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18Resgates coletivos

Entendíamo-nos com Silas, acerca de variados problemas,quando expressivo chamamento de Druso nos reuniu ao diretor dacasa, em seu gabinete particular de serviço.O chefe da Mansão foi breve e claro. Apelo urgente da Terrapedia auxílio para as vítimas de um desastre aviatório.Sem alongar-se em minúcias, informou que a solicitação serepetiria, dentro de alguns instantes, e conviria esperar a fim deexaminarmos o assunto com a eficiência precisa.Com efeito, mal terminara o apontamento e sinais algo semelhantesaos do telégrafo de Morse se fizeram notados em curiosoaparelho. Druso ligou tomada próxima e vimos um pequeno televisorem ação, sob vigorosa lente, projetando imagens movimentadasem tela próxima, cuidadosamente encaixada na parede, apequena distância.Qual se acompanhássemos curta notícia em cinema sonoro,contemplamos, surpreendidos, a paisagem terrestre.Sob a crista de serra alcantilada e selvagem, destroços degrande aeronave guardavam consigo as vítimas do acidente. Adivinhava-seque o piloto, certamente enganado pelo traiçoeirooceano de espessa bruma, não pudera evitar o choque com ospicos graníticos que se salientavam na montanha, silenciosos eimplacáveis, à maneira de medonhos torreões de fortaleza agressiva.Em pleno quadro inquietante, um ancião desencarnado, desemblante nobre e digno, formulava requerimento comovedor,rogando à Mansão a remessa de equipe adestrada para a remoçãode seis das catorze entidades desencarnadas no doloroso sinistro. Enquanto Druso e Silas combinavam medidas para a tarefaassistencial, Hilário e eu olhávamos, espantados, o espetáculoinédito para nós ambos.A cena aflitiva parecia desenrolar-se ali mesmo. Oito dos desencarnadosno acidente jaziam em posição de chague, algemadosaos corpos, mutilados ou não; quatro gemiam, jungidos aos pró-prios restos, e dois deles, não obstante ainda enfaixados às formasrígidas, gritavam desesperados, em crises de inconsciência. Contudo,amigos espirituais, abnegados e valorosos, velavam ali,calmos e atentos. Figurando-se cascata de luz vertendo do Céu, oauxílio do Alto vinha, solícito, em abençoada torrente de amor.O quadro patético era tão real à nossa observação, que podí-amos ouvir os gemidos daqueles que despertavam desfalecentes,as preces dos socorristas e as conversações dos enfermeiros queconcertavam providências à pressa...De alma confrangida, vimos desaparecer a notícia televisada,enquanto Silas cumpria as ordens do comandante da instituiçãocom admirável eficiência.Em poucos instantes, diversos operários da casa puseram-seem marcha, na direção do local minuciosamente descrito.Voltando ao gabinete em que lhe aguardávamos o retorno, Silasainda se entendeu com o orientador, por alguns minutos, comrespeito ao serviço em foco.Foi então que Hilário e eu indagamos se não nos seria possí-vel a participação na obra assistencial que se processava, no queDruso, paternalmente, não concordou, explicando que o trabalhoera de natureza especialíssima, requisitando colaboradores rigorosamentetreinados.Cientes de que o generoso mentor poderia dispensar-nos maistempo, aproveitamos o ensejo para versar a questão das provascoletivas. Hilário abriu campo livre ao debate, perguntando, respeitoso, por que motivo era rogado o auxílio para a remoção deseis dos desencarnados, quando as vítimas eram catorze.Druso, no entanto, replicou em tom sereno e firme:- O socorro no avião sinistrado é distribuído indistintamente,contudo, não podemos esquecer que se o desastre é o mesmo paratodos os que tombaram, a morte é diferente para cada um. Nomomento serão retirados da carne tão-somente aqueles cuja vidainterior lhes outorga a imediata liberação. Quanto aos outros, cujasituação presente não lhes favorece o afastamento rápido da armadurafísica, permanecerão ligados, por mais tempo, aos despojosque lhes dizem respeito.- Quantos dias? - clamou meu colega, incapaz de conter aemoção de que se via possuído.- Depende do grau de animalização dos fluidos que lhes retêmo Espírito à atividade corpórea - respondeu-nos o mentor. -Alguns serão detidos por algumas horas, outros, talvez, por longosdias... Quem sabe? Corpo inerte nem sempre significa libertaçãoda alma. O gênero de vida que alimentamos no estágio físico ditaas verdadeiras condições de nossa morte. Quanto mais chafurdamoso ser nas correntes de baixas ilusões, mais tempo gastamospara esgotar as energias vitais que nos aprisionam à matéria pesadae primitiva de que se nos constitui a instrumentação fisiológica,demorando-nos nas criações mentais inferiores a que nosajustamos, nelas encontrando combustível para dilatados enganosnas sombras do campo carnal, propriamente considerado. E quantomais nos submetamos às disciplinas do espírito, que nos aconselhamequilíbrio e sublimação, mais amplas facilidades conquistaremospara a exoneração da carne em quaisquer emergências deque não possamos fugir por força dos débitos contraídos perante aLei. Assim é que "morte física" não é o mesmo que "emancipaçãoespiritual".

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