Susto e Arrepio

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- Acho que não há problema em você ficar aqui - ele falou, tomando todo o cuidado para seu gesto não ser interpretado como caridade.

Sabia que ela preferiria dormir na rua a admitir que precisava dele. Mas Christopher via o quanto Dulce precisava, e o fato de saber que a ex-mulher estava fragilizada fez surgir nele um novo sentimento. Depois de alguns minutos ela se virou, sem qualquer sinal de lágrimas nos olhos.

- Estou bem, agora - murmurou. - Desculpe, não tinha intenção de perder o controle.

- Bem, eu não diria que você "perdeu o controle". Mas quando tiver vontade de chorar, Dulce, saiba que tenho ombros bem largos, o suficiente para apoiá-la.

- Sei disso - ela concordou, com suavidade, porém em seguida retomou sua posição orgulhosa. - Mas não se preocupe, que não vou precisar deles. Já estou bem grandinha e vou lidar com esta situação como uma adulta.

- Os adultos também podem chorar, de vez em quando.

- Não gosto de chorar. - Ela parecia irritada, agora, porém, mais consigo mesma do que com ele. - É um sinal de... fraqueza - juntou.

- E você é uma "durona", não é? Não quer que ninguém pense o contrário. - Christopher não conseguiu evitar que uma ponta de amargura soasse em sua voz. - Imagino que faça parte de seu código de honra não aceitar ajuda ou simpatia de alguém, principalmente de seu marido... isto é, de seu ex-marido.

Dulce lançou lhe um rápido olhar de aviso.

- Está bem - ele desculpou-se. - Foi um golpe baixo. Não quero reabrir velhas feridas. Em todo caso, estou aqui, se precisar, está bem?

A expressão dela suavizou-se quase imperceptivelmente.

- Obrigada, Christopher, mas... Apenas obrigada.

- E não se preocupe com a mudança, não há pressa. Estou certo de que você terá problemas mais graves a resolver, por isso não deve fazer da mudança uma prioridade. Alguns dias a mais não farão diferença.

- Obrigada. Mas me sentirei melhor se fizer tudo amanhã.

- Como quiser. - As palavras soaram mais duras do que Christopher pretendia. Por que ela achava tão difícil aceitar alguma simpatia da parte dele?

- Vou dormir no quarto de hóspedes - Dulce afirmou.

- Como quiser - Christopher repetiu, virando-se antes que pudesse dizer alguma coisa de que se arrependesse mais tarde.

Abriu o aquecedor e colocou mais uma tora de lenha. Quando se voltou, ela já havia saído e, minutos depois, ouviu o ruído de água no banheiro. Retirou as malas do hall de entrada e levou-as para o quarto de hóspedes, imaginando por que se incomodava em ajudá-la.

Dulce acordou antes que o sol nascesse, na manhã seguinte, sentindo-se desorientada até que seus olhos se acostumassem à escuridão. Ao reconhecer as paredes de sua casa, relaxou e estendeu a mão, à procura de Christopher a seu lado. Quando encontrou apenas o vazio, lembrou-se de como e por que estava dormindo no sofá-cama, e seu coração apertou-se, desapontado, como em dezenas de outras manhãs.

Espreguiçou-se e bocejou, sentando-se, resignada. Pelo menos conseguira dormir profundamente. Talvez hoje estivesse mais bem preparada para encarar o mundo do que no dia anterior. Franzindo a testa, lembrou-se de seu comportamento na véspera, lacrimosa e confusa, praticamente implorando a Christopher que a deixasse ficar. O som de sua voz reacendera lembranças desagradáveis de sua infância, lembranças de uma outra mulher que sempre tinha de pedir, e às vezes implorar, por coisas tão simples quanto um vestido novo ou pela permissão de usar o carro da família.

Com aquelas lembranças, tivera um ligeiro receio de que Christopher pudesse aproveitar de seu fracasso e negar seu pedido por um lugar para dormir. Porém, tal sensação logo passara e ela compreendera que nada tinha a temer. A despeito de todas as dificuldades que tiveram durante o casamento e de toda a amargura que surgira entre eles, Christopher era generoso demais para ignorar o pedido de alguém, mesmo o dela. Era bem diferente de seu pai. E, felizmente, ela também era bem diferente de sua mãe.

Tomou um banho rápido, maquiou-se e penteou os cabelos, pensando no que poderia vestir que não estivesse amassado demais. Decidiu-se por uma blusa branca, saia xadrezinha de branco e preto e casaquinho preto de lã. Sentindo-se no controle de si mesma, agora que estava arrumada, foi para a cozinha e começou a preparar o café. Abriu a geladeira e, ao ver o que continha, ergueu os olhos, exasperada. O que Christopher estaria comendo? Pelo jeito, nada além de comida chinesa. Nenhum deles jamais tivera tempo ou inclinação para a cozinha, mas ao menos ela costumava manter a geladeira estocada com alimentos fáceis de preparar. Relutante, pegou um ovo. Normalmente não costumava comer muito de manhã, mas desde que não sabia qual seria sua próxima refeição, decidiu alimentar-se.

Acabara de quebrar o ovo na frigideira quando ouviu um ruído atrás de si. Era Christopher, abrindo a porta. Esperara poder sair antes que ele acordasse, pois seus nervos frágeis poderiam não suportar um novo encontro com o ex-marido. Virou a cabeça e viu-o entrando na cozinha com seu passo lento de todas as manhãs. E também com a única roupa com que costumava dormir: um short de malha. Sua respiração acelerou-se com a visão do corpo bem-feito. Christopher e ela haviam se tornado incompatíveis em muitos aspectos, mas no campo físico jamais houvera qualquer problema. Era impossível manter-se fria diante do homem quase nu com quem compartilhara momentos inesquecíveis.

Tentou distrair-se procurando uma espátula na gaveta e, de repente, sentiu que uma mão abraçava sua cintura enquanto um beijo quente e suave era pousado em sua nuca.

- Bom dia, amor - ele falou, virando-se para pegar uma xícara no armário.

Dulce ficou imóvel. Christopher não a havia tocado desde a noite em que concordaram que o casamento era uma causa perdida. Haviam se passado quase três meses, e seu corpo, obviamente, sabia que estava sendo privado de algo essencial, pois o simples toque daqueles lábios em sua pele a fez tremer inteira.

Try Again (Vondy-Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora