Tentando voltar para casa

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- Até quando vai ficar mexendo nesses fios?

Christopher Uckermann olhou para cima de onde estava, sentado no chão, consertando um regulador de voltagem. Sua sócia, Mayim Biliak, fitava-o, parada à sua frente como uma enorme coruja, pronta para dar o bote em sua presa. Com os cabelos desarrumados, longos e embaraçados, ela sempre parecia um pouco desarrumada e os óculos de lentes grossas que usava tornavam seus olhos imensos.

- Então? - ela insistiu.

- Até que eu termine o conserto. Há algum problema?

- São quase sete horas.

- E daí? - Christopher perguntou, dando de ombros.

- "Daí" que eu quero saber quando você vai para casa.

- Mais tarde. - Christopher voltou sua atenção para o aparelho.
- Não pense que está me enganando, seu grande bobo- Mayim falou, de repente, abaixando-se para que pudesse ficar no mesmo nível que ele. - Sei que você esteve dormindo na câmara escura.

- E o que há de mal nisso? - ele retrucou, com fingido desinteresse, recusando-se a levar em conta os insultos. Peg era a única pessoa no mundo que podia insultá-lo, pois Christopher sabia que ela o fazia com as melhores intenções.

- Está com medo de ir para casa, não é?

- Não estou com medo de nada - ele tornou. - Apenas tenho muito trabalho a fazer.

- Que trabalho? As fotos das ferramentas? Estamos fazendo aquele catálogo há oito anos, você consegue tirar as fotos até de olhos fechados.

Christopher levantou-se e deu as costas para Mayim. Encaminhou-se até onde sua câmara estava, sobre o tripé, desviando-se cuidadosamente da intricada rede de fios que se espalhava pelo chão.

- Você não vai falar comigo? - Ela perguntou, aproximando-se dele outra vez.

- Não.

- Ótimo. Guarde tudo para si mesmo, ganhe uma linda úlcera. Eu nem me importo. - Mayim dirigiu-se para a porta.

- Mayim, espere! - Christopher a chamou. Ela parou à porta, mas não se virou. - Sei que você se importa - Christopher falou. - Mas não há nada para dizer. Apenas tenho de me acostumar ao fato de que Dulce não estará em casa, quando eu chegar. Mayim cruzou os braços, batendo a ponta do pé no piso de madeira. - Vou para casa hoje à noite, prometo. Não dormirei mais na câmara escura.

Mayim virou-se:

- Está bem. Mas é melhor você tomar jeito, Christopher, pois não é nada agradável trabalhar dez horas por dia na companhia de alguém que só abre a boca para bocejar. - Com este comentário, o mais próximo de uma ameaça que ela chegara, deu as costas e saiu.

Christopher sabia que Mayim estava certa. Estivera evitando sua casa por semanas. Mas não porque estivesse evitando ver Dulce, de qualquer forma ela quase nunca estava lá. Logo que acertaram o divórcio, ela empacotara todas as suas coisas e pouco aparecia, apenas à espera de que o apartamento que escolhera estivesse vago. Talvez fosse a sensação de vazio que ele evitava. Não conseguia aguentar a visão de todas aquelas caixas na sala.

Porém, já era hora de voltar para casa, agora que Dulce e suas coisas se foram para sempre. Ou, pelo menos, imaginava que tivessem ido, pois a mudança havia sido marcada para alguns dias atrás. Guardou a câmara com uma súbita pressa de ir embora. Depois de ter tomado a decisão, tinha de encarar de uma vez seus demônios. Apagou todas as luzes, vestiu a jaqueta e ligou o alarme contra roubo. Assegurando-se de que tudo estava em ordem, saiu e fechou a porta do estúdio atrás de si. Ficou surpreso ao ver que havia neve no chão. Quando aquilo acontecera?, perguntou-se, olhando para o pés, calçados com um frágil par de tênis. Certamente não haveria um táxi nas proximidades.

Ao chegar à rua estreita e arborizada no Greenwich Village, onde morava, os tênis estavam cobertos pela neve derretida. A despeito do desconforto, não correu para dentro da casa, mas parou um pouco, olhando a fachada recoberta de tijolos, o lugar que compartilhara com Dulce os últimos seis anos de sua vida. Haviam sido imensamente felizes, ali. Meneando a cabeça, subiu os poucos degraus que levavam até à porta, maldizendo baixinho o frio intenso. Entrou sem acender as luzes, trombando com um obstáculo não identificado à sua direita.

Caiu no chão com um ruído surdo, batendo com o cotovelo dolorosamente no piso de madeira.

- Mas que diabo... - murmurou, esfregando o braço machucado e sentando-se. Quando conseguiu focalizar o objeto, percebeu que era uma mala. A mala de Dulce. - Ah, meu Deus, não me diga que... - Levantou-se, olhando em volta da sala e percebeu que as caixas de papelão com os pertences de Dulce permaneciam intocadas.
- Dulce, você está aí? - chamou, mas não houve resposta. "Isso é demais para mim", pensou, tirando os tênis e as meias molhadas.

Se não estivesse tão frio lá fora, teria dado meia volta e retornado ao estúdio. Por que ela não terminava logo com aquilo, em vez de ficar adiando a mudança indefinidamente? Não que ela não estivesse ansiosa por partir. Desde que fizera o depósito para o aluguel de seu apartamento, parecia excitada com a mudança. Afinal, era muito mais bem localizado e muito mais adequado ao seu estilo de vida agitado do que aquela modesta casinha no Village.

Enquanto tirava a jaqueta, Christopher examinou novamente a montanha de caixas na sala. Talvez aquele assistente administrativo de Dulce não fosse assim tão eficiente quanto ela proclamava, do contrário já teria removido tudo aquilo, como prometera. Porém, a presença das malas o deixava intrigado. Não se lembrava de tê-las visto ali, mas àquela altura já não tinha certeza de nada.

Try Again (Vondy-Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora