em meus braços, meu rosto, minha barriga... Tudo em mim era gordura. Mia estava certa. Eu nem devia ir à festa hoje à noite. Não quero passar vergonha.
- Penny? – Alice bateu na porta. – Tá tudo bem? Já se vestiu?
Limpei as lágrimas e torci para minha voz não sair trêmula.
- Já estou saindo. Só estou... Arrumando o vestido. – Disse, levantando-me. Lavei o rosto – que por sorte, ainda não havia maquiado – e coloquei um sorriso na cara. O sorriso mais falso que eu já vira.
- Uau – Alice disse, enquanto eu abria a porta, toda sem graça. – Você está linda.
Alice é uma mentirosa. Não confie nela.
- Que seja.
- James vai se arrepender de ter feito o que fez – Ela comentou.
Eu usava um vestido tomara que caia preto, colado ao corpo. Pior impossível, mas Alice havia escolhido e dito que ficaria maravilhoso no meu corpo. Coloquei um colar prata e um salto preto de Alice. Ela me maquiou e depois foi embora. A maquiagem havia ficado realmente bonita, não podia negar. Um batom rosa claro, mas meus olhos estavam esfumaçados em preto, realçando ainda mais a sua cor. Por um momento pensei que estava bonita. Mas passou...
Logo a campainha tocou. Recusei-me a me olhar no espelho, mas peguei minha coleção de grossas pulseiras e as coloquei. Certifiquei-me de que nenhuma marca da minha infelicidade apareceria esta noite.
Novamente coloquei aquele velho sorriso no rosto e abri a porta.
Cambo estava lá, com o mesmo cabelo bagunçado de sempre e olhos tão lindos como o amanhecer. Quando encontraram os meus, um sorriso apareceu em seu rosto.
- Oi – Eu finalmente disse.
- Oi... – Cambo falou, como se estivesse sussurrando. – Você está linda, Penny. Mesmo.
- Obrigada – eu disse, fechando a porta. – Vamos?
- Sim, claro – Ele disse, passando sua mão por minha cintura e me acompanhando até o sedan cinza. – Meu pai não queria me emprestar, mas quando eu disse que era pra levar você, minha mãe quase implorou para que ele deixasse.
Eu ri.
- Sua mãe gosta mesmo de mim.
- É, e isso é raro. Ela geralmente não gosta das meninas com quem eu saio – Ele falou, e depois tentou reverter o que disse. – Quer dizer, não que eu e você estejamos saindo... Bem, nós estamos agora, mas não desse jeito que você está pensando... Não que eu ache que você está pensando algo desse tipo, você não me parece esse tipo de garota.
- Esse "tipo de garota''? – Perguntei, cada vez mais curiosa para ver até onde ele queria chegar com isso.
- É, você sabe – Disse, ligando o carro. – Você não fica atrás de mim nos corredor do colégio. Aliás, de vez em quando eu penso que você quer mesmo é fugir de mim, mas... Você não me parece esse tipo de garota fútil que só se importa com a aparência e com quantas calorias cada coisa tem. Sério, isso é irritante.
Engoli o seco.
- Irritante? – Perguntei, na esperança de ter ouvido outra coisa.
- É, irritante – Repetiu. – Quem se importa com quantas calorias um hambúrguer tem? É ridículo.
Bem, eu me importo.
- É... Você tem razão. – Eu disse, tentando esconder a frustração e a vergonha em minha voz. - Vamos ouvir algo?
- Verdade, quase me esqueci – Cambo sorriu e esticou seu braço até o botão On do rádio.
- Deixa aí, deixa aí! – Eu disse espontaneamente ao ouvir a melodia da música.
- Beatles? Você gosta? – Ele riu. – Que estranho.
- Estranho? – Perguntei, enquanto imitava o som do baixo com a boca.
- É, você é estranha. Mas é um estranho legal – Cambo então me fitou com aqueles grandes olhos verdes, que me deixaram corada, o fazendo rir mais ainda da minha cara.
(N/A: Clique para ouvir)
- Something in the way she moves... - Cantarolei enquanto o vento balançava meus cabelos.
- Attracts me like no other lover – Cambo continuou, colocando um sorriso em meu rosto - Something in the way she woooos me...
Ri do falsete que ele fez nessa parte da música.
- You know I believe and how... Pampanam-pam-pam-pam.
Cambo riu de mim, assim como eu fiz dele. Um sorriso estampou seu rosto, que automaticamente me fez sorrir mais ainda.
- Somewhere in her smile she knows, that I don't need no other lover – Ao dizer isso, Cambo piscou para mim, como se aquela música dissesse o que ele – e talvez eu, devo admitir – estava sentindo.
Nós dois continuamos cantando a música e chacoalhando nossas cabeças como se fôssemos os próprios John e Paul. Nós dois riamos e fazíamos caretas, até fingíamos que nossas mãos eram microfones.
- You're asking me will my love grow... – Cambo fez uma pausa. – Sua vez, Penny!
- I don't know, I don't knooooow! – Aumentei tanto o tom da minha voz que a senhora parada na rua em frente ao farol me olhou estranho.
E foi assim o resto do caminho. Cambo até cantou Spice Girls comigo, atraindo mais olhares estranhos – dessa vez, de garotos. Eu não conseguia parar de rir dele e nem ele de mim. Nós dois também conversamos um pouco. Nada realmente importante. Apenas assuntos como Victoria Beckham e anos 70. Algumas vezes eu o pegava olhando pra mim, e quando nossos olhares se encontravam, algo acendia em mim. Cada vez algo novo e diferente.
Eu não assumiria que um garoto, em tão pouco tempo, havia me deixado "apaixonada". Jurei a mim mesma que isso não aconteceria de novo. Mas... O que fazer quando você sabe que não pode controlar este sentimento? Nem Mia podia me aconselhar agora.


DETERIORATEOnde histórias criam vida. Descubra agora