Prólogo

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Neve caía como uma densa cortina branca no momento em que o avião que trazia Dulce Saviñón pousou no aeroporto John Kennedy, de Nova York, proveniente de um vôo transatlântico. Quando a aeronave tocou o solo, cautelosamente e sem sequer um deslize, Dulce suspirou, grata e satisfeita. Agora que estava em terra firme, poderia declarar que sua excursão de seis semanas pelo mundo da moda europeia havia sido um sucesso. A agência de Modelos Mystique, uma empresa já muito conhecida em Nova York, estava agora atingindo níveis internacionais.
Ainda assim, Dulce estava feliz por a viagem ter terminado. Tivera trabalho suficiente com suas quatro jovens companheiras de excursão, pois não era nada fácil controlar as modelos adolescentes através de toda a Europa. Elas eram atraentes e cheias de energia e muito mais "atiradas" do que ela própria havia sido aos dezessete ou dezoito anos. Apenas mantê-las em suas camas durante a noite havia sido um desafio.
Enquanto o jato 747 taxiava na direção dos portões, Dulce retirou um pequeno espelho da bolsa e examinou-se. Fez uma ligeira careta para si mesma, sentindo-se cansada e amarrotada. Com eficiência e prática, fez alguns reparos na maquiagem e juntou os cabelos, enrolando-os num coque. O toque final foi dado pela boina de cashmere verde que colocou na cabeça, num ângulo enviesado. Tornou a olhar no espelhinho, achando que, agora, tinha uma aparência aceitável.

- Como consegue fazer isso, Dulce? - uma das garotas perguntou, admirada. - Estamos neste avião há oito horas, mas você parece pronta para uma sessão de fotografias.

- Anos de prática - ela respondeu, lançando um olhar desaprovador para a jovem desarrumada. - A gente nunca sabe quando uma câmara vai aparecer - juntou, num tom de aviso. Em seu ramo de trabalho, a imagem era tudo, mas não conseguia que suas modelas compreendessem esse fato inteiramente.
Envergonhada, a garota pegou uma escova e penteou os cabelos revoltos.

As outras moças já estavam de pé no corredor, conversando animadas sobre a escola e namorados, enquanto esperavam, impacientes, que a porta do avião se abrisse. Aquela energia incessante, normalmente uma fonte de divertimento para Dulce, agora a deixava um tanto irritada.
Passaram pela alfândega sem problemas, apesar da imensa quantidade de bagagem que traziam. Logo que todos foram liberados, Dulce seguiu seu caminho para o terminal do aeroporto. Quase imediatamente, as garotas começaram a dar gritinhos de alegria, ao reencontrar os amigos ou parentes que as esperavam, atirando-se nos braços carinhosos.
Mas não havia ninguém à espera de Dulce.
Ela sentiu a garganta contrair-se, enquanto uma onda de solidão a envolvia. Não imaginara o quanto seria difícil chegar em casa sem ter Christopher para recebê-la. Porém, teria de se acostumar com isso, pois, desde o dia anterior, Christopher não era mais seu marido.
Esforçou-se por manter a compostura pelo tempo suficiente de se despedir de cada uma das modelos, abraçando-as com afeição antes que elas seguissem seus próprios caminhos. Apenas quando se recostou no banco traseiro de um táxi, com a densa neve a escondê-la dos olhares curiosos, permitiu-se algumas lágrimas silenciosas.
"É só o cansaço", disse a si mesma. Cansaço e uma pontinha de autopiedade.

- A senhora está bem? - o motorista perguntou, entrando no tráfego pesado, as rodas do carro deslizando na rua molhada.

- Sim, tudo bem - ela conseguiu responder, enxugando os olhos com um lenço. Deu-lhe o endereço da Agência Mystique, em Manhattan, num tom de voz que indicava que não precisava de seu consolo.

Tudo o que queria era tomar um banho quente e dormir durante uma semana. Infelizmente, naquele momento, não tinha certeza se possuía um banheiro e uma cama próprios. Porém, se Luke Castellan tivesse seguido suas instruções com a eficiência de sempre, a chave de seu novo apartamento a estaria esperando no escritório. Luke, seu contador e assistente administrativo, havia concordado graciosamente em fazer sua mudança, enquanto ela estava na Europa.
Dulce pagou o motorista, dando-lhe uma generosa gorjeta por ter carregado sua bagagem até o saguão do edifício. Era bom estar de volta, pensou ao entrar no elevador. Os detalhes luxuosos do prédio que abrigava seu escritório eram uma lembrança reconfortante do quanto seus negócios prosperavam. Durante os últimos meses, agarrara-se ao seu sucesso profissional como a uma âncora, enquanto os fracassos de sua vida pessoal atingiam um ponto máximo e doloroso.
As portas do elevador abriram-se no décimo oitavo andar. Pegando a mala, Dulce subiu os dez degraus que levavam à porta de entrada de sua agência e preparou-se para a série de pequenos problemas que sempre surgiam quando voltava de uma viagem de trabalho.
Annie a esperava no saguão, muito tensa, sentada à mesa da recepção. Ergueu os olhos assustada, a respiração presa por um segundo, quando Dulce entrou. Aquela expressão no rosto frágil da secretária era tudo de que Dulce precisava para saber que não estaria encarando apenas problemas corriqueiros. Algo muito grave havia acontecido.

Confusa, Dulce balançou a cabeça. Seus dedos, ainda frios, tremiam ao retirar o casaco de pele de raposa. Com os olhos sempre fixos em Annie, esperava uma explicação. Quando a secretária não fez menção de falar, perguntou:
- Alguém morreu?

Annie respirou fundo:
- Pior do que isso - declarou. Dulce atirou o casaco nos braços de uma poltrona, num gesto impaciente.

- Vamos lá, não me deixe neste suspense. O que aconteceu?

- Pois bem: recebemos um telefonema do banco, ontem à tarde, avisando que nossa conta estava sem fundos.

Dulce pousou a mão na testa e fechou os olhos, procurando manter-se controlada.
- Sei. E aí?

- Eu sabia que devia haver algum engano, então tentei encontrar Luke para que ele verificasse o problema e... bem, não consegui encontrá-lo. Em parte alguma. Ele... sumiu, e o dinheiro também.

- Sumiu? Sumiu para onde?! - Começando a compreender, Dulce sentiu choque, raiva e incredulidade lutando dentro de si. A raiva levou a melhor. - O que, exatamente, você está dizendo? - perguntou, zangada. - Não está imaginando que Luke Castellan...

- Ele lhe deu um desfalque, Dulce - Annie concluiu. - E não estou imaginando. Ele levou tudo, todo o dinheiro, inclusive os cheques do seguro e do nosso pagamento... - Começou a chorar, soluçando baixinho. Dulce pegou a mão da secretária e apertou-a entre as suas, mais para afastar as próprias lágrimas do que para confortar a jovem. Annie ou Anahí Portilla estava com ela desde o início, há quatro anos. Haviam atravessado muitas crises, no decorrer daquele tempo, mas nunca algo tão grave.

- Você chamou a polícia? - Dulce perguntou, lutando para manter a voz firme.

- Sim, logo que percebi o que havia acontecido - Annie respondeu, afastando as lágrimas com as costas da mão e estragando toda a maquiagem. - Mas não adiantou muito. Estão tentando encontrar Luke, porém acham que ele já saiu do país. Provavelmente foi para a América do Sul.

- Ah, meu Deus... - Enquanto a realidade da situação penetrava mais e mais em sua mente, Dulce caminhou até uma poltrona e afundou-se nela, sentindo que as forças lhe faltavam. - Ah, meu Deus... - repetiu, tremendo incontrolavelmente.

Try Again (Vondy-Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora