Capítulo 5- Já não aguento mais

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                       19 de Setembro 2022

    Querido Rodrigo,

  Estou a pensar mudar de casa.
  Já falei com os meus pais e eles, mesmo um pouco reticentes, concordaram com a ideia.
  Nada me prende aqui!
  Antes era tudo tão pequeno, principalmente quando andávamos nas nossas corridas, mas agora parece que eu minguei e que esta urbanização ficou enorme.
  Tanta coisa mudou, eu mudei, tu talvez tenhas mudado, as pessoas afastaram-se de mim e começaram a olhar-me de lado como se eu fosse uma doida varrida daquelas que chora 24 horas por dia por o gato ter abandonado a casa e agora estar a viver debaixo da ponte com os seus cinco filhos.
  Olha que isso parece a nossa vizinha do fundo da rua, que o marido deixou para ficar com a galdéria que estava em saldos o ano todo.
  Até que ele não ficou mal com a mudança, a ex-mulher era uma maníaca das limpezas e esta aqui parece que a única que trata da casa é a empregada paga com o dinheiro do marido enquanto ela passa o dia no SPA.
  Chega de coscuvilhices!
  Para isso vai ao cabeleireiro do costume que sabes a vida até dum primo qualquer dela que vive no Porto.

                       23 de Setembro 2022

Presa num mundo de aparências
Onde só o que os olhos vêem interessa.
Onde só o dinheiro conta
E as pessoas vêm com rótulos

Nulas são as advertências
Na minha vida expressa
Mesmo que para desafios esteja pronta
Vivo neste trava-línguas que é a vida

Que mundo é este em que se vive
Sem se estar vivo?
E nem o Manel sobrevive,
Por dinheiro não possuir?


23 de Setembro 2022

Querido Rodrigo,


Hoje vieram cá a casa os senhores da imobiliária.
Acreditas que só queriam pagar pela minha casa metade do que os meus pais pagaram? É impressionante a maneira que o nosso país está!
Mas isso fez-me pensar que talvez não devesse vender a casa. Afinal de conta onde é que vou poder morar numa urbanização e ao mesmo tempo numa quinta?
Eu ainda quero ter porquinhos e ovelhas e o meu quarto colorido.
Empacotar estas coisas todas daria um trabalho desgraçado.
E poderia enterrar assim todas as nossas memorias?
Vender a casa seria como enterrar-te ainda mais, pois cada canto desta casa tem uma memoria tua.
Lembras-te quando na sala tivemos a fazer concurso das oreos e tu conseguis-te, não sei como, verter leite pelo nariz?
Ou quando tentas-te saltar da janela do meu quarto para o trampolim?
Ou até mesmo quando sem me dar conta trancaste-te no meu quarto só para te tentares maquilhar?
Ai como tudo era perfeito sem a tua motinha!
Sabes que nunca me vou esquecer daquela noite escura onde só te vi mesmo rodeado de ambulâncias?
Há quem dia mesmo que coisas destas não se esquecem e que vão doer até o fim dos nossos tempos!
Será que o meu fim está assim tão longe como imaginam?

*

Hoje decidi dar um longo passeio pelo "Nosso Bairro" e cada vez mais coisas nossas me invadiam o pensamento!
É angustiante lembrar-me de ti, ou melhor, de nos...
Volta nem que seja nos meus sonhos tabém?
Vem brincar comigo!
Lembras-te desta frase não é?
Era das nossas melhores frases de terror! Com a minha vozinha fininha toda a gente se assustava!

...

Ai não se não faço!Onde histórias criam vida. Descubra agora