Acordo assustado. Minha mãe bate na porta com violência, mas ao mesmo tempo com carinho. As batidas são repetidamente sincronizadas. Olho no relógio, 06:59. Gosto de acordar antes do meu despertador das 07:00. Na verdade eu gosto de ver a hora passar. Aqueles 4 números parecem ser tão irrelevantes mas são tão importantes. Tempo é tudo. Vida e morte estão a mercê do tempo. Abro meu guarda-roupas, e uma avalanche de roupas cai sobre meus pés. Havia esquecido que na noite anterior, quando minha mãe pediu para que arrumasse meu quarto, eu tinha jogado tudo dentro do guarda-roupas. Fecho os olhos, e tateando a pilha de roupas pego uma calça e duas blusas, faço isso quase todas as manhãs. Acho idiotice ficar escolhendo roupas, se preocupando se a blusa vai combinar com a merda dos tênis. Pra mim tanto faz, eu não quero impressionar ninguém, nem ninguém me nota, tanto faz a roupa que eu use. Desço as escadas correndo, e meu pai briga comigo, ele está de costas, então eu dou dedo pra ele sem ele perceber. Ao chegar na cozinha o cheiro de Eatons me rodeia e sinto um pouco de ânsia, o que é estranho, porque é um dos meus pratos favoritos. Eatons é uma comida típica de Spitpurg , é basicamente ovo e bacon, porém o ovo e cozido e o bacon é o tradicional, frito. Mas ele não é comido separadamente, nós batemos os dois no líquidificador, até formar uma massa, de aparência feia, mas bem saborosa. Depois esquentamos um pouco na frigideira, e pronto, o maravilhoso Eaton. Sento na mesa e começo a comer, minha mãe me dá um tapa
- Nicholas! Se esqueceu de agradecer?
Coloco minhas mãos em forma de prece, e em minha mente digo
"Babaquice! Que morram todos os católicos!"
- Amém! - digo, falsamente.
O resto do café da manhã passamos em silêncio, como sempre, não somos uma família muito comunicativa. Não sei se é pelo fato de que eu não me importo e realmente não faço nenhum esforço para puxar alguma conversa, ou se é porque meus pais realmente não gostam de mim. Creio que seja a segunda opção, eles sempre quiseram uma menina. Fui para o ponto do ônibus as 08:00, normalmente ele passa as 08:10, 08:15 no máximo, mas não naquele dia. Já eram quase 08:30 quando decidi ir à pé para a escola, não era um caminho longo, só ia de ônibus porque meus pais falam que é um "bairro perigoso para uma criança como eu". Pensei em matar aula, mas infelizmente hoje a primeira aula seria de Filosofia, com o professor Sleth, um amigo de família. O professor Sleth é um dos 3 professores que me vigiam a pedido dos meus pais, não me importo de ele me vigiar, até porque acho ele legal as vezes, as aulas dele são muito interessantes. Eu amo quando ele fala da hipocrisia das igrejas e de que deveríamos devolver o planeta Terra para o ET'S egípcios. Sim, ele acredita em ET'S, e sim, ele também acha que toda antiga civilização egípcia eram ET'S, por isso conseguiram fazer as pirâmides. Viro a esquerda na Rua Lorden e decido ir pelo caminho mais longo, talvez eu chegue atrasado, mas não importa, eu sei que as aulas não vão começar pontualmente porque vai ter uma reunião com toda a escola para resolver questões da votação para o grêmio, besteira. Mais besteira ainda porque Alicia e Peter vão estar concorrendo, e rolam boatos pela escola que eles já estão planejando a festa de vitória deles. Não duvido nada, eles sãos as pessoas mais populares da escola, a vitória deles já é certa. Vou andando pela grama do parque Saint, e ao olhar pro lado vejo um casal de esquilos correndo um atrás do outros, brincando. Uma lembrança vem subitamente do fundo do meu subconsciente, é uma lembrança forte, que faz minha cabeça doer. A lembrança é de quando eu tinha 8 anos, eu estava ali, naquele mesmo parque brincando com Joseph e Alicia. Consigo ver nitidamente o sorriso estridente deles, estão muito felizes. Escuto um som, que me parece familiar, é um som de uma risada, a minha risada. A nostalgia toma conta do meu ser, e sinto uma dor no coração. Lágrimas caem sobre o meu rosto, e as limpo com o polegar.
- Pare de se enganar Nicholas, aquele tempo passou, nada daquilo vai voltar. Nem sua felicidade, nem sua vida, nem Alicia e principalmente Joseph, aquele mané que morreu... -
- PARA! - grito
Os pássaros voam dos galhos, assustados, deixando folhas para trás, folhas que caem no meu rosto molhado por lágrimas.
- Tudo está bem, tudo está bem... - repito para mim mesmo em voz alta. Percebo que estou no chão, me levanto rapidamente e limpo meu rosto. Em seguida corro o mais rápido que posso, daquele lugar, e daquela lembrança.
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Contando A Vida Em Segundos
AcakNicholas Bourn é um problemático adolescente que vive na cidade de Spitpurg. Mesmo decidido a se matar, ele irá perceber que as vezes a morte não é a melhor opção, ou talvez seja.