Surpresa

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Enquanto tirava a jaqueta, Christopher examinou novamente a montanha de malas e de caixas na sala. Talvez aquele assistente administrativo de Dulce não fosse assim tão eficiente quanto ela proclamava, do contrário já teria removido tudo aquilo, como prometera.Porém, a presença das malas o deixava intrigado. Não se lembrava de tê-las visto ali, mas àquela altura já não tinha certeza de nada.

- Dulce? - tornou a chamar, apenas para se assegurar de que ela não estava. Novamente, não houve resposta.

Voltou a atenção para seus pés frios. Agora que o adormecimento passara, a batida que dera lhe doía bastante. Precisava de meias secas.Não se incomodou em acender as luzes, ao entrar no quarto. Abriu a primeira gaveta da cômoda e apanhou um par de meias de lã, sentando-se na beirada da cama para calçá-las.

Quando ia levantar-se, apoiou-se no colchão e seus dedos tocaram algo duro. Um pé. Christopher deu um pulo, assustado, e correu para acender a luz, mas, assim que viu a cascata de cabelos ruivos espalhada pelo travesseiro, recobrou o controle.Dulce. Então ela estava ali.Embora estivesse calmo, seu coração continuava batendo enlouquecido dentro do peito. Mesmo dormindo, sua ex-mulher tinha o poder de abalar todo o seu sistema nervoso, especialmente quando o pegava de surpresa.Ficou parado por alguns instantes, apenas fitando-a. Ela encolhera uma perna e deixara a outra esticada, na posição habitual em que dormia. Um dos braços abraçava o travesseiro e a mão apoiava o rosto.

De repente, estarrecido, Christopher reparou que ela ainda trajava as roupas de trabalho.Algo estava errado. Se conhecia alguma coisa de Dulce, sabia que ela jamais se deitaria daquela maneira; pois possuía um ritual rígido que seguia antes de dormir, que incluía a remoção da maquiagem, a aplicação de cremes e a escovagem dos cabelos. Podia ficar sentado durante horas, observando-a cumprir seu ritual, adorando ver seus cabelos ruivos brilhando sob a luz, enquanto ela os escovava.Às vezes Dulce o provocava de propósito, sentando-se à penteadeira apenas de calcinha e penteando os cabelos até que ele ficasse enlouquecido de desejo. Então, deixava a escova e caminhava para a cama devagar, insinuante, tão excitada quanto ele...

Balançou a cabeça para afastar a imagem. Era óbvio que ela não se dedicara a nenhum ritual, naquela noite. Os cabelos estavam embaraçados, com alguns grampos surgindo aqui e ali. Olhando mais de perto, pôde ver que Dulce não havia retirado a maquiagem e nem mesmo as jóias. Conseguira tirar o casaco, que estava jogado no chão ao lado da cama, mas apostava que estava completamente vestida, sob as cobertas. No entanto, não teve coragem de verificar.

Ela estaria doente?, pensou, tocando-lhe a testa, e ficou aliviado ao perceber que não tinha febre. Permitiu que a mão tocasse aquela pele macia por mais tempo do que o necessário, tentando decidir se devia ou não acordá-la.Finalmente, resolveu não incomodá-la. As olheiras eram uma evidência de sua exaustão, portanto era melhor deixá-la descansar. Mas, quando ela acordasse, faria com que se mudasse de uma vez, nem que fosse preciso ele carregar as caixas pessoalmente.

Dulce sonhava que estava a uma mesa de seu restaurante chinês preferido, tendo na sua frente um prato delicioso. Pegou os pauzinhos e juntou uma porção, mas, quando levou a comida aos lábios, percebeu que não sentia gosto de nada. Tentou novamente; porém, frustrada, viu que, quando o alimento alcançava sua boca, desaparecia.Gradualmente, foi acordando no quarto em penumbra, dando-se conta de que, enquanto a comida era apenas um sonho, o aroma que sentia era bem real. Havia comida chinesa em algum lugar daquela casa e ela iria encontrá-la.

Sentou-se, despertando totalmente. O cheiro de comida significava que Christopher estava em casa. Saberia que ela estava ali?Seu estômago roncava, furioso e faminto, enquanto ela saía de sob as cobertas. Na ponta dos pés, foi para o corredor, parando à porta da sala de estar.

Christopher estava sentado no chão, de costas para ela, inclinado sobre a mesa de centro e comendo uma especialidade de seu restaurante chinês favorito.Vestia um suéter de tricô que evidenciava seus ombros largos e musculosos, e os cabelos loiros cobriam-lhe a nuca, bem mais compridos do que Dulce se lembrava. Certamente, sem ela para lembrá-lo de cortá-los, ele se esquecera.

- Christopher?Apesar de tê-lo chamado baixinho, viu que os ombros dele se contraíram, e ele largou o garfo na mesa.

- Dulce, o que está fazendo aqui? - perguntou, sem se virar. - Pensei que já estivesse instalada na sua cobertura.

- Não é uma cobertura - ela retrucou, mordendo o lábio para evitar uma resposta mais irritada.O calor que vinha do aquecedor a lenha levou-a a aproximar-se do sofá. Caminhou devagar até ficar à frente de Christopher.

Esperou que ele a olhasse, reparando que seus olhos castanhos mostravam um brilho de impaciência, no início, para então demonstrarem curiosidade, quando ela permaneceu em silêncio.

- Posso comer um pouco? - Dulce perguntou, afinal, sabendo que se pusesse um pouco de comida no estômago poderia controlar melhor aquela situação inusitada.

Christopher pegou um dos sacos de papel pardo e retirou duas embalagens de isopor.

- Fiz o pedido para dois, portanto fique à vontade e sirva-se. Não estou com tanta fome quanto imaginava.

Dulce ajoelhou-se e agarrou as duas embalagens. Estava faminta demais para ir até à cozinha e pegar um prato e um garfo. Desembrulhou os pauzinhos e começou a encher a boca com bocados de arroz e frango frito. Comeu apressadamente por algum tempo, até sentir que o vazio em seu estômago começava a se desfazer. Quando parou e olhou para cima, Christopher a observava, evidentemente chocado.

- Dulce, o que há de errado com você? - ele perguntou.Ela afastou a comida e recostou-se no sofá.

- Estava com fome - respondeu, baixando os olhos. - Não como nada desde... Não sei, mas faz bastante tempo.

"Com fome?!", ele pensou. Dulce, cujos modos à mesa eram mais que perfeitos, avançara sobre aquela comida como se fosse Conan, o Bárbaro. Novamente, Christopher deu-se conta de que algo muito sério acontecera com ela, além do mero cansaço da viagem ou da ansiedade pelo divórcio.

- Dulce, o que está errado? - tornou a perguntar, com mais suavidade, desta vez.

Try Again (Vondy-Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora