Ai não se não faço!

Capítulo 4- Novas amizades sim ou não? E as memórias?...

                        15 de setembro 2022

Querido Rodrigo,

Os meus pais andam a tentar que eu faça amizade com o Moisés, mas depois da tua viagem não me quero apegar a ninguém. Muito menos a alguém que ocupou a tua casa e fez os teus pais irem viver para o outro lado da urbanização.
Em falar nisso.
Hoje passei pela tua mãe e tentei evita-lo, mas ela veio atrás de mim.
Deu-me o teu casaco, aquele de cabedal preto com letras brancas bordadas na parte de trás, "be yourself", essa era a tua frase e tu amavas aquele casaco!
Ainda tem o teu cheiro sabias?
O teu cheiro é mais ou menos a pinho e a lavanda. Uma mistura perfeita dos dois.
Se criasse um perfume seria o teu. Esse cheirinho a ti!
Eras muito detalhado. E sim, fique aqui registado que detalhado é um objetivo.
Os pormenores só teus eram inesquecíveis.
Talvez por isso quiseram roubar-te de mim e ficar contigo só para eles. Quem quer que eles sejam.
Olha lá para fora.
A nossa urbanização é linda não é?
Ruas limpas e seguras, muitas mães a passear os seus bebés e muitos homens de família a passear os cães tanto pedidos pelos filhos nos cinco anos de idade.
Tu tinham um cão não era?
O que que lhe aconteceu para nunca mais o ver?
Os cães são os únicos seres que conseguem amar alguém sem segundas intenções.
  O mundo esta tão cheio de coisas ruins que nem me vou dar ao luxo de falar agora das más intenções.
  Deus não devia deixar tanta crueldade dominar o mundo.
  Vou escrever-lhe uma carta!
  Ai não se não vou!

Carta a Deus,

  Sei que não tenho o direito de lhe mandar uma carta, ou talvez tenha e ainda não sei.
  Precisamos de ter uma conversinha...
  Imagino o Senhor como a Lua!
  Por muito ridículo que pareça isto faz muito sentido, veja os meus motivos:
  A Lua não tem nem inicio nem fim, assim como  senhor; A Lua brilha de maneira igual para todos, o que alegoricamente deve simbolizar o amor  que sente por nós; Quando andamos de carro a Lua segue-nos para todo o lado tal e qual você, que esta sempre presente;
  São só três motivos mas mais vale poucos e bons do que muitos e maus...
  Voltando à razão para lhe escrever:
   Preciso do meu Rodrigo de volta, não lhe peço para ressuscitar os mortos (isso seria de doidos) mas peço para me devolver o meu bem precioso, o meu Rodrigo, aquele que me tratava como uma irmã.
  Preciso de ir para um mundo melhor e não ouvir que o único mundo melhor é o paraíso e que para isso era preciso também ir de viagem com bilhete só de ida.
  Tanta crueldade domina este mundo que nem sei como é que o senhor só vê a beleza que há nele (visto que não há beleza nenhuma).
   Sem mais demoras (visto ser muito ocupado) despeço-me de si.

                       17 de setembro 2022

      Querido Rodrigo,

  Cheira-me a canela e limão.
  Estou sentada no meu quarto muitíssimo colorido a escrever-te e a casa esta perfumada com um cheiro a canela e a limão.
  A minha mãe esta na cozinha a fazer um bolo e apetece-me levantar-me e ir fazer chocolate quente para acompanhar uma fatia daquele delicioso bolo prestes a sair. Mas deixar de te escrever é como  abandonar-te. Já te deixei partir varias vezes e nenhuma delas me pareceu lógica.
  Na última, por exemplo, só te procurei tarde demais e a única coisa que encontrei perto de ti foram ambulâncias.
   Porquê essa mania das motas?
   Era a sensação do vento a bater na cara?
  Visto que não usavas capacete, isso pode muito bem ser um motivo plausível!
   Das únicas vezes que te vi a usar a porra do capacete foi quando eu ia contigo! Acho que não sentes a raiva que eu tenho de ti só de pensar nisso! Incomodava-te muito usar o capacete e não acelerar tanto?
    És louco, e morreste assim!
   Para louco, meia loucura basta. Mas tu querias mais, querias umas mil loucuras por dia, não te chegavam as que fazias por rotina, tinhas que incluir mais umas imprevisíveis e cheias de adrenalina!
  Juro que não te compreendo...
  Nem sei como é que tu me compreendias visto que éramos  opostos.
  Tu eras um louco, desorganizado, desmiolado, egoísta, vaidoso, um bocado falso, mas leal - a mim- divertido e muito simpático.
  Eu era (sim era, mudei muita coisa desde que saíste) organizada, deixava tudo direitinho e por cores, boa aluna, preocupada com os outros e atinada. Mesmo sendo irritante, chata e muito ingénua.
  E estúpida!
  Se era...
  Porque raio organizava eu por cores? As cores são livres de estarem como bem lhes apetecer! O amarelo pode bem casar com o azul escuro e ter corzinhas por aí...
   Acho que o cheiro a canela esta a afetar-me...