Até María, até Luís.

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Voltou-se para ele, pronta a fazer um discurso sobre aquele beijo, quando percebeu que ele não estava inteiramente acordado. Recostado no balcão, mantinha a xícara nas mãos enquanto os olhos se semicerravam.

- Ei, acorde! - Dulce falou, dando-lhe um leve tapinha no rosto. - Tome um pouco de café e trate de vestir alguma roupa, antes que pegue um resfriado.

Voltou a atenção para o ovo na frigideira. Um momento se passou, num silêncio angustiante. O que ele estaria pensando? Quando o ovo estava no prato e o fogão desligado, Dulce tornou a olhar para ele. Christopher a observava, bebericando o café, a expressão fechada.

- Desculpe, Dulce - ele falou. - Sabe como sou, quando acordo.

Sim, ela sabia. Amoroso, carinhoso, sonolento e cheio de preguiça. Dulce perdera a conta das manhãs em que voltara para a cama, depois de pronta e arrumada para o trabalho, pela simples razão de que ele era persistente e irresistível.

- Acho que, por alguns minutos, me esqueci de que estamos divorciados - ele juntou.

- Eu entendo. - Ela levou o prato para o balcão que servia de mesa, separando a sala da cozinha, consciente de que Christopher a observava. A ideia de que ele também estaria se lembrando daquelas manhãs fazia seu estômago contorcer-se.

De repente, perdeu todo o apetite, mas assim mesmo forçou-se a comer. Sabia que iria precisar das proteínas. Em silêncio, Christopher saiu. Quando ela acabou de comer e de lavar seu prato, ele reapareceu, já de banho tomado e vestido com um jeans muito colado e um suéter azul Royal. O jeans ajustava-se em seus quadris de tal forma que provocava pensamentos proibidos em Dulce e, em silêncio, ela recriminou-se por ser ainda tão vulnerável à ótima aparência de Christopher.

- Antes que eu saia, deixe-me perguntar mais uma vez - ele falou, vestindo um par de botas: - há alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-la? Você precisa de alguma coisa?

Ela quase lhe pediu dinheiro para o táxi até seu escritório, mas no último segundo se conteve. Pedir um trocadinho aqui e ali era algo que sua mãe costumava fazer.

- Não, obrigada, Uckermann. Já fez muito permitindo que eu passasse a noite aqui.

- Não foi nenhum sacrifício. - Ele vestiu a jaqueta e acrescentou: - Bem, calculo que já terá se mudado, quando eu voltar, à noite.

- É.

- Então acho que devemos nos despedir - ele prosseguiu, com um sorriso desapontado que fez o coração de Dulce se contrair. - Da última vez que nos vimos, estávamos zangados demais um com o outro para poder dizer adeus.

- É verdade - ela concordou, sentindo a boca subitamente seca.
Ele estendeu-lhe a mão:

- Até qualquer dia, Maria. Espero que tudo dê certo para você.

- Para você também,Luís. - Suas mãos encontraram-se, e Christopher segurou com força as dela por um momento, até soltá-las abruptamente, como se o contato o incomodasse.

Depois que ele saiu, Dulce deixou-se ficar à porta por um instante, vendo-o desaparecer, tentando escapar da onda de tristeza que se abatera sobre ela. Forçou-se a encarar a realidade. Sequer esperara ver Christopher novamente, então por que aquele adeus formal a deixara tão desolada? Voltou a atenção para problemas mais imediatos. Primeiro, precisava ligar para o corretor imobiliário e pedir as chaves de seu novo apartamento. Depois, teria de encontrar uma empresa de mudanças que cobrasse um pouco menos do que a dívida externa.

E, finalmente, pensou com desgosto, teria de andar até à agência do banco e sacar o que restava de seu cartão de crédito, a fim de ter alguns trocados na bolsa. Procurou um cartão na bolsa e discou o número da imobiliária.

Finalmente o sr. Wolowitz atendeu. Dulce explicou do que se tratava e o que desejava, recebendo como resposta um longo silêncio do outro lado da linha.

- Sr. Wolowitz? Há algum problema? - perguntou.

- Sra. Saviñón, seu contrato de aluguel dizia que a senhora deveria tomar posse do apartamento e pagar o primeiro mês de aluguel há três dias - o homem falou.

- Sim, mas, como expliquei, fiquei retida na Europa e não pude me comunicar - Dulce retrucou, pressentindo contrariedades.

- Bem, sinto muito, mas sua omissão tornou o contrato nulo.

Dulce começou a irritar-se. Será que ele estaria querendo aumentar o preço do aluguel?

- Então como posso renovar o contrato? - perguntou, paciente.

- Não pode. Já aluguei o apartamento para outras pessoas. Mudaram-se ontem mesmo. Naturalmente, seu depósito será restituído em duas semanas.

Uma onda de pânico tomou conta de Dulce.

- Mas, sr. Wolowitz, isso não pode ser verdade!

- Desculpe, senhora, mas é, sim. Agora, se deseja ver um outro apartamento... Temos aquela cobertura de que a senhora tanto gostou...

- Não posso pagar o aluguel de uma cobertura - ela tornou.

Na verdade, não poderia sequer arcar com as despesas do modesto quarto-e-sala que havia escolhido. Pelo menos, não agora.

- Então receio que não tenhamos mais negócios a tratar, sra. Saviñón.

- Espere, eu...

Mas ele já havia desligado. Dulce bateu o fone, desesperada. E agora, o que iria fazer? De certa forma, imaginou que fora até bom ter perdido o apartamento. Poderia então procurar um lugar mais barato para morar. Porém, com todo seu dinheiro do depósito retido por duas semanas, como poderia pagar o depósito para outro apartamento?

Enquanto se debatia neste mais recente dilema, o telefone tocou. Ela pulou para atendê-lo, pensando se o sr. Baxter teria mudado de ideia.

- Alô?

- Dulce, ainda bem que a encontrei. - Era Annie. - Sei que talvez não vá adiantar nada, mas acabei de receber um telefonema da Gravadora TNT. Estão procurando uma modelo para um vídeo de promoção e ficaram de passar por aqui ainda de manhã. Achei que gostaria de estar presente.

- É claro que sim. Vou já para aí.

Era a pausa de que precisava, Dulce pensou, vestindo seu casaco de pele. Encontraria as melhores modelos para a gravadora. E agora, como iria para o escritório? Remexeu na bolsa e encontrou apenas alguns trocados. Não havia tempo de ir ao banco e não havia dinheiro para o táxi. Só lhe restava uma escolha: pegar o metrô.

Try Again (Vondy-Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora