Capitulo 14- A revolta

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Carta à morte:

Querida Morte,
Foste tu que metes-te um gato na estrada?
Eu sei que o Rodrigo só morreu porque estava a conduzir em excesso de velocidade, mas ambas sabemos que podia ter corrido bem se não tivesse um gato a passar a estrada e se ele não tivesse que se desviar de repente!
Qual foi a sensação de veres os bombeiros carregando um corpo já sem alma?
Qual a sensação de saberes que destruís mais vidas matando só um, do que propriamente matares todos de uma só vez?
Explica-me essa sensação que eu explico qual é o desgosto de morrer com ele mas continuar viva...


11 de Fevereiro 2023

Querido Rodrigo,

Já não te escrevo a algum tempo, e escreves-te começa a ser monótono.
Sabes quando tu não me respondias a meio de uma birra porque sábias que eu iria bater a tua porta pra obter una resposta?
Isso já não acontece.
Quando vou lá quem me abre a porta é o Moisés de olhos azuis pois aquilo que te pertencia agora é dele.
Talvez deva seguir em frente e deixar de te escrever...
Já nada tem haver contigo!
Queres que te conte o que exatamente nestas cartas?
Olha vou contas-te que o Moisés substitui-te e que faz melhor o papel de Rodrigo que tu!
Gostas de o ouvir?
Mando-te cartas que nunca poderei obter uma resposta é apenas continuo com uma mera fantasia de que um dia voltarás e que é que assim as o que a nossa amizade era.
Isso incomoda-me imenso. Saber que alguém que me amava foi-se assim embora e que agora mesmo que queira contar a alguém as recordações que tenho de ti, vão pensar que estou a inventar porque ainda não te superei.
O tempo passou; tu não voltas-te; eu ainda ando numa psicóloga por tua causa; o Moisés ocupa o teu lugar; o nosso café ao fim da rua fechou...
Novo ano, nova vida.
Nesta vida deves ter reencarnado num gato.
Chegam, fazem as pessoas apaixonarem-se e depois vão embora, fazendo quem os ama sofrer!
E porra como eu te amava!
E porra como eu sofri!
E porra como tu ainda não queres saber!

27 de Fevereiro de 2023

Querido Rodrigo,
Faz hoje um ano e meio que te enterraram.
Um dia triste.
Na escola tinham no dia anterior feito meia greve para mostrar respeito à ti e a tua família. (Meia greve quer dizer que quem faltasse tinha a falta justificada mas haveriam aulas na mesma). E muita gente que nem te conhecia foi ao teu funeral.
Por um lado concordo, mas por outro não.
Percebo que alguns tenham ido por respeito ou para mostrar apoio aos conhecidos, mas outros foram só mesmo para justificar o motivo de não terem mesmo ido as aulas.
Estavas tu, tão pálido, tão morto, com o cabelo devidamente arranjado com a risca ao meio como tu tão odiavas. Deitado num caixão cor de cereja e fato preto.
(Sabes o que me fez Lembrar o teu fato preto? Quando me levas-te ao baile de finalistas. Foi eu no meu vestido lilás e tu num elegante fato preto.
Ofereceste-me uma pulseira com duas pedras: uma preta e uma lilás. Cada uma supostamente representava um de nós, eu e tu, lilás e preto. Tal é qual estávamos naquela noite.
O autocarro da escola, que estava decorado formalmente para aquela ocasião chegou depois de ti e entramos os dois e sentamos na parte de trás, onde estava também a margarida e o Tomás sempre muito concentrados nos seus jogos de telemóvel. Se calhar foi isso que os uniu e fez irem um com o outro ao baile.
Seguraste-me docemente e beijas-te-me suavemente, e essa foi das poucas vezes que o fizeste em público...)
A tua mãe estava de rastos.
Ela não merecia! Não a devias ter feito sofrer tanto! Nenhuma mãe deve Sentir a dor de perder o seu filho. E tu eras o filho único dela!
As mães tiram a sua vida para a dar aos filhos e tu ao morrer mataste a vida que havia nela.
Eu foi ter com ela depois de a ver. Estava tão mal que não aguentava ver alguém sofrer assim.
Portanto, ao ver-me, a tua mãe abraçou-me e fez-lo da mesma maneira que tu fazias. O que fez o meu mundo desabar. E eu que estava a ser tão forte não deixando nem uma lágrima cair, mas depois daquele abraço tão teu, não foi capaz...

Ai não se não faço!Onde histórias criam vida. Descubra agora